Análises

Lost Soul Aside – Review

Se há algo que sempre me incomodou na indústria dos games é a forma como certos gêneros, outrora populares, foram sendo deixados de lado ou moldados para acompanhar tendências do mercado. Um exemplo claro disso são os jogos de ação hack and slash. Populares no início dos anos 2000, esses títulos perderam espaço com o tempo, sendo engolidos por uma nova leva de RPGs de ação.

Felizmente, na contramão dessa tendência, desenvolvedores independentes surgem como uma esperança para manter vivos gêneros esquecidos. É nesse cenário que Lost Soul Aside deveria se encaixar. O título chamou atenção quando apareceu quase uma década atrás como um projeto solo inspirado em Devil May Cry, mas idealizado por um fã declarado de Final Fantasy. A proposta era promissora, mas o longo silêncio após sua revelação fez muitos acreditarem que ele jamais veria a luz do dia.

Lost Soul Aside

Isso mudou drasticamente a partir do momento que a Sony decidiu apoiá-lo através de seu programa China Hero Project. Com esse suporte, o jogo entrou em fase de produção com uma equipe maior, para finalmente ser lançado no final de agosto. O resultado disso tudo, no entanto, veio com algumas mudanças. O que era para ser um projeto menor passou a ter seu preço de lançamento próximo ao de um AAA. Além disso, o game parece ter se perdido em uma espécie de abismo, tentando ser muitas coisas, mas sem entregar boa parte delas de forma convincente.

A começar pela história, que não é um desastre completo, mas que está longe de alcançar o nível que almeja. Há cerca de mil anos, a humanidade foi invadida pelos Voidrax, seres alienígenas com poderes extraordinários. Após uma guerra mortal, os humanos, apoiados por alguns Voidrax pacifistas, derrotaram os invasores e aprisionaram fragmentos da alma de seu líder, Aramom, em cristais escondidos em cinco dimensões paralelas ao redor do mundo.

Aproveitando-se da vulnerabilidade do mundo pós-guerra, um dos generais do exército humano, conhecido como AltoCastro, tomou para si o poder e fundou o império de Celestria. Em sua fortaleza, ele aprisionou e escravizou o mais poderoso dos Voidrax que lutaram ao seu lado: Arena, uma entidade em forma de dragão que passou a ser usado como fonte de energia para o imperador.

Lost Soul Aside

Muitos anos se passaram, e apesar de alguns conflitos contra os remanescentes do Voidrax, a humanidade viveu em paz. Porém, durante um evento de celebração do imperador, os Voidrax ressurgem repentinamente para atacar a humanidade e tentar libertar seu líder. Para isso, eles precisam absorver uma quantidade de almas dos humanos para quebrar os selos que prendem Aramom às dimensões paralelas.

Durante o ataque, dois jovens órfãos que são membros de um grupo que faz oposição ao império são afetados de diferentes maneiras. A aventureira Luisa tem sua alma capturada, enquanto seu irmão mais velho, Kaser, de maneira acidental, acaba encontrando a prisão de Arena. O dragão então se oferece para ajudá-lo em uma jornada para salvar sua irmã e tentar livrar o mundo do retorno de Aramom.

Lost Soul Aside

Embora o resumo acima sugira uma história promissora, a execução narrativa de Lost Soul Aside é bastante superficial. A trama é recheada de clichês, os personagens carecem de profundidade e os diálogos frequentemente soam cômicos de tão simplórios. A dublagem original em inglês também não ajuda. Os atores parecem apenas ler suas falas, sem qualquer esforço para transmitir emoção ou dar vida aos personagens. No fim, é bem provável que você termine a campanha sem se importar com nenhum deles ou com o mundo que habitam.

Outro aspecto que compromete a experiência em Lost Soul Aside é a maneira abrupta com que as transições entre cenas de ação e cutscenes ocorrem. Esses cortes repentinos quebram a imersão e prejudicam o ritmo de momentos que, inicialmente promissores, acabam soando desajeitados e desconexos. O tempo todo, a narrativa transmite a sensação de um trabalho remendado e mal finalizado.

