Diablo IV

Vou fazer uma confissão aqui: tenho cá meus preconceitos em relação ao mapeamento de comandos idealizado para computadores e, posteriormente, adaptado para se jogar no controle. Não à toa, sempre que estou incumbido da análise de um jogo com essa característica, esta é uma das minhas preocupações reais porque sei o quanto é frustrante saber que algo foi claramente feito para outro perfil de jogador. Em muitos casos, eu lanço o desafio para que os desenvolvedores façam essa passagem de forma orgânica e que pareça confortável para quem quer que seja. Em alguns casos, isso funciona perfeitamente bem, em outros, nem tanto. Mas há experiências que sempre foram pensadas para teclado e mouse e qualquer adaptação posterior é uma gambiarra chique. Felizmente, preconceitos existem para que os quebremos, um a um.

Diablo, na minha concepção, tal como games de estratégia ou de gerenciamento de cidades, sempre foi um jogo de PC, não de console. Mesmo com vários jogos presentes em sistemas desde o primeiro Playstation, eu não imaginava que ele poderia funcionar desta forma. Já contei aqui que só fui experimentar de verdade um game da marca em Diablo III já na geração PS3, e só depois disso fui me atualizar com o que fora feito antes. Diablo II mesmo só fui jogar com controle meses atrás, em sua versão Ressurected, e quem teve a oportunidade de ler o meu review do jogo sabe que me surpreendi positivamente em relação a este quesito. E se ambos já me foram muito bem adaptados para se jogar no sofá de casa com o controle na mão, creio que é em Diablo IV onde a experiência alcançou a maturidade. Sem querer ser clubista (ou talvez sendo), eu nem consigo imaginar como é jogar de outra forma.

O mapeamento de comandos customizável desde o princípio é o que mais me agrada, porque com o sistema de liberar, aos poucos, novas habilidades de ataque e de defesa, tudo é feito com calma e com tempo para nos adaptarmos a cada adição. Tem um tempo até ser possível utilizar os gatilhos R2 e L2 para movimentos mais poderosos, e exatamente por isso, a sensação de pressão acaba funcionando para o proveito da imersão. Soma-se a isso a trepidação e os efeitos sonoros dedicados ao auto-falante do DualSense e a aventura ganha em intensidade. Se eu não sou daqueles que deixa o efeito ligado em sua máxima potência na maioria dos jogos, aqui eles são muito bem ajustados.

Também gosto bastante da forma como as informações são organizados nas diversas telas e menus. O uso sólido de cores, o mapa de navegação e até mesmo a tipografia ajudam muito a encontrarmos as informações que precisamos para tomar decisões corretas, além de haver uma série de opções dedicadas à acessibilidade que ajudam bastante a adaptar o jogo à configuração de agrado do jogador. Mesmo com a TV relativamente longe do sofá, não tive dificuldades em ler menus e legendas, escolher habilidades pela boa iconografia (considerando a quantidade infindável de possibilidades) ou decidir qual equipamento seria o mais adequado para o momento. Parece uma bobagem, mas muitas vezes o tamanho da fonte ou mesmo a serifa em jogos mais detalhados podem tornar tudo mais cansativo e causar ruídos de entendimento.

Não é porque eu não me vejo jogando em outro lugar, porém, que não compreendo isso como uma ótima vantagem, principalmente pelas funcionalidades de crossplay com jogador não só do PC, mas também dos co-irmãos do XBox Series. O game permite ligar e desligar essa característica a cada reentrada, antes do login no sistema e, além disso, é possível também ativar a conversa por áudio com outros jogadores nessas plataformas. Não foram raras as vezes onde me deparei com pessoas habitando aquele mundo que estavam em suas plataformas favoritas e não vi a necessidade de desligar a função, principalmente porque não vejo nenhuma desvantagem nesses encontros casuais que até podem gerar quests colaborativas voluntárias com pessoas que normalmente não me encontrariam.

Com times podendo ser compostos por até quatro pessoas – e o jogo sabe equilibrar bem a dificuldade pra manter esse povo todo bem ocupado – fica fácil explorar Santuário acompanhado, sobretudo quando a party é bem balanceada em relação às classes dos companheiros, o que se torna mais um bom motivo para ter alguns personagens diferentes bem desenvolvidos, já que se estiver sobrando Mago no grupo, nada melhor que mandar um Bárbaro porradeiro pra deitar e rolar em meio a inimigos tomando fogo e gelo por todos os lados. Entretanto, não é inviável, como em outros jogos pautados pelo multiplayer, que todo mundo esteja utilizando seus personagens favoritos, principalmente porque mesmo dentre heróis da mesma classe há variações e combinações bem interessantes. Ainda não consegui montar um time só com Druidas, por exemplo, mas imagino que é virtualmente impossível que haja mais do que um usando a mesmo build.

Porém, sou uma pessoa tradicional. Alguns diriam que, aos 40 anos, me aproveitando das palavras de Roger Murtaugh no excelente Máquina Mortífera, seria velho demais pra isso. Talvez seja, não importa. Fato é que cresci compartilhando o jogo com um segundo player do lado e sinto muita falta dessa função em vários jogos mais modernos. Se minha filha de 7 anos, obviamente, ainda não pode me acompanhar em minhas andanças regadas a uma certa carnificina de demônios, poder compartilhar o jogo com amigos e parentes naquela tarde preguiçosa de domingo é algo que faz muita diferença para mim. Grande parte da minha experiência com Diablo III foi em parceria presente e é um alívio que o novo game mantenha essa possibilidade. Não é possível ter mais de duas pessoas na tela nesse formato local, o que seria uma grande confusão visual, mas uma dupla é um meio bem divertido de se acabar com Mephisto, Lilith e quem mais ousar aparecer pela frente.

Se eu achava que, por ser uma pessoa que joga muito mais no videogame do que no PC, Diablo não era para mim, essa questão foi superada há pelo menos uma década atrás, mas agora me parece ter chegado o ponto onde não vejo mais a experiência de jogar no controle como uma adaptação da forma ideal. O princípio de universalidade é tratado como uma (quase) utopia pelos especialistas em design, mas a busca por um desenho que se adapte bem ao máximo de pessoas possível é uma meta importante a se buscar e, como Diablo IV provou, pode oferecer excelentes possibilidades para cada um de nós. Então, se você tem alguma dúvida sobre jogar nos consoles, confie em mim, vai na fé – literalmente falando – no que desejar, porque o jogo é incrível em qualquer lugar.