Para uma franquia tão influente e tão amada, é estranho pensar que já se vai mais de uma década desde que o último jogo da série Desperados foi lançado. Um dos nomes mais lembrados do gênero de Tática em Tempo Real no começo dos anos 2000, ápice do sucesso dos RTTs, ela vinha dormente essencialmente desde que a sua desenvolvedora original, a Spellbound Entertainment, essencialmente faliu no começo da década de 2010.
Mas é claro, sendo um dos nomes mais reconhecíveis dentro do enorme grupo de IPs levemente conhecidas que a THQ Nordic adquiriu ao longo dos últimos, um revival da franquia era mais do que esperado quando ela foi transferida da Atari para a THQ Nordic em 2013. A questão sempre foi através de quem isso aconteceria, visto que a Spellbound Entertainment, refundada sob o nome Black Forest Games, também fez parte das aquisições da THQ Nordic em 2017.
No entanto, enquanto a Black Forest Games assumiu o vindouro remake de Destroy All Humans!, o projeto de reviver a franquia Desperados caiu nas mãos de uma equipe ainda melhor e mais equipada para o tamanho do desafio a frente: o estúdio alemão Mimimi Games, responsáveis pelo que era, até agora, o melhor jogo do gênero nesta geração, o Shadow Tactics: Blades of the Shogun.
Mesmo que o jogador não tenha jogado ST: BotS, é inegável o quanto os sistemas e ideias criados pela Mimimi Games para ele são aplicáveis a um revival de sucesso da série Desperados, visto que ambos os jogos são jogos Táticos em Tempo Real com foco em Stealth. Adicione-se a isso o fato dele também se ter uma ambientação raramente vista mas extremamente atrativa e o projeto parecia cair como um luva para a desenvolvedora.
É ótimo poder dizer então que Desperados III não só tem sucesso em reviver a franquia, mas se estabelece com bastante facilidade como um dos melhores jogos do seu gênero em todos os tempos, levando os jogadores de volta a clássica reinterpretação do Velho Oeste vista na série, modernizando os seus sistemas e contando uma história digna das (e bastante influenciada por) obras do western de todos os tempos.
Em um outro sinal do claro respeito ao legado da franquia, Desperados III se passa uma década antes dos fatos vistos no primeiro jogo da série, Desperados: Wanted Dead or Alive, colocando o jogador novamente no controle do tradicional protagonista John Cooper durante a década de 1870, dessa vez durante os anos formativos do anti-herói enquanto ele se estabelece como um temido pistoleiro em sua busca por vingança.
É claro, todo bom conto de vingança no Velho Oeste precisa de uma boa motivação e dificilmente uma poderia ser melhor do que a que propele John Cooper em sua jornada, visto que ele está em busca do responsável pelo assassinato do seu pai, o homem conhecido como DeVitt, e nada que ouse ficar no seu caminho até o seu alvo será poupado.
Isso faz com que Cooper, naturalmente, entre em conflito direto com a maligna DeVitt Company. Mas uma coisa é enfrentar um homem só e descobrir quem é o mais rápido no gatilho, outra completamente diferente é enfrentar uma corporação como um todo armado apenas com sua pistola e sua faca.
Por sorte, ao longo da sua jornada, Cooper faz amizade com uma série de figuras importantes que o ajudarão a alcançar seus objetivos, cada qual com suas próprias características e habilidades especiais que não só ajudam a história a avançar, como tem uma grande influência no desenrolar das missões e do combate do jogo.
Se juntam ao protagonista o médico Doc McCoy, especializado em combate à distância e cura, Hector Mendoza, uma montanha em forma humana surpreendentemente hábil com armadilhas, Kate O’Hara, uma femme fatale capaz de usar o seu charme para dobrar a vontade dos inimigos e Isabelle Moreau, uma feiticeira vodu capaz de usar sua magia para manipular os seus inimigos.
Cada um dos personagens que acabam compondo a gangue do Cooper são uma interessante variação em estereótipos comuns de se ver em westerns e, graças a ótima forma como os diálogos foram escritos, funcionam muito bem em conjunto e cumprem os seus dados propósitos para avançar o plot e embasar a formação do pistoleiro.
É claro, não é só os diálogos que levam o roteiro em frente e, felizmente, Desperados III também conta com uma ótima história para sustentá-lo, fazendo com que o jogador esteja sempre desejoso de descobrir mais sobre ela. O resultado final é um jogo que sabe equilibrar bem o peso emocional da narrativa que ele propõe com diálogos bem escritos e divertidos, temperando as várias cenas mais tensas com algumas piadas que dão um pouco mais de leveza a experiência.
E enquanto você não estiver esperando uma experiência cinematográfica e poderosa como um Red Dead Redemption, Desperados III preenche com facilidade o vácuo deixado pela ausência de bons westerns hoje em dia (ou de qualquer coisa do gênero, independente da qualidade), ainda que suas claras limitações técnicas e orçamentárias (se trata de um jogo feito na Unity com financiamento da THQ Nordic, afinal) limitem bastante o escopo do jogo.
