Pipistrello and the Cursed Yoyo tem no título uma palavra italiana que significa “morcego”, mas trata-se de um jogo brasileiro. A desenvolvedora paulista Pocket Trap criou antes um RPG de queimado, Dodgeball Academia, mas, desta vez, produziu uma excelente aventura com visão de cima e inspirações em Zelda e metroidvania.
Logo de cara, podemos perceber a estética colorida e super estilizada de desenho animado, trazendo como personagens animais antropomórficos com olhos arregalados. O protagonista, Pipit, é um jovem morcego azul que adora seu ioiô de campeonato.
OK, ele não parece muito com um morcego e meus filhos e eu achamos que tava mais para um coelho de olhos rosados, até que investiguei o significado do nome do jogo e vi que aquilo que achamos que eram orelhas altas de coelho são… bem, orelhas de morcego com formato parecido com asas. O que importa é que são morcegos, talvez em alusão ao imaginário de sanguessugas associados a esses animais, uma vez que os Pipistrello são a família mais poderosa da cidade.
Depois de conseguir criar uma nova fonte de energia muito mais barata (pétalas de certa flor), as Indústrias Pipistrello levaram as concorrentes à falência, estabeleceram um monopólio e, claro, elevaram os preços, deixando a cidade refém de sua influência e interesse próprio. Parecem os vilões da história, certo? Neste jogo, porém, há outros piores para ocupar o cargo.
Obviamente, há muitos cidadãos insatisfeitos com a hegemonia da família dos morcegos, mas os que resolvem tomar iniciativa para acabar com o status quo são empresários de outros setores que mais parecem mafiosos e almejam domínio energético por um meio que até mesmo a matriarca Pepper Pipistrello, tia de Pipit, considera antiético: sugar almas para prover energia inesgotável a mega-baterias.
Eles invadem a mansão e usam a máquina na líder, mas o sobrinho interfere com seu inseparável ioiô e brinquedo acaba absorvendo uma parte da alma da tia. Ela está fraca para fazer qualquer coisa sozinha, mas forte o bastante para conversar com o rapaz e fazer alguns truques com o ioiô possuído para ajudar pelo caminho.
É claro que o objetivo dela é recuperar suas partes sugadas para as quatro mega baterias. E também é claro que cada uma delas está de posse de um dos rivais, que já começaram a usar o novo e poderoso recurso para pôr em prática seus planos para a cidade.
Vista de cima, tal cidade e seu subsolo são os ambientes do jogo. Com NPCs falando “meeeo”, gírias o tempo inteiro e referências em trocadilhos, como a área chamada Faria Slimer, o caos urbano de São Paulo é evocado nos carros pela rua (causam dano a Pipit e a inimigos), nos pontos de alagamento (formam obstáculos para nossa travessia), vias esburacadas (idem) e filas gigantescas para eventos de cultura pop (idem!).
Nessa essência, Pipistrello and the Cursed Yoyo é uma sátira bem certeira a diversos aspectos da vida sócio-econômica contemporânea, sempre mantendo a linha informal, bem-humorada e com uma apresentação que, mesmo irreverente, permanece acessível às variadas idades (meu filho ainda está jogando e adorando o jogo).
O visual retrô remete ao Game Boy Advance, mas a execução trouxe alguns efeitos colaterais. Os sprites de Pipit e de vários dos inimigos são largos, dificultando a noção espacial e a compreensão das hitbox. Assim, foi bastante frequente que eu achasse que conseguiria escapar ileso por um canto, apenas para receber dano por contato de uma criatura. Com o tempo e a prática, isso diminuiu, mas nunca completamente.
O começo da campanha foi particularmente frustrante, pois Pipit começa com três corações de Vida e a primeira melhoria que pode ser comprada tem uma desvantagem temporária de reduzir esse total em um até que seja paga a dívida.
