Finalmente, ele está (quase) entre nós! Não, não estou celebrando a presença do capiroto, nem de qualquer entidade que a valha, mas sim do mais novo jogo da franquia Diablo quase onze anos depois do lançamento do terceiro game. Permitam-me, com essa afirmação, ignorar Diablo Immortal cuja proposta é um tanto quanto distinta da trilogia original e que eu experimentei pelo pouco tempo que consegui avançar com o que eu tinha de estrutura; e também não contar a remasterização de Diablo II, cuja análise tive a oportunidade de escrever aqui para o site, mas que obviamente era uma revisita a algo lançado há muito tempo. Agora sim, estamos diante de um novo capítulo desta eterna luta entre o mal incólume e algo que chega perto de representar o bem.
Diablo IV, ainda não inteiro, mas em sua versão beta, traz consigo algumas das melhores qualidades da marca, somando aspectos modernos de jogabilidade, sobretudo que evoluem a ótima base do terceiro game; com acenos claros para o tom mais sombrio dos primeiros jogos que flertam com o horror em sua ambientação quase sempre composta pela penumbra a textura suja de um submundo que parece nunca respirar a luz plena do sol, mesmo que o resultado mostrado até aqui seja mais vibrante do que eu imaginava. Mesmo assim, a sensação de falta de esperança parece dar a tônica desde os primeiros momentos em um mundo dominado por demônios fiéis a Lilith. O teste fechado – que estará disponível para todos já no final de semana que vem – é composto do trecho inicial do game, que engloba basicamente o prólogo e o primeiro ato, ambientado na região chamada de Cimeiras Fraturadas.
Estamos limitados a chegar até o nível 25 de personagem, o que parece muita coisa, mas no final não demora tanto assim e nos incentiva a continuar explorando a área aniquilando inimigos sem piedade, o que significa que os interessados certamente alcançarão esse teto sem muito esforço. Como não poderia deixar de ser, o loot generoso também ajuda bastante a nos manter imersos mesmo quando os objetivos parecem já estar cumpridos, e esse é o primeiro sintoma positivo que o período de testes pode nos proporcionar. Mais do que uma aventura passageira, Diablo sempre foi sobre extrair o máximo de cada metro quadrado, seja coletando recursos, seja melhorando um novo personagem em classes distintas. Melhor ainda é a sensação de que o jogo, mesmo com a possibilidade de instabilidade por ser uma versão ainda em desenvolvimento, estar muito bem acabado e com as arestas bastante limpas.
Para este primeiro final de semana de testes, estão disponíveis três das classes mais comuns da fantasia medieval tradicional: os equilibrados Bárbaros; os habilidosos e ardilosos Renegados; e claro, os Magos e suas peripécias elementais de combate a média distância. Druidas e Necromantes são prometidos para a versão aberta também. Dos três atuais, ainda que eu sempre tenha o costume de começar com um brutamontes implacável, decidi começar pelo Mago e testemunhar a diversidade de ataques e outras habilidades de suporte. A pirotecnia se beneficia bastante do potencial gráfico da nova geração e mesmo sendo um jogo que tradicionalmente é subestimado quanto a virtudes gráficas, fiquei um tanto quanto dividido quanto a este aspecto, já que alguns detalhes enchem os olhos e outros, nem tanto.
Para fãs de longa data, visualmente o jogo se assemelha mais do que eu imaginava a Diablo III, seja pela composição de cenários solares e ambientes verdejantes, como a grande maioria das masmorras, apostando nas sombras pesadas, nas paredes sujas e, em alguns casos, em um aspecto meio grotesco. Mesmo assim, eu esperava, pela divulgação, algo mais sóbrio no uso de cores, e o que vimos nesse primeiro trecho é um uso generoso de ambientes saturados e abertos, o que pode agradar quem espera uma continuação direta do jogo anterior, mas pode certamente decepcionar quem estava na expectativa contrária. O mesmo tom é sentido também na própria dinâmica da progressão, mais convidativa à aventura e menos angustiante do que principalmente Diablo II.
Seja qual forem as preferências do jogador, o que chama a atenção é que o game não parece trazer um salto estético tão significativo assim na comparação com o que veio antes na franquia, mesmo que alguns reflexos e efeitos de iluminação sejam algo a se celebrar, e aparentemente está aquém do potencial técnico oferecido por uma nova geração de hardware. As figuras humanas mantém um padrão visual já conhecido, as cenas de corte in-game com diálogos e outros trechos de desenvolvimento narrativo ficam longe de uma direção inspirada e o maior trunfo do jogo são as passagens em CG que, estas sim, são belíssimas como já é tradição na franquia. Por sua vez, a interface de usuário é muito mais interessante e bem customizada, com menus bem organizados e recursos bem resolvidos, ainda que esconda mais do que deveria informações importantes de missões correntes e coisas do tipo.
