É comum que os romances de gênero tenham várias histórias independentes entre si, mesmo quando tudo gira em torno de um mesmo personagem. Não é diferente nos romances e contos policiais, como podemos perceber nas dúzias de obras protagonizadas pelo Poirot de Agatha Christie e o Maigret de Simenon. Também Sam Spade, uma figura clássica do detetive estoico de chapéu e sobretudo, teve várias histórias para chamar de suas.
A carreira de Eugene McQuaklin, o Pato Detetive, seguiu o mesmo rumo e, um ano após o caso anterior, The Secret Salami, agora temos um novo mistério para solucionar: Duck Detective: The Ghost of Glamping. Ou melhor, jogadores de PS5 têm acesso a ambos ao mesmo tempo, agora que foram lançados simultaneamente na plataforma.
A comédia continua, é claro, fazendo paródia com as histórias policiais e peculiaridades contemporâneas. Tudo bem tranquilo, como esperado, ainda que certos temas e insinuações estejam um pouco menos leves que no jogo anterior.
Ao abrir o caderno de Eugene, já percebemos que as proporções do caso continuam praticamente as mesmas: são seis ambientes principais, ainda que haja alguns pequenos locais a mais, tornando a área ligeiramente maior; e apenas sete NPCs para conhecermos. Ou melhor, seis NPCs, pois já conhecemos um deles do jogo anterior: o jacaré Freddy, que agora acompanha o protagonista o tempo todo.
O tema dessa vez, como o título já indica, é glamping, uma aglutinação das palavras “glamurous” e “camping”, isto é: acampamento glamuroso. Embora isso já existisse há muito tempo, nas caravanas de exploradores europeus ricos em territórios coloniais, o conceito turístico é coisa do nosso século XXI, com a fuga de pessoas da cidade em direção à natureza – contanto que tenha conforto, banheiro e wi-fi, é claro.
O glamping em questão tem tipos variados de acomodações, desde a barraca do nosso falido detetive, até uma grande tenda luxuosa (com hidromassagem). As pessoas também não podiam deixar de ser tipos variados, tanto nas espécies animais quanto em suas procedências e personalidades. É um elenco de tipos interessantes em seus vários detalhes para conhecer ao longo da investigação, mas ainda são personagens de uma curta comédia de mistério (ou seria mistério de comédia?), então só são profundos na medida em que o pouco tempo e a intenção permitem.
O trunfo desse glamping decadente é ficar ao lado de um antigo sanatório abandonado. O prédio é dito assombrado, o que o torna alvo de influenciadores em busca de cliques em vídeos chamativos. Por consequência, as visitas ao local aumentaram, mas coisas estranhas começaram a acontecer e a gerente do estabelecimento diz que é culpa do fantasma, não de negligência dela.
Assim como em The Secret Salami, as coisas não são tão simples quanto parecem e a primeira hora é apenas uma preparação aparentemente trivial para formar a base das reviravoltas que seguirão depois. Sem spoilers aqui, é claro, mas a parte em que as coisas começam a ser desvendadas e as surpresas são reveladas acontece rápido demais, muito próximas ao clímax, então não deu para saboreá-las direito. Em todo caso, é novamente uma história interessante e até meus filhos repararam que as tramas se mostraram mais sérias que no episódio anterior.
O modelo de investigação continua o mesmo de The Secret Salami: usar a lupa e diálogos para encontrar pistas na forma de palavras, que serão usadas para preencher as lacunas das deduções do inquiridor.
É um sistema simples, mas as deduções requerem um agradável exercício de raciocínio e de revisão das pistas já encontradas. Tudo é devidamente registrado no caderno do pato e no menu de quem joga. Além disso, quem precisar de dicas pode solicitar até três delas para cada dedução, em uma sequência gradual que prefere dar uma linha de raciocínio em vez da resposta em si (sim, eu precisei usar as três dicas de uma dedução, apenas para perceber que a coisa era tão óbvia que era apenas a única alternativa que eu ainda não tinha pensado).
Tal qual The Secret Salami, há opção de dificuldade mais leniente para quem preferir focar em acompanhar o conto. O menu ainda traz a opção Unstuck, isto é, “destravar”, que conclui aquela dedução específica para você, permitindo que a trama avance para o ponto seguinte.
Como disse antes, o caráter de série é uma característica típica do gênero literário e, como bem sabemos, também muito enraizada nos videogames. A questão não é “se” Duck Detective vai ter uma sequência, mas “quando”. Não, nada foi anunciado oficialmente ainda, mas o desfecho da história deixa um gancho que exige uma continuidade para a série, talvez fechando uma trilogia ou até algo para além disso.
Portanto, espero que o provável terceiro jogo seja um pouco mais ambicioso e traga algumas novidades mecânicas e narrativas. The Ghost of Glamping não é pior que The Secret Salami, mas também não é melhor. A repetição pode ser agradável ao público de mídias serializadas devido às certezas da familiaridade e, ainda que não haja problemas intrínsecos quando uma sequência é mais do mesmo do seu bom antecessor, a fórmula não tem muito mais a oferecer e precisa de mais variáveis para produzir a surpresa que o mistério bem-feito almeja.
Duck Detective: The Ghost of Glamping está disponível para PS5, Xbox Series, Xbox One, Switch, PC via Steam, iOS e Android. Esta análise é da versão PS5 e foi realizada com um código fornecido pela Happy Broccoli Games.