Atualmente, a Square Enix se apoia em três franquias de RPGs, estilo que é a sua especialidade: Final Fantasy, Dragon Quest e Kingdom Hearts. Independentemente da qualidade das séries citadas, a saturação criativa da empresa vem se agravando conforme o passar do tempo. Tal cenário nos revela uma antítese comparativa ao tempo em que SquareSoft e Enix trilhavam seus próprios caminhos, concorrendo entre si para comprovar quem fazia o melhor RPG. Novos destes eram criados de forma significativa. A série Chrono foi uma delas. Chrono Trigger foi o início de uma união mais desenvolvimentista das duas empresas supracitadas, no intuito de entregar uma experiência de jogo ousada e arrojada no Super Nintendo. Chrono Trigger ficou com o status de melhor RPG de todos os tempos. Imagine então a responsabilidade de criar uma sequência dele? Seria capaz de existir mesmo que canônico em seu predomínio proposital? Pois bem, após alguns anos, o tempo se incumbiu de responder a tal pergunta: Chrono Cross.
Não havia mais o "Dream Team" junto ao desenvolvimento da sequência de Chrono Trigger. Isso fez com que a história da série tomasse rumos confusos, os quais são explicados conforme a jornada se delineia, frustrando os que, possivelmente, queriam ver Chrono, Lucca, Marle, Frog e Robo atuantes de forma épica, em modelos tridimensionais, devido aos avanços tecnológicos da época. De certa forma, alguns destes personagens estão presentes no núcleo narrativo de Chrono Cross, porém servem como elementos explicativos para uma história que, na maior parte de seu desenvolvimento, toma seus próprios rumos, por meio da ideia de dimensões paralelas em uma realidade alternativa que tem como ponto fundamental o adolescente Serge. De início, o jogo nos transmite eventos confusos, mostrando Serge, Kid e um outro integrante da party atrás de um objeto misterioso, a Frozen Flame. Instigando a curiosidade do jogador, o jogo, após alguns eventos, nos traz ao arquipélago de El Nido, no qual Serge vive uma rotina até então pacata, com seus parentes, amigos, "namorada" e, dentro desse cotidiano, ele descobre, por meio de alguns eventos, que numa realidade alternativa, ele teria morrido ainda criança, o que naturalmente, descobrindo tal fato dentro desse mundo alternativo de El Nido, o deixa confuso. Contudo, com a ajuda da ladra Kid e outras dezenas de personagens jogáveis, Serge encontrará respostas, Lynx (antagonista misterioso), mais dúvidas, mais respostas, tudo isto numa aventura diferenciada, proporcionada pelo time da Square Soft em seus melhores dias.
Como todo RPG, o jogador visitará diversas localidades, dialogará com NPCs (personagens não jogáveis), ouvirá outras histórias que o faram sentir que há vida naquele imenso mundo e que cada um tem as suas alegrias, suas tristezas, suas glórias, suas saudades… Um artifício interessante que há Chrono Trigger e que se mantém em Chrono Cross se fundamenta em evitar as conversas "desnecessárias". Elas são importantes para que o jogador se aclimate ao mundo do jogo, porém para fins de progressão do mesmo, pouco importa. Isso faz uma boa diferença, caso façamos uma comparação entre conversas importantes para prosseguir no enredo e outras não. Caso não consiga mover o seu personagem diante de uma sucessão de falas, significa que esta deve ser vista com atenção redobrada, porque pode revelar uma dica para um próximo passo a seguir. Provavelmente, num primeiro olhar, alguém afirmará que 43 personagens jogáveis se torna um número bem demasiado. Entretanto, mergulhar na história de cada um destes, junto aos NPCs intimamente interligado aos mesmos, fará com que uma assimilação do enredo seja melhor apreciada. A identidade com Chrono Trigger nos é dada aos pouco. Seja aquele evento importante, perto do final do jogo, ou, ainda, aquela música que toca após uma batalha ser vencida, você verá um pouquinho de Trigger ali, mesmo que, para muitos, tenha sido o suficiente. As cercanias e ilhas do arquipélago de El Nido revelam perigos, ora corriqueiros, ora interconectados ao fluxo da narrativa.