Para esses dois dias, houve um probleminha técnico nos servidores no primeiro dia, gerando filas longas para entrar, mesmo quando o desejo é aproveitar no formato single player, e para quem ainda tinha dúvidas, sim, será necessário estar conectado permanentemente mesmo que a escolha seja aproveitar do começo ao fim sozinho. No dia seguinte, porém, tudo correu mais rápido. Os próprios desenvolvedores reconheceram o problema e avisaram estar cientes do que estava acontecendo. Certamente, esse feedback será fundamental para que eles possam encontrar saídas para o próximos fim de semana, quando o beta abre para mais gente e, consequentemente, teremos mais tráfego. Passado esse problema, não houve outras instabilidades ou desconexões e pude esquecer que estava conectado. Períodos de testes controlados como estes são fundamentais para jogos com essa característica e fica a torcida para que tudo esteja perfeito no lançamento.
Outra falha pontual que pode ser sentida já no vídeo que abre esse preview é que a localização para o nosso idioma claramente é um trabalho em andamento. Ainda não temos a dublagem disponível para nenhuma língua que não o inglês e a legenda foge de sincronia com bastante intensidade já na cena de abertura. Ao longo do ato, o problema é menos evidente, mas acontece durante diálogos dentro ou fora do game com alguma constância. Alguns elementos, como o menu de opções de diálogos complementares com NPCs, estão ainda sem tradução e causam aquele estranhamento, mas tal defeito é de simples solução e faz parte de um período de testes. Contudo, como o primeiro jogo é um dos melhores exemplos de localização para o nosso bom e velho português, a expectativa aqui é alta.
Como um todo, fiquei positivamente surpreso com o tamanho do recorte, que pode durar, dependendo da dedicação e do estilo do jogador, mais do que uma dezena de horas só para atingir o nível máximo permitido. Os mapas são generosos e por mais que alguns deles pareçam repetitivos, não faltam coisas a se ver e a se fazer. Há uma série de missões secundárias a se dedicar atenção que se abrem com naturalidade, além de eventos sazonais que nos colocam em desafios intensos com recompensas sedutoras. A narrativa principal demora um pouco a embalar, mas a presença da grande antagonista é sentida o tempo todo na trama. Ainda faltou um certo envolvimento emocional com personagens secundários e mesmo o universo do jogo ainda não conseguiu me seduzir como no terceiro game, e espero que a versão completa seja mais generosa em nos transportar para essa nova Santuário, tão devastada quanto encantadora.
Por outro lado, se narrativamente ainda não estou convencido apesar da lindíssima cena de abertura, não há dúvidas que em termos de conteúdo a promessa é arrasadora. Há toneladas de equipamentos e coisas a serem coletadas, e não demora para que estejamos jogando coisas fora sem dó nem piedade; o mapa demonstra que há muita coisa em mundo aberto a se revelar para o futuro; e a árvore de habilidades é simplesmente colossal. Há uma infinidade de habilidades a serem aprendidas com o uso dos pontos de habilidade e manter o foco é um grande desafio. Para quem se interessar em melhorar capacidades de ataque e de defesa ao máximo, de obter diversidade em elementos de curta, média e longa distância e de construir um personagem realmente bem resolvido terá muito onde investir. Os 25 pontos de habilidade que distribui não deram nem pro começo.
Não há qualquer economia também em termos de diversidade de biomas, e somos convidados a explorar montanhas congeladas, paisagens típicas de savana, cavernas nojentas e construções suntuosas. Para suprir essa amplitude de ambientes, há também uma grande variedade de inimigos que povoam estas terras e mesmo que vários deles tenham comportamento similar, é importante que haja uma preocupação em sempre trazer algo distinto para o jogador. Visuais customizáveis de equipamentos e uma grande quantidade de comerciantes em cada pequeno hub completam este amontoado de possibilidades que, particularmente, me agrada muito. Mesmo que no final de cada masmorra estejamos loucos para voltar pra algum lugar só pra vender um caminhão de itens genéricos, é muito divertido coletar qualquer cacareco e guardar até não poder mais.
Enfim, Diablo IV é um misto de emoções, algumas que trazem preocupação, mas na maioria muito positivas. Se o estilo cartunesco e gráficos pouco sedutores podem parecer frustrantes por enquanto, a ampliação de tudo o que de mais significativo há na franquia é realmente empolgante. Diablo é um marco da história dos videogames, é um dos poucos que praticamente estabeleceram todos os padrões de um gênero, e consciente disso evita a reinvenção da roda. Tudo o que de mais memorável está lá, como a visão isométrica nos revelando o mundo pouco a pouco, inimigos em hordas numerosas e muito incentivo à exploração. Para os mais dedicados, há níveis de dificuldade bastante adaptativos que podem ser ajustados a qualquer momento da campanha e, para quem gosta mesmo de sentir o perigo presente, uma opção de morte permanente. Para velhos fãs ou novos entusiastas, Diablo está de volta na plenitude de sua grandiosidade.
Beta fechado analisado no PS5 com código fornecido pela Blizzard.