As adaptações de animes para os videogames carregam em si uma tradição enorme ao longo das últimas décadas, e mesmo quando se percebeu uma crise em produções derivadas e licenciadas para propriedades intelectuais oriundas sobretudo dos cinemas e da TV, este segmento se manteve forte, alimentando um público fiel e sempre presente.
Em 2025, algumas franquias já bastante tradicionais, várias delas longe do seu auge de popularidade, estão se fazendo presentes em produções variadas, seguindo a premissa de contar uma vez mais suas histórias que tanto marcaram época. Em abril, Bleach: Rebirth of Souls fez um certo barulho, e agora Hunter x Hunter: Nen x Impact chega para reavivar o interesse em uma das obras mais celebradas de todos os tempos.
Eternizada pelo traço de Yoshihiro Togashi (também criador de Yu Yu Hakusho, outro fenômeno de popularidade inclusive aqui no Brasil), Hunter x Hunter é um tradicional produto shōnen que conta a a típica jornada de herói protagonizada pelo jovem Gon Freecss em busca de seu pai, o que o coloca no caminho de se tornar um Caçador seguindo seus passos, ao lado de outros aspirantes, como Leorio, Kurapika e Killua, cada qual com suas próprias motivações que, claro, vão acabar se cruzando mais cedo ou mais tarde.
Para superar um processo muito árduo e receber o título de Caçador, o garoto precisa dominar a essência do Nen, (que guardadas as devidas particularidades, funciona como o Ki em Dragon Ball, Hado em JoJo’s Bizarre Adventure ou Cosmo em Cavaleiros do Zodíaco), processo que se torna guia do enredo central da trama e, obviamente, nomeia o jogo centrado em acompanha-lo.
O primeiro apelo deste tipo de adaptação está exatamente em refazer os passos já conhecidos pelo público e colocar a ação diretamente em suas mãos, ainda que via de regra, o melhor aproveitamento da história é compartilhado com quem já conhece a obra original, assunto do qual falamos bastante na recente análise de Edens Zero aqui no site.
Em Nen x Impact, não é diferente. O principal modo single player é aquele que acompanha a aventura de Gon e seus amigos, organizado nos grandes arcos presentes no mangá e no anime, cada qual subdividido em capítulos que podem conter trechos narrativos, lutas ou ambos, cada qual com uma classificação em ranking que depende da qualidade da sua execução. Frustrante, é um espaço curtíssimo, que condensa arcos inteiros em uma ou duas lutas rápidas, e que acaba em um piscar de olhos.
Enquanto aquilo que nos é contado se aproveita de frames da animação clássica e diálogos em texto como uma história em quadrinhos (usando alguns resmungos e interjeições como sonorização), as lutas ilustram os momentos de ação, nos colocando em mãos os personagens que eventualmente devem se sair vitoriosos, incluindo antagonistas quando isso convém àquela passagem.
A estrutura, muito parecida com os últimos jogos da franquia Naruto X Boruto Ultimate Ninja Storm, funciona relativamente bem enquanto lembrete de contextualização do porquê tal personagem enfrenta aquele outro em dado momento, mas faz muito pouco pelo envolvimento imersivo em si. As metas secundárias, como aplicar certos golpes, ajudam a nos guiar para emular aquilo que só tínhamos assistido ou lido antes. E mesmo assim, é pouco, muito pouco.
Mesmo que trate de um grande enredo desde o princípio, é um modo pouquíssimo proveitoso de entrada do público na franquia, pois é, como dito, demasiado resumido e abre mão de todo o ritmo e, principalmente, do envolvimento emocional que fazem de Hunter x Hunter aquilo que ele efetivamente é. Mesmo que lance mão de muitas cenas de corte ilustradas com pontos chave no anime, a forma como tudo é narrado está longe do poder do que veio antes.
Entretanto, este é um jogo essencialmente de luta bidimensional, e o modo História, por mais que tenha ganhado notabilidade nos últimos anos, ainda pode ser considerado por grande parte do público como algo secundário. No final das contas, ele pode servir somente para dar algumas desculpas para colocar personagens consagrados para se enfrentarem até o limite de suas forças.
E neste aspecto, as expectativas estavam relativamente altas em torno do título, que juntava a capacidade do veterano estúdio Eighting (o mesmo de Marvel vs. Capcom 3) e a distribuição em parceria com a respeitadíssima Arc System Works (que todos conhecem por vários jogos de luta, incluindo Dragon Ball FighterZ). Quais seriam as chances de um projeto assim fracassar?
Aparentemente, as limitações orçamentárias de uma obra como essa podem ser um fator bastante relevante para a apresentação final. Para além da mediocridade com a qual a rica história da franquia é apresentada, os visuais conhecidos também acabam passando por uma representação não muito além do mínimo aceitável. Hunter x Hunter: Nen x Impact não é exatamente feio ou mal feito, mas é seguro e mediano.
