Se há algo pelo qual a franquia Digimon se tornou notória é pela coragem para arriscar. Um dos mais conhecidos expoentes do gênero de RPGs dos anos 90 voltado para a coleção de monstros do qual, dentre algumas outras, uma certa IP da Nintendo se tornou o nome mais famoso, o seu principal diferencial sempre foi a direção um pouco mais madura e séria que, embora mais notória nos animes, acabou, com o tempo, se tornando também mais comum nos jogos.
É claro, nem todo risco acaba se pagando e para cada grande acerto, como Digimon Survive, um erro tão grande quanto parecia estar próximo, vide Digimon All-Star Rumble ou Digimon Universe: App Monsters. Mas isso nunca impediu a Bandai Namco de seguir em frente tentando. E foi em uma dessas primeiras tentativas, lá em 2006, que nasceu o primeiro Digimon Story, uma subsérie inicialmente de Nintendo DS (e sim, da época em que todo jogo para o portátil da Nintendo encontrava uma forma de incluir a sigla no seu nome) que vem se mantendo firme e forte entregando consistentemente os melhores títulos de toda a franquia.
E é com essa responsabilidade que Digimon Story: Time Stranger, o primeiro lançamento desde Digimon Story: Cyber Sleuth – Hacker’s Memory de 2018, chega agora ao PS5, colocando o jogo tecnicamente na geração atual, com gráficos e performance bem melhores do que o título anterior, mas também trazendo vários dos novos digimons que foram surgindo recentemente, com a série retomando várias das suas diferentes frentes, incluindo novos animes.
Considerando que se trata de um DS, o ponto central aqui é, bem, a sua história. Seu protagonista, com o jogador podendo escolher entre um garoto e uma garota como nos últimos títulos, é um dos gêmeos membros da ADAMAs, uma agência encarregada de proteger civis das chamadas “anomalias”, manifestações do mundo digital no mundo real, e dos riscos representados por Digital Monsters, os Digimons, e todo tipo de ameaça digital que possa surgir no mundo real.
Tudo vinha caminhando bem para os dois, com eles se tornando até mesmo objeto de um popular anime no Japão até que, durante um misterioso evento no topo da prefeitura de Shinjuku durante um protesto da população, uma guerra começa a ser travada por diferentes Digimons que acaba resultando em uma gigantesca explosão. Visto (ou vista) no meio dos acontecimentos, nosso(a) protagonista acaba conhecendo uma misteriosa garota que é carregada para o topo do prédio e, ao chegar lá, é atacada por um estranho vulto. Quando, após a explosão, você se vê no mundo digital cercado de misteriosos digimons e ainda sendo atacado pela anomalia em forma de sombra, o protagonista decide fazer o que todo bom agente da ADAMA faz: investigar.
É aí que nosso(a) protagonista descobre que sua viagem não foi só para o Digimundo, mas também no tempo, tendo retornado oito anos para o passado. Cabe a você agora descobrir não só como retornar ao seu mundo, algo que eventualmente acontecerá já que o jogo te fará transitar bastante entre o Digimundo e Tóquio, mas, principalmente localizar o misterioso Digiovo do Grande Guardião, encontrar uma forma de derrotar a ameaça que coloca ambos os mundos em risco, e, com isso, garantir que os eventos catastróficos de Shinjuku não representem o fim do mundo como um todo.
É uma história bem diferente daquela que foi contada nos últimos títulos da série, mas uma que bate em vários dos clichês que já se esperaria da série em seu arco geral. Não espere nada de muito revolucionário aqui, mas o mais importante é que a forma como ela é contada e os pontos em que a história vai tocando são todos muito bem construídos e entregues. Isso faz com que a jornada e o resultado sejam satisfatórios e façam valer o investimento de tempo do jogador. Não espere o grau de risco narrativo que Digimon Survive entregava, já que ele não flerta tanto com elementos mais adultos como naquele título, mas se mantém dentro do que os fãs mais ávidos se acostumaram a ver aqui ou no anime. Um ponto altíssimo é que o jogo está todo legendado em PT-BR, algo que já havia acontecido com Digimon Survive. Afinal, Digimon sempre teve uma base de fãs muito forte no Brasil e vê-la sendo reconhecida é mais do que merecido.
Falando nisso, o jogo se passa em um dos Digimundo mais interessantes: Ilíada, um servidor diferente do tradicional da série (conhecido como File Island), comandado pelo Olympus XII, Digimons inspirados nos deuses gregos do Olimpo. Isso significa que, retornando a estrutura antiga da série, nem todo Digimon que você encontrar por aqui será recrutável, com vários Digimons lendários estando presentes apenas como elementos importantes do plot. Isso faz com que o senso de escala até mesmo do papel do jogador ganhe um tom diferente, colocando até mesmo o seu desafio em algo de maior larga escala.
Pode parecer uma decisão estranha mas é uma que funciona, especialmente pelo jogo trazer um elenco bem robusto de monstrinhos para colecionar, com pouco mais de 450 em seu elenco, trazendo mais de 100 digimons novos em comparação com Hacker’s Memory (e praticamente o dobro do Cyber Sleuth original). Dessa forma, todo o sistema de breeding que já era bem complexo ganhou ainda mais robustez, com o jogador tendo total liberdade para criar novos digimons ao acumular informação suficiente deles (o que acontece os derrotando em batalha) e então podendo digievoluir ou de-digivoluir seus monstros na hora que bem entender, com toda a mecânica agora atrelada ao seu digivice (sem a necessidade de acessar um terminal específico).
