Análises

Double Dragon Revive – Review

Double Dragon sempre significou memórias de infância para mim. Seja pela versão do Master System que eu alugava para tentar finalmente zerar (e falhar miseravelmente), seja pelo filme horroroso que eu, moleque, adorava sempre que passava na Sessão da Tarde. O critério, claro, não era muito alto, e bastava ter dois malandros quaisquer dando um socos baratos para que nos sentíssemos representados ali, como fãs de videogame.

O tempo passou, o gênero dos beat ‘em ups acabou ficando meio de lado, mas a franquia, com idas e vindas nem sempre unânimes dentre a comunidade, nunca deixou a nossa memória afetiva. O mais recente Double Dragon Gaiden: Rise of the Dragons, de 2023, trazia uma leitura saudosista que, à época, fora bastante elogiado, inclusive aqui mesmo na nossa review.

As expectativas para uma nova versão que retornava a tentativa de levar a série para a tridimensionalidade, portanto, gerou um misto entre o hype e a preocupação, já que mesmo com alguns bons exemplos aqui e ali, este nunca foi um estilo de movimentação que convenceu. Double Dragon Revive coloca-se a prova como uma nova tentativa de retomar a franquia de forma mais séria para agora e para o futuro. E, adiantando o resultado, há muitos méritos a serem celebrados aqui.

A trama já é bastante conhecida, e encontramos um mundo bastante bagunçado depois de uma guerra nuclear ter varrido a nossa sociedade como a conhecemos, abrindo espaço para que as gangues assumam o controle político da sociedade, cada qual dominando regiões diferentes das cidades. Quem se opõe ao novo regime acaba desaparecido, ou pior.

Nossos heróis, os irmãos Billy e Jimmy Lee, herdeiros de um grande poder que atrai olhares invejosos por todos os lados, vivem em relativa tranquilidade até que sua amiga Marian desaparece misteriosamente, o que os leva a investigações só para entenderem que o problema onde estão se metendo é muito maior do que eles poderiam imaginar. Resgatando os clássicos clichês dos filmes de ação dos anos 1980, o jogo consegue subverter algumas expectativas, mas tem nessa leveza temática uma marca importante.

Apresentada como uma HQ semi dinâmica, a trama é suficiente para o que se espera do gênero, com boas passagens entre fases, caracterização de personagens e aquela dose de canastrice necessária para plots absurdamente rocambulescos. São belas ilustrações que, por mais que tenham uma distância tonal da modelagem in-game, funcionam e dão um pouco mais de personalidade a heróis tradicionalmente rasos.

E já que o assunto veio a tona, confesso que tive momentos distintos no que tange o trabalho artístico do novo game. Se a expressividade dos personagens não é das mais sofisticadas para o atual estado da geração, o que resulta em bonecos muitas vezes sem muita alma, o conjunto da obra é mais competente em criar uma dimensão interessante, com inimigos variados o suficiente, bem como protagonistas arquetípicos adequados.

E se no final das contas, a gente precisa fazer um esforço para lembrar quem é Billy e quem é Jimmy, são os bons efeitos de partículas e os ótimos ambientes que chamam a atenção. Golpes especiais, explosões, e todo tipo de constructo cenográfico são todos ótimos e surpreendentemente precisos quando utilizados para criar situações específicas, por exemplo, como fugir de um perseguidor em meio a múltiplos obstáculos ou usar de barris para maior efetividade no dano.

Os cenários são um espetáculo a parte. Ainda são os mesmos de sempre, como complexos industriais, ruas estreitas, prédios, esgotos e o sempre presente cassino, mas há um bom trabalho de caracterização, ótimo uso de cores e muitos elementos interativos. Mudanças de direção são mais presentes do que eu esperava para um jogo majoritariamente side-scrolling. Um tanto quanto burocráticas, é verdade, mas que trazem um tempero extra pra receita.

Também é impossível não elogiar o ótimo trabalho sonoro feito aqui. Os efeitos especiais ou o trabalho nas vozes não são nada espetaculares, mas a trilha musical, como já é uma tradição na série, é muito bem pensada sobretudo ao se considerar o que cada uma adiciona às fases, individualmente. Jogar Double Dragon Revive com o volume baixo ou em um sistema de som ruim é um verdadeiro crime.

O que realmente brilha, porém, é o gameplay, que me fez lembrar da sensação, guardadas as necessárias e devidas proporções, de Die Hard Trilogy do Saturn e até do Mortal Kombat Shaolin Monks, do Playstation 2. A liberdade de movimentação é grande nas diferentes direções, e mesmo com bonecos pouco malemolentes e uma certa lentidão de ação, há um bom aproveitamento da dinâmica de combate contra múltiplos adversários.

