A Terra, tal como a conhecemos, se foi. A humanidade, ávida por mais e mais, a explorou até a última gota de seus recursos até não sobrar muita coisa. Ainda assim, orgulhosos de nós mesmos pelo advento das novas tecnologias de armazenamento da consciência e da inteligência da nossa espécie, conseguimos ir ainda mais longe, sem saber que estávamos caminhando para um abismo sem volta.
Por mais que esta pareça ser a premissa da ótima série Alien: Earth, ambientada no universo criado por Ridley Scott, trata-se na verdade do ponto de partida do surpreendente Metal Eden, game de tiro em primeira pessoa onde assumimos o papel de uma máquina dotada com um núcleo de personalidade humana que é enviada para o nosso planeta para resgatar valiosíssimos recursos, enfrentando o lugar que deveria ser o nosso novo paraíso.
Protocolarmente conhecida pela alcunha de Unidade Hyper Aska, nossa protagonista chega a Moebius, uma cidade construída sobre a superfície deteriorada do planeta, em busca dos núcleos de pessoas que agora estão em poder dos chamados Engenheiros, um sistema de defesa muito pouco simpático à causa humana. Subir a Torre Colmeia ou descer até Vulcan são só o começo de uma jornada cheia de reviravoltas e mistérios sobre o tal projeto Éden.
Ainda que não seja uma história especialmente inovadora e tenha suas referências óbvias que flertam com os dilemas morais com os quais estamos lidando mesmo agora, com a expansão da Inteligência Artificial e os debates sobre o que é a essência da humanidade, Metal Eden é extremamente provocador em lidar com o tema com doses certas de ambientação e drama que jamais chegam a tirar o foco de seu ótimo modelo de jogabilidade, verdadeiro coração da experiência.
É, afinal, um FPS aos moldes clássicos que se parece muito mais com versões renovadas dos chamados boomer shooters do que outras produções mais modernas cheias de cacos, sem entretanto se pendurar em um pretenso saudosismo nostálgico. Com ação intensa, necessidade de rápida movimentação, e resposta enérgica às constantes ondas inimigas, é um jogo que sabe bem de suas potências, e que entrega uma campanha curta, mas sólida e satisfatória.
Sem aliviar para o jogador, é possível dizer, portanto, que o jogo se prova uma curiosa mistura entre os sistemas de tiro de Doom e de Destiny, com doses temáticas e de navegação semi-vertical que lembram o ótimo Ghostrunner. Pode parecer um mix esquisito, mas o resultado é um jogo com combate acelerado, dificuldade elevada, parkour refinado e uma sensação de recompensa gratificante a cada trecho vencido.
O game, em seu sistema de progressão, não lança mão de grandes espaços exploráveis e funciona de modo totalmente linear, salvo por uma ou outra bifurcação complementar, normalmente recompensada com um item de proteção ou uma boa quantidade de poeira, unidade monetária do jogo. Organizado em fases com começo, meio e fim, a meta é sempre atravessar um caminho cheio de inimigos e armadilhas para enfim alcançar a outra ponta minimamente vivo.
O cenário tem, vez ou outra, espaços um pouco mais abertos que atendem a duas questões centrais: funcionar como arenas contra ondas mais intensas de inimigos e/ou lutas contra chefes; bem como a proposição de puzzles e enigmas ambientais para avanço. Em outras palavras, lugares maiores significam batalhas intensas e alguma tranca a ser desvendada.
Tudo isso funciona muito bem ao se valer de um design de ambiente que aproveita muito bem de suas capacidades sem levá-las ao esgotamento, armadilha onde muitos jogos similares acabam caindo. Correr pelas paredes e explorar plataformas é, afinal, um processo para se cumprir a missão, e não tentam ser os obstáculos primários, porque, sejamos francos, o foco é – e deveria mesmo ser – no quebra-pau cibernético.
E neste aspecto, enfrentar os exércitos inimigos é especialmente muito prazeroso em Metal Eden. A diversidade das máquinas adversárias vai crescendo ao longo da aventura, tal como o uso do bom arsenal disponível. O receio, ao encontrar aqueles robôs cujo escudo precisa ser quebrado, artifício muito utilizado como muleta para jogos menos inspirados multiplicarem a percepção de diversidade inimiga, se desfez quase que imediatamente, e o exercício de driblar essas defesas em trechos variados só melhora uma dinâmica acrobática, quase coreografada.
