Assim que ouvi falar sobre uma adaptação para a geração atual de um dos meus animes favoritos da atualidade, Edens Zero, logo criei em minha mente uma estética que se aproveita dos sistemas de combate em arena tão comuns nesse tipo de transposição nos últimos anos. Eis que me surpreendo no momento seguinte, quando descubro que se trata, na verdade, de um RPG de ação e não um jogo de luta propriamente dito. A curiosidade, claro, aumentou.
Idealizado pelo mestre Hiro Mashima, cuja notoriedade já vem de anos diante do sucesso de obras como Fairy Tail e Rave Master, Edens Zero é uma aventura de fantasia espacial que acompanha a jornada de Shiki Granbell, Rebecca Bluegarden e sua tripulação navegando a poderosa nave que dá nome à propriedade, enfrentando inimigos poderosos e muitos perigos.
O game reconta com bastante fidelidade todo o arco inicial dos mangás e do anime, nos colocando na pele de vários dos protagonistas explorando os planetas já bastante conhecidos do público por uma perspectiva nova. Com algumas missões e inimigos que vão além do que fora visto nas demais linguagens, é um jogo que recompensa fãs de longa data e oferece conforto aos novatos que pretendem viver esta história pela primeira vez, mas a custo alto.
Isso porque narrativamente Edens Zero apresenta uma série de desvantagens na comparação (que, compreendo, é injusta, mas também inevitável), já que precisa correr com alguns arcos e se aprofundar em outros para funcionar como jogo. Ao sonegar algumas passagens, personagens e situações em favor da dinâmica da interação, acaba perdendo parte do seu apelo, daquilo que faz de seu universo algo único no mercado.
A boa notícia é que a produção consegue equilibrar bem suas limitações e entrega um enredo minimamente coeso que consegue incorporar tantos conceitos novos de uma forma satisfatória, ao menos para quem já conhece aquilo que está sendo contado. Se não é a melhor porta de entrada para a franquia, ela ainda é sólida o suficiente para ser mais do um complemento dependente de outras mídias. O problema é que, por si, todo o envolvimento emocional com essas figuras é comprometido.
Estas limitações se devem também pelo formato de interações, cenas de corte e diálogos, que se apropriam de mecanismos que já vimos antes, nas últimas duas ou três gerações. Modelado tridimensionalmente e filtrado por um cel shading convencional e cansado, o traço de Mashima sofre com uma certa pasteurização simplificada que perde o impacto muito rapidamente.
O resultado são personagens principais bastante fiéis aos originais, mesmo quando começamos a brincar com a customização de vestuário e equipamentos. Já outros NPCs, bandidos, chefes e sub-chefes acabam sofrendo com uma aparência rasa e sem qualquer traço de personalidade. Vê-los ao longe passeando ou somente existindo em um mundo teoricamente semiaberto traz uma sensação contrária do que esperar daquela construção que deveria ser tão orgânica de mundo.
O mesmo vale para a ambientação, com cenários extremamente simplificados, cheios de linhas retas repetitivas, texturas replicadas à exaustão e objetos de cena distribuídos economicamente por lugares relativamente amplos. Não fosse a coleta de consumíveis tradicional do gênero, não haveria nada a se ver ou fazer para além de seguir para o próximo ponto de interesse principal.
Mesmo que consideremos o escopo de uma produção enxuta, Edens Zero se aproveita muito pouco tanto de seus visuais quanto da diversidade potencial existente em cada planeta visitado. Se comparado a outras produções similares, como o bom One Piece Odyssey, é notável perceber a diferença na composição do level design e dos recursos gráficos.
Ainda mais grave é chegar até um local e decidir explorar cada cantinho atrás de recursos valiosos e descobrir que o mapa principal é cercado por paredes invisíveis por todos os lados. É necessário estar atento ao minimapa no topo da tela para saber quais são as ruas, vielas e caminhos realmente acessíveis e quais são só um pano de fundo com propósito de dar uma falsa amplitude a lugares que, na prática, são bastante restritivos e decepcionantes.
Tudo isso nos ajuda a compreender que esta adaptação pouco funciona como um RPG no que se refere a navegação e ocupação de mundos vastos. Esse caráter de mimetização da aventura está presente somente nas escolhas de construção e progressão do nosso time de personagens, em quesitos com os quais já estamos bem familiarizados, como níveis liberados com o acúmulo de pontos de experiência, árvore de habilidades, roupas e armas adquiríveis para ampliar nossos atributos, e assim por diante.
Inicialmente, equipamos peças do vestuários originais com características normais. Seguindo com a campanha, conquistamos dinheiro para compra de novos itens melhores, com vantagens de nível e outros atributos, como pontos de vida, de defesa e assim por diante. Espancar uns vagabundos desaviados pelos caminhos alternativos é uma forma necessária, ainda que lenta, para ganhar um troco a mais antes de partir para o que interessa de fato.