A modelagem do elenco principal, que segue a regra de mercado já estabelecida há anos de se apropriar de um cel shading que limita expressividades e lava texturas, não chega a comprometer, e os visuais de cada personagem são aceitáveis e, mesmo com a mudança de cores e skins, muito competentes. Por outro lado, suas animações e movimentos parecem duros, robóticos e com pouca alma.
O trabalho de efeitos visuais, sobretudo os que acompanham os golpes mais poderosos, também não chega a comprometer o conjunto, mas está longe dos melhores exemplos do gênero atualmente. Por outro lado, os cenários são paupérrimos e já seriam questionáveis em jogos de duas ou três gerações atrás, mesmo aqueles que não contam com investimentos mais altos. Eles lembram algumas passagens do anime, mas são dotados de uma pobreza de detalhes e de personalidade assustadora.
Já pelo aspecto das mecânicas de luta, minha primeira surpresa positiva foi não apelar para o tradicional sistema de batalhas em arena como se tornou comum neste tipo de produto derivado. Ao contrário, Hunter x Hunter: Nen x Impact se estabelece nos combates em duas dimensões, mesmo com a modelagem 3D, o que lhe garante uma certa liberdade em se apropriar de conceitos e movimentos bem estabelecidos em games similares.
Em formato de 3×3, temos uma dinâmica aqui de muita dinamicidade, com comandos básicos fáceis de se aprender, bons modelos de encadeamento de combos manuais e golpes especiais mapeados de modo acessível e de rápida assimilação. Além do chamado de ajuda e cancelamentos, há ainda um certo facilitador para aplicação de combos automatizados que ajuda a equilibrar as coisas sem torná-las rasas ou fáceis demais.
A combinação entre estes fatores e o uso dos recursos da postura Nen (para repelir ataques hostis, arremessar oponentes no ar ou aplicar ataques especiais mais sofisticados sempre às sustas da barra de especial) torna este um jogo delicioso de se jogar, valorizando a experimentação para com todos os 16 personagens do elenco principal. Mesmo nas dificuldades mais elevadas, é possível já iniciar o aprendizado com alguma memória muscular para, ao longo da campanha, aprender comandos mais específicos.
A coisa escala bastante no modo multiplayer on-line, com um bom uso do quase obrigatório netcode via rollback, sobretudo contra adversários mais calejados que conseguem conectar sequências de pouco respiro e que exigem muito de ações de contenção usando as funções overgear e quickgear, ambas sempre custosas. Ainda que o jogo valorize uma postura altamente agressiva, não saber se defender pode significar entrar em um ciclo de sofrimento sem cair no chão para perder uma barra inteira de vida.
O maior problema do jogo neste aspecto está, como em todo jogo de luta de menor repercussão, na ainda falta de adversários para partidas ranqueadas pareadas. Com longas esperas dependendo do horário do dia, me deparei com oponentes muito acima do meu nível, e demorou para que eu conseguisse vencer um deles, o menos apelativo, que já estava na casa das duas centenas de partidas realizadas. De resto, a maioria derrotas, e a certeza de que é necessário ganhar mais casca na dificuldade máxima do modo Arcade.
No mais, o game oferece alguns outros espaços de suporte, como um inevitável espaço para treinamento de combos, um modo sobrevivência (chamado aqui de Heavens Arena) e várias opções de personalização de cartão de jogador on-line, bem como desbloqueáveis como músicas e materiais gráficos, o que em conjunto cumpre um protocolo padrão, sem nenhum grande destaque e sem grandes holofotes para a marca Hunter x Hunter.
Esta é, talvez, uma percepção bastante contraditória em Hunter x Hunter: Nen x Impact, compreendendo que é uma obra que se aproveita (e depende) bastante do interesse prévio de um público já veterano da franquia, mas que ao mesmo tempo se esforça muito pouco em recompensá-lo de forma mais incisiva ao reaproveitar material antigo sem muito tratamento ou usar pouco das principais características deste universo para reconstruí-lo de forma mais imersiva dentro do jogo.
Por mais que grande parte dos personagens mais marcantes esteja lá, bem como a retomada de uma história já contada, o game parece muito mais uma estrutura sólida – ainda que sem grandes inovações – com uma roupagem qualquer que poderia ser facilmente substituída sem maiores prejuízos. Se para a maioria das pessoas isso já basta, para quem espera há anos por uma boa adaptação deste mundo (o que parecia ser o alvo dos desenvolvedores) talvez não seja suficiente.
Hunter x Hunter: Nen x Impact está disponível para PS5, Switch e PC (via Steam) sem legendas em português do Brasil. Esta análise é da versão PS5 e foi realizada com um código fornecido pela Bushiroad Games.