Essa alteração para deixar tudo vinculados o digivice te dá maior maleabilidade para lidar com as situações de combate que vão surgindo, já que agora é possível gerir a sua equipe como um todo a hora que bem quiser. Seus digimons vão ganhando experiência mesmo que não estejam na equipe principal (formada por três membros na frente e três na retaguarda, que podem trocar de lugar livremente em combate), o que também ajuda a manter a equipe em uma escala de poder mais satisfatória. Seus Digimons podem ser customizados com acessórios e habilidades diferentes, abrindo um leque bem maior ferramentas e há uma considerável liberdade para mover itens de um para outro. É um sistema bem funcional e que, sinceramente, deveria ser o padrão para jogos de coletânea de monstros, já que te ajuda a focar no que mais importa que são as dinâmicas do combate em si.
Nesse aspecto, o jogo segue com a estrutura pela qual ela já é conhecida há muito tempo. Suas batalhas deixaram de ser totalmente aleatórias, mudando para um sistema em que Digimons inimigos andam pelo mapa. Isso significa que você pode escolher se entrará ou não em combate, mas sabendo que, caso eles te vejam, partirão para o ataque (e quem iniciar o contato é quem agirá primeiro). Há agora um ataque de campo mapeado para o R2 que te permite tanto causar uma quantidade expressiva de dano a um Digimon adversário quanto destruir certos pontos do mapa para abrir novos caminhos para progredir ou achar materiais/itens espalhados por aí. É algo bem legal e mais dinâmico que te ajuda até mesmo a planejar como farmar dados de um Digimon que, por ventura, você queira adicionar a sua equipe.
As batalhas em si seguem o bom e velho sistema de batalhas por turnos, com cada personagem agindo em uma ordem definida por sua agilidade. Na hora de agir, seu Digimon poderá usar um ataque simples, se defender ou usar habilidades, com a grande novidade ficando por conta do sistema de Artes Cruzadas. São técnicas poderosas que vão sendo desbloqueadas ao longo do jogo e que, ao preencher uma barra, permitem ao próprio protagonista afetar diretamente o combate (o que ele também pode fazer usando itens).
No mais, o bom e velho sistema de resistências e fraquezas retornam agindo em conjunto, com a tríade Vacina, Vírus e Dados ainda funcionando no esquema “pedra-papel-tesoura”, com cada um sendo forte contra um (causando 200% de dano) e fraco contra outro (50% de dano). Além disso, cada Digimon tem suas próprias resistências e fraquezas elementais (com diferentes níveis que causam 1.5 ou 2x a quantidade de dano ou o inverso em resistência), com o jogador podendo equipar, como já dito, habilidades e itens que ajudam a aumentar a resistência ou te permitir explorar fraquezas que, pelo tipo natural de um Digimon, não pareciam ser o mais provável (dar um ataque de gelo para um Agumon, por exemplo). É um sistema bem funcional e divertido, sendo fácil de entender mas constantemente te forçando a manter uma equipe vasta e giratória capaz de lidar com todo tipo de problema que o jogo vai lançar contra ti.
Os únicos pontos de relativa reclamação que o jogo traz estão mais atrelados à sua performance. Embora seja bem bonito graficamente, com modelos de personagens e cenários bem superiores aos títulos passados, uma identidade visual mais refinada e bem bonita e efeitos nas batalhas bem agradáveis de se ver (e que deixam certos competidores no chinelo), os mapas que você irá explorar ainda são relativamente pequenos, compostos de várias áreas menores interligadas, então é difícil não ficar com a sensação de que você está sempre andando por corredores e, ainda assim, ter que enfrentar algumas quedas de framerate na exploração que, mesmo não sendo tão comuns, precisam ser ajustados. Dito isso, é uma reclamação menor, especialmente o quanto o jogo capricha em aspectos importantes como a dublagem, especialmente em JP, e a trilha sonora, que é facilmente uma das melhores de 2025.
O resumo da ópera é que, quer seja você um fã inveterado de Digimon que vem seguindo fielmente a série ao longo dos últimos quase 30 anos, alguém que se afastou mas quer retornar (e cabe dizer que o jogo faz um trabalho excepcional nisso, com grande parte dos digimons centrais do primeiro Adventure ou aparecendo ou fazendo parte da minha equipe já na primeira hora de jogo) ou um novato que quer saber o porquê do hype com a série, Digimon Story: Time Stranger entrega tudo de mais interessante e divertido que ela se propõe a fazer, com uma história envolvente e bem superior à outros RPGs de coleção de monstros por aí, além de um sistema de combate que não deixa nada a desejar, provando, mais uma vez, que, apesar de não ter o hype, Digimon segue sendo a franquia superior.
Digimon Story: Time Stranger está disponível para PS5, Xbox Series e PC com legendas em português do Brasil. Esta análise é da versão PS5 e foi realizada com um código fornecido pela Bandai Namco.