Esta customização é um dos pontos altos da experiência, com inúmeras peças equipáveis vendidas infelizmente a preços pouco convidativos que, portanto, demandam muito grinding. Segundo os desenvolvedores, são mais de 700 itens a serem comprados in-game, e mesmo sendo liberados para aquisição aos poucos, aqueles que gostam de algum nível de personalização vão ter muito o que fazer.
Estes confrontos opcionais também geram pontos de XP que ajudam bastante a engrossar o potencial de nossos heróis, mas se valem muito pouco de qualquer contexto interessante para a imersão, dado o fato de que, como dito antes, são genéricos, desinteressantes e repetitivos. São meios que acabam sendo algo bem-vindo somente para quem pretende alcançar as fases mais avançadas com um certo conforto.
Isso porque a árvore de habilidades se vale bastante desse meio de evolução, permitindo liberar novas finalizações ou melhorar as já existentes, ampliando possibilidades de combos e outros incrementos praticamente obrigatórios para que tenhamos um bom desempenho no momento onde a situação exige o bom e velho quebra-pau shōnen para eliminar hordas de inimigos ou criaturas mais complicadas.
Aprender os modos de combate, porém, está longe de ser algo complicado em Edens Zero, felizmente. O jogo se apropria de um formato com um ataque padrão com um único botão (quadrado) que cria combos padronizados, além de duas habilidades extras dispostas no círculo e no triângulo. Basicamente, tudo é uma combinação entre estes três comandos, o que não é muita coisa na prática.
Para além disso, há um necessário botão de salto para ataques aéreos; esquiva (o mesmo que serve para correr quando fora das batalhas); a versão mais simples do poder principal de cada personagens; e o comando para um especial poderoso, ambos com o tempo de cooldown condizente com a sua eficácia. Não são necessários mais que vinte minutos para dominar as mecânicas e movimentos de um determinado personagem.
Ao mesmo tempo, como temos uma série de amigos sendo adotados pelo grupo como parte da equipe, essa aprendizagem se estende para muito além das primeiras horas, já que cada um desses oito personagens jogáveis tem seus prós e contras em ataques próximos, de média e longa distância. Uma pena, contudo, que mesmo em times com quatro aliados, só aquele que controlamos está visível e oferece dano aos adversários. Os demais estão lá, mas só para serem selecionados, a qualquer momento, para entrarem na pancadaria.
Em outras palavras, você vai ter um trabalho importante em gerenciar e montar times equilibrados, mas na prática, eles jamais vão atuar juntos e só aparecem em tela dialogando em cutscenes, o que limita muito qualquer intenção de trabalho em equipe, complementaridade e estratégia em campo, sobrando só a opção de lutar até um personagem ficar fraco e alternar para o outro com a barra de saúde mais cheia.
Ainda que ofereça algumas passagens um tanto quanto diferentes da sua exploração padrão, Edens Zero transparece valores de produção bastante modestos pelas características narrativas, visuais e de jogabilidade, algo que funciona dentro da proposta e consegue entregar uma campanha relativamente alongada, que ainda ganha mais substância com modos livres de exploração em fases já superadas. Quantidade, entretanto, não significa qualidade de vida.
Com ferramentas extremamente datadas e poucas inovações, é um jogo que se apoia no material de base para encontrar um nicho de entrada, mas que pouco oferece se avaliado como um jogo por essência. Até mesmo seus recursos de interface, incluindo tutoriais, são absolutamente os mesmos quadros estáticos que interrompem a ação quando querem ensinar algo novo que já vimos uma infinidade de vezes.
Seu maior problema, porém, não está nas limitações, mas na falta de interesse em lidar com as particularidades da obra original. A busca de Shiki para encontrar seu lugar no universo e, assim, construir suas relações é extremamente dissolvida pelos fios tênues que conectam a história, e mesmo quando estas questões são abordadas, são extremamente superficiais e mal dirigidas, uma herança desse formato de anime tridimensional que já chegou no teto faz muito tempo.
Não há dúvidas que debaixo deste universo de escolhas genéricas há elementos interessantes. A mistura entre os conceitos metafísicos presentes na ideia do Ether (que lembra os princípios do Cosmo em Cavaleiros do Zodíaco) e a jornada quase pirata com o mesmo tipo de composição de tripulação vista em One Piece é matadora, e abre margens para criação infinita de situações e individualidades, mas aqui se limita a uma reprodução mal feita de cortes do anime.
Uma vez que Edens Zero decidiu adaptar a complexa história desde seu princípio, não haveria muitas possibilidades para além de criar situações reproduzíveis mesmo em tramas distintas. Isso, porém, acaba resultando em um volume de coisas a se fazer que brilham pouco em sua unicidade, valendo muito mais como uma lembrança pálida daquilo que gostamos de ver, e não uma verdadeira experiência em si.
Edens Zero está disponível para PS5, Xbox Series e PC (via Steam e Microsoft Store) com legendas em português do Brasil. Esta análise é da versão PS5 e foi realizada com um código fornecido pela Konami.