A ambientação é a única coisa que o jogo tem em comum com a popular franquia da Rockstar Games. O combate e a estrutura de Desperados III são bastante distintas do mundo aberto e tiroteio em tempo real do maior nome atrelado aos westerns em consoles. Aqui temos um jogo estruturado em (longas) fases, cada uma se passando em um ambiente bem distinto e voltado para decisões tomadas com cautela e furtividade como guia, ao invés de invadir locais com disparando suas pistolas.
Como um jogo de Táticas/Estratégia em Tempo Real com um enorme foco em furtividade, cada fase envolve entender bem cada passo dado e planejar a melhor forma de agir para conseguir alcançar os seus objetivos e, enquanto é possível tentar entrar em combate direto com seus inimigos, o jogo fortemente te incentiva a resolver as situações da forma mais metódica possível.
Para isso, o jogo coloca toda uma vasta gama de habilidades a sua disposição, da opção de usar meios não-letais para derrubar, amarrar os seus inimigos e esconder os corpos para que outros não os vejam, assassiná-los silenciosamente ou até mesmo usar o ambiente para fazer com que os seus assassinatos pareçam mortes acidentais.
Ter cuidado com os inimigos vai desde observar o cone de visão de cada um deles para não ser pego ou evitar que o barulho de um tiro te faça atrair atenção indesejada e um possível alarme que trará ainda mais inimigos para tentar acabar contigo antes mesmo de você poder pensar.
Uma ferramenta importante que o jogo coloca à sua disposição é o Showdown Mode, através do qual o jogador poderá paralisar o tempo e planejar diferentes ações que serão executadas ao mesmo tempo, seja usar um personagem para atirar em dois alvos distintos com suas duas pistolas ou atacar um grupo com os seus personagens, cada um realizando uma ação distinta simultaneamente.
Os inimigos, aliás, possuem uma variedade até bastante surpreendente, com diferentes classes variando de pistoleiros comuns a Ponchos e Long Coats (sim, quanto maior o casaco ou adereço usado pelo seu adversário, mais poderoso ele é), com habilidades tendo efeitos distintos sobre eles ou até mesmo não tendo efeito como, por exemplo, as habilidades de sedução da Kate que só funcionam em homens.
Naturalmente, isso faz com que Desperados III seja um jogo bastante desafiador (e até mesmo frustrante), mas com a recompensa sendo igualmente proporcional ao desafio. Para equilibrar isso, o jogo está sempre te incentivando a usar os sistemas de quick save e quick load, te permitindo testar a melhor resolução para cada situação e, caso não funcione, voltar atrás e tentar algo diferente.
Esse sistema de tentativa e erro pode parecer tolo, mas na prática resolve muitos dos problemas que poderiam surgir no jogo caso ele contasse apenas com checkpoints pré-estabelecidos e fazem com que até mesmo as fases mais longas (elas rotineiramente duram de 1 a 2 horas, com o jogo todo alcançando a casa das 30 horas) sejam bastante divertidas de se completar.
Mesmo quando elas parecem quase impossíveis, sempre há uma saída (ou mais de uma, já que o jogo raramente te coloca em caminhos pré-scriptados) e muito da diversão vem de encontrá-las. E, mesmo com tudo isso, o jogo ainda encontra outras formas de te desafiar, uma vez que existem vários desafios secundários a serem cumpridos e que aumentam exponencialmente o “fator replay” do jogo.
O derradeiro ponto a se apontar diz respeito aos aspectos técnicos do jogo. Desperados III roda surpreendentemente bem no PS4, com o único problema mais notório vindo do fato da câmera precisar sempre ser controlada manualmente e não te acompanhar à medida que você anda pelo cenário (o que é equilibrado pela extrema liberdade que você tem para movimentá-la) e algumas decisões de mapeamento de botões que vão te levar a alguns erros bobos.
Outro ponto é que, para um jogo feito em Unity, ele é bem bonito, capturando bem os cenários que ele se propõe a recriar, de despenhadeiros no Colorado a o belo cenário da New Orleans de 1870, passando por cenários de pântano, montanhas e todo tipo de lugar que se esperaria, tudo acompanhado de uma trilha sonora que ajuda muito a estabelecer o clima e ambientação do jogo e uma dublagem de altíssima qualidade que dá verdadeira vida aos personagens.
Todos esses elementos acabam contribuindo para uma experiência surpreendentemente brilhante que não só traz a série Desperados de volta a vida mas a supera os jogos originais, com a Mimimi Games novamente fazendo um trabalho esplendoroso em criar um incrível RTT que é obrigatório para os fãs do gênero e mais do que recomendado para os fãs de western buscando por um novo jogo ambientado no Velho Oeste.
Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela THQ Nordic.
Veredito
Com um surpreendente cuidado com os detalhes, um combate que torna a experiência muito cativante, desafiadora e divertida, e uma ótima história ambientada no Velho Oeste, Desperados III é um jogo de tática em tempo real incrível e obrigatório para jogadores interessados no gênero.
Veredict
With a surprising care for the details, a combat that makes the experience very captivating, challenging and fun and a great story set in the Wild West, Desperados III is an incredible and mandatory Real-Time Tactical game for players interested in the genre.