A variedade de localidades e oponentes em Chrono Cross saltam aos olhos devido aos seus diferenciais. Soldados ou monstros, não importa, as abordagens aqui que se mostram múltiplas dentro das referidas dungeons e que mais marcam presença. E, nisso, o título novamente nutre semelhanças com Chrono Trigger. Semelhanças que provêm de inspirações e não meras cópias. A caça aos três Komodos para o colar de Lenna, logo no início do jogo, cada qual tendo que ser apanhado em diferentes situações, já nos introduz a um sistema inventivo, no qualm por exemplo, há batalhas contra monstros épicos, cada qual dotados de suas próprias estratégias de ataque, um problema a ser gerenciado via sistema de combate para uma vitória. Porém, entremeado a tais lutas, existem as pouco convencionais. Ao entrar em algum lugar, por exemplo, uma porta poderá se revelar um oponente, caso uma certa estratégia para evitá-la não seja adotada. Digamos que o jogador deve ficar de olhos bem atentos. A porta não. Ou, ainda, batalha contra algum baú, que geralmente seria inofensivo, mas que pode ser um perigo e que, ao final da batalha, dependendo de sua sorte, o tal baú poderá presenteá-lo com um agrado ou desagradá-lo.
Inimigos dão as caras já no campo de batalha, entretanto, diferentemente de Chrono Trigger, aqui, quando topamos com um deles, há uma transição para uma tela de fundo fixo, numa espécie de recorte do cenário, tal característica já comum nos RPGs tradicionais. Entretanto, ao iniciarmos o gerenciamento de comandos, Chrono Cross nos presenteia com sua diferenciação. Há quatro tipo de ações: atacar, utilizar magia, defender-se, fugir. Não existe um Active Time Battle, propriamente dito, como há em CT. O que ditará a efetividade dos comandos em CC é a quantidade de stamina (vitalidade) que o jogador possui. Variando de um a dez pontos, ela poderá proporcionar uma linha de comandos plena ou simplesmente forçará o jogador a se defender, alternando as ações entre os integrantes da party para assim carregar o tanto de stamina da personagem que esteja numa deficiência temporária da mesma. Perde-se um pouco da tensão proporcionada pelo ATB, todavia ganha-se no aspecto estratégico, porque, dependendo da batalha, posso sacrificar stamina de um integrante com uma base de ataques forte ou simplesmente esperar e ver o que poderá ocorrer, desafiando a sorte a priori.
Ataques com armas apresentam três níveis de intensidade, representados por porcentagens num submenu de batalha: nível 1 (fraco), nível 2 (médio) e nível 3 (forte). Apesar de o ataque em nível 1 provocar pouco dano no oponente, ele é mais preciso e consome apenas um ponto de stamina. Já o ataque de nível 2 apresenta um dano regular e consome dois pontos de stamina. E, por fim, o ataque de nível 3 proporciona um dano alto, consome três pontos de stamina, porém as chances de o adversário se desviar do golpe ou o aliado errar na hora da investida são altas. Dependendo da evolução de cada personagem, minuciosa deve ser a tarefa de o jogador definir qual tipo de ataque será necessário para diferentes cenários situacionais dentro de uma luta, afinal, como já adiantamos, a personagem da party pode, a seu gosto, fazer um encadeamento de ações, usando, por exemplo, ataques, magia e defesa em um só turno. Ou somente ataques, caso se garanta no poderio dos mesmos. Um dilema que poderá significar vitória ou sofrimento.
As magias no mundo de Chrono Cross são realizáveis por meio dos Elements, os quais podem ser comprados nas lojas do jogo ou simplesmente assimilados no decorrer das batalhas. Os Elements são dispostos em diferentes cores, as quais são inatas em diferentes personagens utilizáveis em batalhas e inimigos também. Representando verdadeiras classes, temos, as cores: branco, preto, azul, amarelo, vermelho e verde. Há apenas uma troca de termos aqui quanto à magia inata de cada personagem, mas as significações são similares ao que presenciamos em outros jogos do estilo. Quem domina a magia amarela, por exemplo, realiza ataques envolvendo força elétrica. Por sua vez, quem domina a magia azul, utiliza ataques envolvendo elementos como a água e o gelo. E assim por diante o jogador perceberá as semelhanças. Entretanto, qualquer personagem poderá efetuar qualquer tipo de magia, independentemente de sua afinidade. O que diferenciará as ações e, nisso, a afinidade será decisiva, são os poderes de dano e alcance da magia, obviamente maiores em quem tiver afinidade com a mesma.
