Citizen Sleeper – Entrevista Exclusiva com solo dev Gareth Damian Martin

Citizen Sleeper

Citizen Sleeper é um jogo de RPG narrativo lançado em 2022 que alcançou diversas indicações para prêmios, incluindo no The Game Awards. Agora que o título finalmente chegou às plataformas PlayStation, tivemos o prazer de analisar essa envolvente obra híbrida e, ainda, de entrevistar Gareth Damian Martin, a pessoa que desenvolveu o jogo sozinha e fundou o estúdio Jump Over the Age. Natural da Inglaterra, contou com o trabalho do quadrinista Guillaume Singelin nas ilustrações e do músico Amos Roddy na trilha sonora, que somaram talentos para dar nuances à atmosfera sutil e requintada do jogo.

Citizen Sleeper não venceu no BAFTA Game Awards de ontem (30), mas foi indicado em quatro categorias: Jogo Britânico, Jogo Além dos Entretenimento, Melhor Narrativa e Melhor IP Original.

Se ainda não conferiu a análise desse RPG marcante, veja aqui. Agora, vamos à entrevista!

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PSX Brasil: Citizen Sleeper existe em algum lugar entre a literatura e o jogo, fazendo o que um não conseguiria sem o outro. O que veio primeiro: a ideia de um RPG ou de uma história de ficção científica sobre relações humanas e precariedade? Como essas duas ideias foram conectadas para dar forma ao jogo final?

Gareth: Acho que a história veio primeiro, porque há muito tempo queria fazer um jogo sobre precariedade, trabalhar em “bicos” e viver à margem de uma sociedade complexa. Na verdade, eu estava testando ideias (embora estivessem em um cenário mais fantasioso) para isso antes de fazer In Other Waters! Mas, como costuma acontecer com minhas ideias, com o tempo essa ideia sofreu mutações e mudanças e, com isso, captou algumas das influências do TTRPG [Tabletop RPG, ou “RPG de mesa”] que eu estava experimentando. O verdadeiro momento “eureca” surgiu quando percebi que o fator “sorte” inerente a um dado era a maneira perfeita de explorar como aqueles nas situações mais precárias da sociedade se sentem mais expostos ao acaso e a eventos aleatórios.

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PSX Brasil: Seu jogo se passa em um mundo distópico e, paradoxalmente, é um esperançoso e empático. Como essa combinação funciona, na sua opinião?

Gareth: Acho que não penso muito sobre distopia e utopia. Em vez disso, estou focado em tentar explorar coisas que observei no mundo ao meu redor, na sociedade e nas pessoas, e explorá-las por meio de conceitos de ficção científica . Portanto, se Citizen Sleeper é tanto esperançoso quanto melancólico, é porque acho que o mundo é as duas coisas, às vezes ao mesmo tempo. Uma das principais coisas que eu queria explorar em Citizen Sleeper era se é profundamente triste que nossas vidas sejam ditadas por sistemas vastos e cruéis que nem mesmo sabem que existimos, ou se é inspirador que, apesar disso, construamos conexões, comunidades e vidas mesmo assim! Então eu acho que o jogo pode ser horrível e reconfortante.

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PSX Brasil: Mesmo que haja alguma margem de escolha, também podemos notar um tipo de experiência que você pretendia compartilhar. Quão profundamente a liberdade de escolha do jogador influencia os sistemas de RPG e a narrativa em Citizen Sleeper? Existem escolhas erradas e alguma maneira de falhar no meio do jogo, ou a história sempre segue para um dos finais planejados?

Gareth: Muitas vezes sinto que os RPGs têm o hábito de dar muito poder ao jogador, colocando-o na posição de juiz, júri e carrasco, decidindo uma situação particular e o destino dos NPCs impunemente. Isso é difícil de gerar identificação, porque, na vida, raramente temos tanto poder ou carta branca para nossas escolhas. Também tem algumas implicações desagradáveis. Para Citizen Sleeper, eu queria que os NPCs tivessem tanto arbítrio quanto pessoas reais – eles não podem ser pressionados, forçados a mudar de ideia ou descartados violentamente quando você não gosta deles.

Isso significa que o jogo às vezes não permite que você siga um determinado caminho ou decida em nome de outra pessoa. Para mim, isso torna o mundo mais real, e não se trata de forçar o jogador a uma determinada mensagem, mas de criar um mundo que seja crível em suas consequências e comportamentos. Portanto, há muita liberdade em Citizen Sleeper, mas ela é expressa não por meio de escolhas binárias, mas pelas histórias que você escolhe seguir e as outras que escolhe ignorar – as pessoas que você decide serem seus pares.