Menos divertida, porém, é a segunda forma de nossa heroína, uma esfera metálica dotada de descargas elétricas e que se torna necessária em alguns trechos onde o solo não é dos mais convidativos aos pés. Além de lembrar (voluntariamente ou não) a parte menos atraente da expansão mais recente de Destiny 2, chamada de Os Confins do Destino, é uma mudança que acrescenta muito pouco à experiência e, por vezes, quebra o fluxo tão bem orquestrado da expressão principal.
Também parece um tanto quanto protocolar uma árvore de habilidades bastante volumosa, sobretudo em um game de campanha tão curta. Por mais que upgrades sejam uma parte diegética fundamental de lidar com um corpos cibernéticos, são poucos os momentos onde podemos sentir de fato a diferença que esses acréscimos trazem. Melhor se sai o sistema de incremento das nossas armas, cada qual com melhorias e funções extras muito bem-vindas, fazendo valer a pena investir naquelas que mais nos agradam.
Por sua vez, todo o espetáculo gráfico prometido nas prévias se cumpre de modo muito competente na versão final do jogo, mesmo que ele evidentemente não se pretenda um benchmark da geração. A temática tecnológica é muito mais propícia a surpreender estéticamente quando comparada a temas orgânicos, e Metal Eden se aproveita muito bem disso. Sem o investimento astronômico de uma AAA, o jogo apresenta gráficos que se provam e se sustentam de forma digna.
O resultado é uma experiência que não tem vergonha da luz exuberante e que se esconde pouco por trás de espaços mal iluminados ou escondidos nas sombras noturnas. Abusando da paleta metálica ora azulada, ora saturada na intensidade de vermelhos e verdes, e de uma direção artística que usa das várias cores de forma muito adequada, o jogo brilha e, sem virtuosismos gananciosos, sabe nos fazer pausar a ação contínua, de vez em quando, só para uma rápida contemplada na paisagem devastada.
Isso não significa, contudo, que o jogo está totalmente livre de alguns desenhos genéricos em inimigos, bem como a sensação de vazio em muitos dos seus cenários. Por mais que o futuro distópico tecnológico seja essencialmente um tanto quanto frio e cheio de lacunas, este ainda carece de uma certa sujeira que teria potencial de nos contar um pouco mais do que, afinal de contas, deu errado entre uma ótima ideia e um péssimo resultado para os humanos.
As mesmas virtudes e as poucas faltas do quesito visual podem ser verificados na banda sonora, com uma belíssima trilha musical permeando a pancadaria que dá ritmo ao combate e que funciona bem com o tom sintético dos diálogos e outros documentos de áudio com os quais topamos ao longo da campanha. Senti falta, ainda assim, de uma poluição de ruídos e distorções que ampliassem a percepção ambiental que deveria transmitir uma ideia tão límpida e, ao mesmo tempo, tão corrompida.
O conjunto da obra, como parece evidente ao longo do texto, me prendeu como eu não esperava. Metal Eden funciona curiosamente ao encontrar um meio termo entre o moderno e o clássico, entre as dinâmicas mais diretas dos jogos de tiro do começo do século com os virtuosismos de um tratamento temático contemporâneo, que não espera ser visto como um ensaio filosófico aprofundado e, ao mesmo tempo, não se esquiva da discussão mais assertiva.
Tudo isso continua sendo um ótimo tempero para um jogo de tiro robusto, bem alinhado e dotado de uma fluidez equilibrada que, mesmo desafiadora, não deixa de ser deliciosamente confortável. Dinâmico e intenso, há aqui uma proposta que se sustenta pela objetividade e pela excelência técnica, que mesmo longe de ser especialmente original, usa bem de suas qualidades o suficiente para deixar um sabor de “quero mais” ao final de sua história, esta que parece ser rica o suficiente para novas investidas no futuro. Reikon Games: manda mais que está pouco!
Metal Eden está disponível para PS5, Xbox Series e PC (via Steam) com legendas em português do Brasil. Esta análise foi produzida jogando no PS5 e realizada com um código fornecido pela Deep Silver.