Para o detetive durão, um estilo de ficção conhecido em inglês como “hard boiled”, é icônico o personagem Sam Spade, criado nas histórias de Dashiell Hammett e cristalizado na atuação de Humphrey Bogart no filme O Falcão Maltês, de 1941.
O arquétipo carregado por Sam Spade é uma boa comparação para Eugene McQuacklin, o protagonista de Duck Detective: The Secret Salami. A voz grave, a postura séria, o traje de sobretudo e chapéu. O pato leva consigo outras marcas da literatura de detetive, como o antigo trabalho como policial, o divórcio e o problema com vícios. Ah, não se preocupe quanto aos temas, a história nunca fica realmente sombria e, em vez de álcool, a compulsão que tenta o investigador é… pão. Pão fofo, pão de forma, pão assado, pão em todas as formas para ele gastar seu dinheiro sem sequer se dar conta.
É claro que é tudo galhofa; afinal, o herói é uma ave de voz séria em um corpo de linhas ainda mais cartunescas que o Pato Donald. Todos os personagens são animais de diferentes espécies, um recurso muito antigo de apresentar bichos em papéis humanos e, assim, revelar ou mascarar idiossincrasias e comportamentos sem precisar de rostos realistas para suas peculiaridades, reforçando ainda mais a ideia de que tudo aquilo se trata de uma ficção. As vozes da dublagem (em inglês) seguem na mesma linha, sendo intencionalmente caricatas. Essa é uma liberdade narrativa de paródia bem aproveitada para contar a história do Bandido do Salame que assola o escritório de uma empresa de ônibus de viagem.
Assim, estão representadas com roupagem leve diversas situações problemáticas e infelizmente comuns da vida moderna: pessoa que mente sobre seu vício, fofoca de ambiente de trabalho, workaholic masoquista que trabalha às custas de sua saúde física e mental, empresa que não atende aos compromissos com os clientes nem valoriza os funcionários, chantagem e egoísmo corporativo. É uma apresentação simples para um subtexto complexo, que, infelizmente, não está tão longe assim de nossas vidas.
No começo do jogo, achei a coisa toda um tanto lenta, simplista e, às vezes, banal. Da metade em diante, porém, a trama se aprofundou e seguiu direções inesperadas, com nuances que cativaram a atenção em relação aos mistérios em questão.
Normalmente, eu não acho que a ideia de esperar até a metade para o jogo melhorar seja justificável, mas, neste caso, estamos falando de uma trama investigativa de apenas três horas de duração. Assim, a espera para as engrenagens da história realmente começarem a girar não é longa e faz sentido dentro da estrutura narrativa, pois sentimos a agradável surpresa de começar a perceber que as coisas não eram tão simples quanto a premissa fazia parecer, atiçando a curiosidade e pondo para funcionar as nossas células cinzentas de jogadores-detetives.
Eu joguei The Secret Salami traduzindo tudo para meus filhos (o jogo está em inglês), como se lesse um livro de mistério para eles. No terço final, minha esposa já havia se juntado a nós para acompanhar as reviravoltas e o clímax da história, envolvida com as deduções.
As mecânicas detetivescas são bastante diretas: Eugene anota uma questão no caderno e coleta pistas na forma de palavras ao interagir com objetos e pessoas. Ele pode usar sua lupa para procurar pontos de interesse nas ilustrações, o que não é exatamente desafiador, mas é executado de forma bastante interessante ao tornar as imagens que parecem garranchos simplistas em detalhes legíveis.
As palavras serão usadas para preencher as lacunas das questões e toda solução representa um passo a mais na investigação, abrindo mais questões no caderno.
Como há apenas sete NPCs e seis locais no prédio da empresa, o trabalho do pato não se torna um labirinto de informações. Todos os pontos de interação são marcados por um ícone, cuja cor indica se há ou não alguma informação a descobrir.
Os objetos e pessoas são escrutinados pelo detetive com sua lupa, fazendo com que os desenhos fiquem mais detalhados e os textos se tornem legíveis. Esses trechos são guiados pela vibração do controle quando vislumbramos uma pista e não é possível deixar essa tela até que todas as três ou quatro pistas sejam encontradas e devidamente registradas no menu.
As palavras para preencher as lacunas das deduções são categorizadas por cores e cada espaço vazio só tem uma quantidade pequena de opções. Isso abre espaço à tentativa e erro, uma atitude pouco recomendada em jogos de investigação, mas admito que, quando ficamos confusos com as conclusões mais longas perto do final do jogo, precisamos tentar um pouco dessa abordagem em algumas palavras. Isto é, o sistema em geral é bastante intuitivo, mas nem sempre é muito claro o rumo da dedução que precisamos aplicar. Quando acertamos tudo, o jogo
Para quem tiver problemas com a investigação ou só quiser focar na história, Duck Detective também tem sistema de dicas e um modo história, facilitando o acesso a mais pessoas.
No final das contas, Duck Detective: The Secret Salami é um mistério repleto de charme cartunesco e lúdico, que só revela suas cartas no momento certo e, assim, reserva boas surpresas para a segunda metade da campanha.
Duck Detective: The Secret Salami está disponível para PS5, Xbox Series, Xbox One, Switch, PC via Steam, iOS e Android. Esta análise é da versão PS5 e foi realizada com um código fornecido pela Happy Broccoli Games.