A parte técnica, de modo geral, também deixa a desejar. Visualmente, o jogo oscila entre cenários internos caprichados e áreas externas que claramente enfrentam dificuldades para manter a performance estável. É comum se deparar com texturas de baixa resolução, atrasos na renderização, serrilhados e elementos visuais desfocados. Esses problemas acabam comprometendo até mesmo o esforço empregado na boa variedade de biomas presentes no jogo.

Lost Soul Aside

Já no level design, tudo é simples e direto. Os mapas são totalmente lineares, algo que não seria um problema em um jogo de ação. Mas Lost soul Aside insiste em desviar o jogador para salas laterais e baús com recompensas de valor questionável. Os materiais coletados servem basicamente para fabricar poções que têm impacto mínimo no combate, enquanto o ouro é usado, na maior parte do tempo, para comprar mais materiais, receitas e alguns itens equipáveis igualmente irrelevantes.

Algumas atividades extras também podem ser encontradas. No geral elas são bem simples, e se resumem a coletar fragmentos de energia dentro de um determinado tempo. Essas atividades não oferecem desafio, e sua recompensa pode ser alguns pontos de experiência ou uma quantia insignificante de dinheiro. Esse é mais um exemplo de algo que foi colocado no jogo somente para preencher o tempo, mas que poderia facilmente ter ficado de fora.

Aliás, esse ponto sintetiza bem o maior defeito de Lost Soul Aside: a tentativa constante de adicionar complexidade onde ela não é necessária. Fica evidente que o jogo teria se saído muito melhor se abraçasse de vez sua essência como um hack and slash tradicional, em vez de tentar se vestir com elementos superficiais de RPG. Um exemplo claro são os adereços das armas, que oferecem vantagens mínimas e parecem existir apenas para ocupar espaço e prolongar artificialmente a experiência.

Lost Soul Aside

O jogo praticamente se resume a avançar de uma sala à outra enfrentando inimigos e chefes, com alguns desafios de plataforma no caminho. O combate, inicialmente, se destaca por seus combos ágeis e variados, oferecendo uma boa dose de diversão. No entanto, a fórmula rapidamente se desgasta, especialmente após a metade da campanha, revelando uma repetição que compromete o ritmo. É mais um sinal de que a desenvolvedora errou na dosagem, estendendo o jogo além do necessário.

Há uma grande quantidade de chefes e inimigos elite que precisam ser derrotados para avançar pelos mapas. Muitas vezes, esses confrontos ocorrem em sequência, o que pode tornar as batalhas cansativas. Os inimigos principais possuem barras de postura que precisam ser quebradas para que possam ser lançados ao ar, um mecanismo que, apesar de interessante, acaba complicando o ritmo do combate e dificultando a execução dos combos.

Lost Soul Aside

Apesar da boa variedade de armas e magias, a repetição constante dos inimigos a médio prazo torna o jogo monótono, fazendo com que sua melhor característica perca parte do seu brilho. Por outro lado, os chefes principais merecem elogios. Muitos deles apresentam uma variedade interessante de ataques em área e elementais, oferecendo boas lutas, mesmo que algumas delas se prolonguem além do necessário.

Mesmo com esses contratempos, os quatro tipos de armas que vão sendo liberados aos poucos contam com variações elementais que ajudam a acelerar certos combates. Além disso, cada arma possui sua própria árvore de habilidades, desbloqueando novos ataques e poderes passivos. Um dos pontos fortes do combate é a fluidez para alternar entre armas no meio dos combos, permitindo variar estilos, atacar à distância ou aplicar finalizadores mais poderosos.

Lost Soul Aside

Duas técnicas fundamentais são a defesa e a esquiva. Sempre que um inimigo sinaliza um ataque com um símbolo azul, é possível pressionar o botão de bloqueio para atordoá-lo. Já a esquiva, quando feita no timing perfeito, gera uma energia que pode ser consumida para desferir um ataque crítico. Essas mecânicas se encaixam bem no sistema de luta, mas também acabam gerando um problema que me incomodou bastante.