Além disto, a afinidade de magia resultará em uma maior resistência contra inimigo que lancem um feitiço de cor similar à um personagem inato daquele tipo de Element. Se você perceber, por exemplo, que um inimigo lançou uma magia que altera o status e esta for verde, porém nem todos os personagens sentiram o efeito da mesma, é porque dentre os componentes da party existe um inato à magia verde. Assim como a resistência, a fraqueza será ditada, por sua vez, pela incompatibilidade de cores dos Elements. Um personagem com um Element inato azul, por exemplo, terá problemas com inimigos que lancem magias de Element Vermelho, dentre outros confrontos elementais e, para isto, itens de recuperação serão muito importantes dentro das batalhas, o que poderá sacrificar uma postura ofensiva, já que o manuseio de itens também consome stamina no decorrer das lutas.
Estes Elements devem ser alocados em diversos slots numa grade, conhecida como Element Grid. Contudo, toda a atenção no gerenciamento destes itens elementais deve ser importante. Os slots da grade estão atrelados a uma espécie de Power Level e o jogador deve manusear isto de forma sábia, percebendo as causas e consequências de suas decisões. Para a simples utilização dos Elements, o Power Level deve estar ao menos numerado em 1 ou acima disto durante as lutas. E como conseguir isto? Com ataques físicos, que, dependendo da intensidade e precisão, farão com que o Power Level seja incrementado. Feito isto, as magias elementais estarão disponíveis para uso, desde as mais simples como os itens de consumo (cura, eliminar status), até magias mais poderosas, dependentes de um Power Level mais alto. Entretanto, tudo ficará a cargo do mencionado gerenciamento. Uma magia poderosa como a MeteorShower poderá ser posicionada entre os níveis 1 e 8 do Element Grid. Junto a isto, há uma espécie de recomendação para seu uso efetivo de base e alcance (no caso da MeteorShower, base 4, alcance +-4). Caso o jogador posicione a citada magia num slot abaixo do nível 4, a mesma poderá ser utilizada mais cedo nas batalhas, porém seu poder de destruição será fortemente reduzido. Por outro lado, caso o posicionamento seja efetuado acima do nível 4, haverá uma demora para utilizá-la, mas o poder de destruição será altamente massivo.
Conforme se avança no jogo, novos tipos de Elements são descobertos e que necessitarão de outras exigências para serem utilizados. Você poderá roubar Elements de seus oponentes durante as batalhas. Ou ainda, consumindo Star Levels (as quais são angariadas por meio de êxito contra inimigos-chave, em sua maioria chefes) e numa determinada situação do Elemental Field (explicaremos isto a seguir), o jogador poderá fazer uso dos Summoning Elements, invocando monstros que efetuarão ataques poderosíssimos. Ainda, teremos as Tech Skills, que poderão ser combinadas com outros personagens, propiciando ataques duplos e triplos, algo que certamente farão você lembrar de Chrono Trigger em alguns momentos.
Elements são tão vitais em Chrono Cross que até o espaço de batalha é influenciável e influencia. Conforme o uso dos itens elementais são decorridos, um mostrador no canto esquerdo da tela, dividido em três partes, vai se modificando, assimilando as cores usadas. Inimigos e aliados podem tirar proveito em determinados momentos da batalha, porque se os Elements inatos de algum personagem coincidir com o determinante no Elemental Field, seus ataques e sua defesa serão incrementados. Em contrapartida, caso a cor seja uma contrária ao Elemental Field, os ataques e a defesa da personagem ficarão mais fracos. Os já citados Summoning Elements só podem ser desferidos quando os três espaços do Elemental Field estiverem com cores similares.
Talvez a maior dificuldade em Chrono Cross seja assimilar toda essa organização do sistema de batalha e usá-la a seu favor. O gerenciamento de staminas e dos Power Levels são primordiais para o sucesso nos confrontos, principalmente contra chefes. Dependendo de suas ações, o indicador de stamina pode ficar negativo, o que tornará a dependência das ações de outras personagens mais necessárias. Como dissemos, aqui não existe ATB e, nesse caso, para que o jogador volte com seu número máximo de stamina, outra personagem deverá gastar a dela. Se tal integrante da party gastou três pontos de stamina, três pontos retornarão para a personagem necessitada. Por isso algumas técnicas são totalmente dispensáveis em certos momentos, como a combinação de Tech Skills, as quais consomem bastante stamina e podem enfraquecer por um tempo considerável um grupo de personagens. Deixar um integrante da party morrer deixará as coisas muito difíceis e revivê-lo deve ser prioridade, portanto, a estratégia de ataques, fundamentada nos Elements, deve ser alterada drasticamente. Ficando atento a esses detalhes, a jornada em Chrono Cross se tornará menos problemática e cada vitória será comemorada com enorme satisfação.