Em tese, esse sistema de melhorias passivas é interessante: não podemos comprar a melhoria diretamente, mas apenas contrair uma dívida equivalente ao preço dela. Metade do dinheiro coletado a partir de então será automaticamente separado para quitar a dívida. Enquanto isso não acontece, ficamos submetidos a uma penalidade, que pode ser também uma redução de BP (pontos usados para equipar acessórios) ou bloquear as pétalas de cura que inimigos podem deixar ao serem derrotados.
Mais adiante, quando o protagonista já está mais forte, essas restrições não têm grande impacto, mas, no começo, ficar reduzido a meros dois pontos de vida pode ser um teste de paciência. Para agravar, o máximo da vida é aumentado após coletarmos oito fragmentos escondidos, o que gera um grande atraso para finalmente podermos usufruir da recompensa por nossos achados.
E tem mais: morrer implica na perda de cerca de 10% do dinheiro carregado. Após apenas uma hora de jogo, dadas as mortes recorrentes, desliguei completamente essa penalidade no menu de dificuldade, que, felizmente, é muito detalhado e permite ajustar diversos aspectos do combate tanto para mais quanto para menos.
Uma alteração que poderia equilibrar o começo sem ter que recorrer ao menu de dificuldade seria fazer os inimigos causarem apenas metade do dano (isto é, cortar apenas metade de um coração de vida, semelhante a como vemos na série Zelda). Na ausência de algo assim, cabe à pessoa que joga fazer sua própria adaptação no menu, se sentir que é necessário.
Como eu disse, os percalços iniciais são atenuados com o passar do tempo e a aventura passa a ser melhor aproveitada. Há muitos locais para explorar, seja nas ruas, nos esgotos, ou nas casas opcionais, com diversos puzzles e desafios pontuais para superarmos em troca de dinheiro ou equipamentos.
Outro ponto que me impactou no início foi ficar um pouco confuso com o terreno da cidade e a alternância entre esgotos e ruas, mas não demorou até eu entender que o mapa é, na verdade, muito eficiente e detalhado. Meu filho mais velho (10 anos) logo quis começar seu próprio arquivo de jogo e conseguiu se orientar sem grandes problemas.
As habilidades de combate também melhoraram com o tempo, inclusive com cenários mais voltados à dinâmica de ricochete do ioiô, deixando certos embates um tanto caóticos, no bom sentido. São as situações de combate que trazem variedade, pois os tipos de inimigos são um tanto reduzidos para as proporções do jogo. Os chefes também são poucos, o que é uma pena, pois os que existem trazem momentos em que o entendimento das mecânicas é realmente posto à prova em batalhas que ficam mais intensas no decorrer de suas fases.
Mesmo que seja descrito como o primeiro “yoyovania” (em alusão aos metroidvanias), Pipistrello caminha na linha tênue que distingue esse gênero dos Zelda-likes.
É uma questão de estrutura: os quatro bairros são ligados entre si apenas pela praça central e cada um tem uma dungeon principal, o que me faz pensar que o jogo tende mais ao lado da família Zelda. Digo isso de forma puramente descritiva, sem juízo de valor, pois o que importa é que Pipistrello acerta em quase tudo que uma aventura com visão de cima precisa ter e ainda ostenta orgulhosamente uma identidade muito própria na estética e na gameplay de ioiô.
Mesmo com alguns problemas de adaptação espacial no começo, a campanha não demora a acertar a mão e se mostrar cada vez mais dinâmica, divertida e desenrolada. Pipistrello conseguiu me fez querer explorar cada cantinho, solucionar cada puzzle e desbancar cada desafio, além de arrancar risadas com suas ótimas referências abrasileiradas e a sátira social bem colocada.
Pipistrello and the Cursed Yoyo está disponível para PlayStation 5, Xbox Series, PlayStation 4, Xbox One, Switch e PC. Esta análise é da versão PS5 e foi realizada com um código fornecido pela PM Studios.