Durante confrontos contra inimigos que utilizam ataques em dash ou quando vários adversários atacam simultaneamente, as mudanças rápidas de direção costumam desorientar a câmera, que acaba ficando instável ou tremendo excessivamente. Somado à abundância de efeitos luminosos e coloridos durante o combate, o resultado é uma confusão visual que pode até causar desconforto ou mal-estar.

Lost Soul Aside

O nível de desafio, no geral, é outro assunto confuso. Com exceção de alguns inimigos que utilizam ataques elementais e outros protegidos por minions, a maioria dos confrontos pode ser superada sem grandes dificuldades. No entanto, a alta quantidade de vida de certos inimigos prolonga as batalhas a ponto de torná-las estressantes. Considerando que o jogo pode facilmente ultrapassar vinte horas de duração, seria necessário reduzir a duração dessas lutas e aumentar a variedade de adversários. No fim, a fluidez do sistema de combate acaba se tornando uma tarefa monótona de apenas pressionar botões.

Isso também afeta o efeito replay do jogo. Ainda que algumas arenas de desafios e novas dificuldades sejam desbloqueadas após a conclusão da campanha, a estrutura desbalanceada do combate cria uma barreira para que o jogador se sinta motivado a enfrentar essas tarefas.

Mesmo com esses problemas, ainda há aspectos positivos a destacar. A performance do jogo se mantém estável na maior parte das arenas. Embora algumas batalhas específicas, que envolvem efeitos visuais intensos e movimentação de água, apresentem quedas significativas na taxa de quadros por segundo, isso não chega a comprometer de forma grave a experiência de combate.

Lost Soul Aside

Por outro lado, um problema que pode incomodar bastante são os engasgos frequentes durante as transições de cenário ou quando o salvamento automático é acionado. Essas pausas abruptas acabam prejudicando parte da jogabilidade, especialmente durante as sessões de plataforma.

Essas sessões aparecem ao longo de boa parte do jogo e são afetadas pela falta de responsividade das animações de Kaser durante pulos e esquivas aéreas. Alguns tipos de arma possuem habilidades específicas que fazem parte do sistema de travessia, sendo a mais divertida a capacidade de deslizar com a espada longa por ladeiras, fugindo de estruturas desmoronando e ataques inimigos. Essas sequências são bastante satisfatórias e mereciam ter maior presença no jogo.

Lost Soul Aside

Outro ponto que merece destaque é a bela trilha sonora. Tanto durante a exploração quanto nos combates, o jogo aposta em canções que claramente remetem à atmosfera da franquia Final Fantasy, resultando em uma experiência musical empolgante. Porém, como quase tudo em Lost Soul Aside parece ser acompanhado por um detalhe negativo, o impacto da trilha muitas vezes é prejudicado pelos cortes secos nas cenas, quebrando seu efeito imersivo.

Ao longo de toda a minha experiência com Lost Soul Aside, confesso que várias vezes quis gostar mais do jogo do que realmente consegui. É inegável o esforço dedicado pelo seu criador para entregar algo grandioso. No entanto, o resultado final é um produto cujo enorme potencial se perdeu em decisões equivocadas e conceitos mal executados. No fim das contas, não chega a ser uma catástrofe, mas deixa um gosto amargo de algo que poderia ter sido excelente, se tivesse apostado na simplicidade.

Lost Soul Aside está disponível para PS5 e PC com legendas em português do Brasil. Esta análise é da versão PS5 e foi realizada com um código fornecido pela Sony Interactive Entertainment.

Veredito

Flutuando entre conceitos que comprometem a experiência, Lost Soul Aside é um exemplo de um jogo que poderia ser excelente, mas que se arrasta desnecessariamente. O combate rápido oferece combos satisfatórios e a trilha sonora é memorável, mas até esses pontos fortes acabam caindo na mesmice durante uma campanha prejudicada por uma narrativa rasa.

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