Chrono Cross nos brinda com um dos visuais mais bonitos do PlayStation. Usando da técnica de fundos pré-renderizados, os desenvolvedores adicionaram vários elementos que tornam aqueles mais dinâmicos (noção de vento, movimentação de plantas, etc.), eliminando em muitos momentos a estaticidade que é marca registrada de tal artifício. Algumas paisagens em hand-draw tornam as coisas ainda mais belas, junto ao design engenhoso da maioria das dungeons, proporcionando cenários labirínticos. O open-world é deslumbrante, mostrando a beleza do arquipélago de El Nido e cores como verde e azul, que predominam em muitos cenários, acentuam a tropicalidade do conjunto de ilhas. O design das personagens e inimigos são ótimos e a transição de batalha ocorre com algumas poucas travadas, porém convence, devido às limitações do hardware. Existem algumas poucas cenas em computação gráfica (CGs), porém vale a pena presenciá-las, devido à riqueza de detalhes. Em batalha, há uma visão diferenciada de câmera, apertando triângulo, que nos mostra diversos ângulos de ataques desferidos e maiores detalhes da modelagem dos personagens e dos efeitos de magia, por exemplo. A vivacidade das cores, como já adiantado, também é destaque e fica até difícil imaginar, em alguns momentos, que a SquareSoft conseguiu fazer com que Chrono Cross rodasse no PlayStation.
Yasunori Mitsuda também é o compositor principal de Chrono Cross e por si só já é garantia de uma trilha sonora rica. A maioria das composições atendem a ritmos orquestrados e nisso houve um salto em relação a Chrono Trigger (também composta por Mitsuda). O páreo é duro aqui. Chrono Cross se utiliza de instrumentos de percussão de forma intensa, em comunhão a violinos, tornando a coisa orquestral e tribal ao mesmo tempo, em muitos momentos. Difícil elencar uma favorita. O tema de batalha principal, o de batalha contra chefes, o tema de introdução, o tema de Termina, o tema do mundo paralelo, trazendo angústia e incertezas (ouvi-lo pela primeira vez no jogo é algo indescritível), enfim, são muitas. Colocarei um exemplo de uma faixa da trilha sonora do jogo que, para mim, é formidável. Junta os diferentes estilos e foge do lugar comum das mais badaladas, apesar de ser uma das mais geniais. Consegue reconhecer ouvindo-a abaixo?
A longevidade Chrono Cross é considerável. Além dos vários finais existentes e que certamente estimularão o jogador a rejogá-lo, há o New Game+, trazendo, para uma nova jornada, todos os itens angariados pelo personagem na rodada anterior. Dificilmente serão utilizados os mais de quarenta personagens numa mesma rodada. Se interessou em saber se algum personagem conseguiria mudar o rumo da história? Basta jogar novamente. Novos chefes em uma área do jogo também são adicionados e uma surpresa que pode acelerar a obtenção dos outros finais também é proporcionada pelo NG+.
Viúvas de Chrono Trigger que me perdoem, mas Chrono Cross, apesar de, sim, nutrir algumas decepções quanto aos rumos da história, é um RPG soberbo. Pode não ser a sequência de CT que os fãs esperavam, porém como RPG ele se agiganta a cada hora trilhada. O enredo é complexo, mas personagens como Kid e Harle fazem valer a pena a jornada. Há algumas sacadas com nomes e pronúncias muito incomuns. Por exemplo, a dupla de pintores, pai e filho. O filho se chama Van e o pai Gogh. Toda a construção épica em cima dos Acaccia Dragons cativa conforme a jornada se delineia. A família de Korcha também cativa, assim como a pronúncia do rapaz, servindo até de brincadeira quando ele entra na party (Korcha joinedCHA party), mexendo com uma frase até padrão dentro do estilo. Isso e muito mais do enredo, se estendendo ao sistema de batalha, com suas diversas nuances, apesar de uma curva de aprendizagem que pode ser confusa para muitos, faz de Chrono Cross um jogo ousado e que será sempre lembrado, afinal, as nossas boas lembranças devem resistir à ação do tempo.