A pancadaria em si aproveita de três botões de ação para ataques e combos, com finalização focada ou em área dependendo do personagem escolhido, além do salto ser mais uma opção de composição de ataques. Há bastante fluidez, salvo a dificuldade de se interromper uma sequência para evitar ataques inimigos, algo que alguns chefes sabem aproveitar muito bem sobretudo no terço final da campanha. Felizmente, nada que algumas tentativas e muita paciência para se aprender padrões não resolva.

Fiquei especialmente satisfeito com a quantidade de armas a serem coletadas e usadas temporariamente durante as fases, tais como as inevitáveis facas, os bastões de baseball, marretas, chicotes e por aí vai, todos eles com suas vantagens e desvantagens no enfrentamento mano-a-mano ou contra hordas maiores de inimigos brucutus.

Outra mecânica importante está na quebra de defesa, algo que parece um efeito mais plástico nas duas ou três primeiras fases, mas que exige um domínio e um entendimento apurados na metade final. Isso significa saber usar os comandos com muito mais sofisticação do que timing, porque a execução no momento certo pode abrir defesas complicadas, bem como agir desordenadamente só nos abre a guarda para uma punição severa.

Vale destacar o bom uso das barras de especial, que se acumulam de acordo com um bom desempenho e com sequências devastadoras, que só não são mais divertidas que usar as partes soltas do cenário a nosso favor. Espancar alguém na parede ou chutar uma lata de tinta bem na fuça dele são só exemplos da boa diversidade de ação que, as vezes, pode até lembrar um bom filme dos tempos áureos de Jack Chan.

Não tão excelentes assim são as passagens que exigem a travessia de armadilhas, plataformas e obstáculos. O comando de pulo em Double Dragon Revive definitivamente não foi pensado para a precisão, e se funciona bem para a pancadaria, não é das coisas mais confortáveis para saltos no tempo certo ou para desviar de perigos ambientais.

Pior é quando o jogo exige de nós uma noção de profundidade com a qual ele jamais se comprometeu. Ter que ir ao fundo do cenário onde tem um bando de vagabundos jogando granadas precisando atravessar um simples desnível pode ser um martírio custoso. Não são muitos os momentos assim, mas são constantes e desengonçados o suficiente para nos fazer questionar o porquê daquilo.

Por outro lado, racionalizando esses motivos, a alternância entre trechos mais volumosos de inimigos, sempre muito misturados; e estes trechos que exigem mais agilidade que força é uma ótima solução para o ritmo, evitando a sensação de uma constante repetitividade onde jogos assim acabam caindo. Essa preocupação torna o jogo equilibrado conceitualmente, mesmo com fases relativamente longas, entre 20 e 40 minutos cada.

Uma pena, entretanto, que a campanha em si seja um tanto quanto curta. Claro que a experiência nas dificuldades mais elevadas ou o uso dos diferentes protagonistas pode alargar a experiência por conta dos retornos e dos fracassos, mas de ponta a ponta, o jogo não passa das 4 ou 5 horas, no máximo. Mesmo que os desafios extras complementares sejam um ar de frescor para aumentar a vida útil do jogo, ainda parece pouco para as boas qualidades que o jogo proporciona.

Esta sensação de falta de conteúdo, por si, não é uma exclusividade deste jogo, inclusive dentro do gênero, mas não deixa de ser lamentável que todos os quatro personagens possíveis são liberados já nas primeiras duas horas da aventura, bem como os oito mundos acabam um se encavalando ao outro muito rapidamente.

Por mais que tenha alguns problemas e limitações, Double Dragon Revive é, sem dúvidas, uma ótima surpresa dada a desconfiança com essa tridimensionalidade para onde a franquia insiste em retornar mesmo depois de uma ação bem sucedida no formato tradicional.

Está longe de ser fluido como um Street of Rage 4 ou rápido como o próprio Double Dragon Gaiden: Rise of the Dragons, mas ainda assim é uma entrada digna para uma franquia que parece estar procurando uma identidade ao longo dos últimos 20 anos. Tomara que a tenha encontrado para, enfim, poder refiná-la de verdade.

Double Dragon Revive está disponível para PS5, Xbox Series, PS4, Xbox One e PC via Steam com localização nas legendas e menus para o português do Brasil. Esta análise é da versão PS5 e foi realizada com um código fornecido pela Arc System Works.

Veredito

Double Dragon Revive carece de uma personalidade mais determinante, mas não há dúvidas que o jogo consegue superar as desconfianças, entregando um sistema de jogabilidade sólido o suficiente e uma ótima experiência beat ‘em up para os tempos modernos. A se lamentar, fica a oferta de um conteúdo bastante limitado em duração e em variedade, mas os méritos no campo sonoro e dos pequenos detalhes na interação com o ambiente se sobressaem, garantindo que fãs de longa data encontrem aqui algo com um potencial de se tornar grande em um futuro próximo.

70

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