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PSX Brasil: Além do protagonista Sleeper e outros personagens serem não-binários, a história também entra em território de refugiados, empregos abusivos e capitalismo extremo. Esses temas colocam Citizen Sleeper no campo da política social. Você vê isso como sua expressão pessoal ou você, como game dev, está intencionalmente sendo ativista?

Gareth: Existem pessoas não-binárias (como eu), refugiados, sistemas exploradores e corporações imprudentemente cruéis. Não acredito que se qualifique como ativismo retratar essas coisas em um jogo e, como você diz, o motivo de sua inclusão é que quero fazer um jogo sobre ser uma pessoa agora, e todas essas coisas fazem parte de ser um pessoa agora. Gosto de fazer histórias com as quais me identifico, que sinto conectadas à minha vida, esse é o meu foco principal. Vou deixar que outros decidam se sou ativista; de minha própria perspectiva, sou artista antes de tudo.

PSX Brasil: Os dilemas existenciais de Citizen Sleeper me fazem pensar no autor Philip K. Dick e a bela fragilidade humana me lembra de Ursula K. Le Guin. Quais são suas inspirações para Citizen Sleeper e o que você recomendaria para ficção científica agridoce?

Gareth: Eu definitivamente fui inspirado por ambos os autores; Andróides Sonham com Ovelhas Elétricas e O Homem Duplo (K. Dick) foram dois dos primeiros livros de ficção científica que li, e Os Despossuídos (Le Guin) foi uma influência na parte “Greenway” do jogo. Outros títulos que eu recomendaria são Blackfish City, de Sam J. Miller, que ajudou a inspirar Eye e Austral de Paul McAuley por sua representação de um grupo artificial e marginalizado de humanos, mas desta vez em um futuro próximo. Claro que outra grande influência foram os primeiros trabalhos de William Gibson, especialmente Neuromancer e Count Zero, que acredito que só melhoram com a idade.

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PSX Brasil: Este jogo se apoia muito em texto, mas também tem algumas ilustrações muito boas para os personagens. Isso, junto com a arte da capa, me faz desejar que houvesse um pouco mais de arte visual, como mais imagens diferentes para o elenco, retratando algumas cenas importantes e os lugares no Olho, para que tivéssemos mais noção das enormes proporções da estação. Citizen Sleeper é assim devido a alguma restrição durante a produção ou os visuais foram planejados desde o início para desempenhar um papel secundário? Como foi concebido o equilíbrio narrativo nesse aspecto?

Gareth: Gosto de deixar lacunas em meus jogos, para ajudar os jogadores a imaginar o mundo por si mesmos. Esta é uma arte delicada: se as lacunas são muito grandes o mundo parece vazio e, se são muito pequenas, não há lugar para o jogador habitar o mundo. No início, eu considerei mostrar alguns interiores, talvez em “cartas” de ação, mas eles fizeram o jogo parecer muito seguro e controlado para o meu gosto. Gosto da maneira como até mesmo um pedacinho de texto, uma linha que aparece quando você completa ou falha uma ação, colore sua visão do mundo de uma maneira muito sutil. Então, concentrei-me nessas migalhas de detalhes para guiar os jogadores.

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PSX Brasil: Citizen Sleeper foi lançado para outras plataformas no ano passado e agora recebeu capítulos gratuitos em DLC. Quando eles foram planejados e como se encaixam no jogo principal? Você vai continuar trabalhando no jogo ou finalizou ao completar o DLC? Além disso, há algum plano de localizar Citizen Sleeper para mais idiomas?

Gareth: Algumas das ideias para o DLC surgiram nos estágios iniciais de desenvolvimento, mas foram arquivadas. Quando vi o sucesso do jogo, resolvi tirar o pó e explorá-los plenamente nos episódios, em parte como experimento e em parte como agradecimento aos jogadores. Purge, o episódio final, marca o fim de minhas atualizações de conteúdo para Citizen Sleeper, embora eu esteja considerando localizações no futuro. Infelizmente, dado o tamanho do jogo e o estilo da escrita, a localização é um trabalho enorme (como traduzir um grande romance de ficção científica!). Então, não posso prometer nada por enquanto. Quanto ao universo ampliado, teremos novidades sobre isso em breve!

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PSX Brasil: Quero agradecer pelo seu jogo e por esta entrevista. Há mais alguma coisa que você queira compartilhar conosco agora?

Gareth: Nada por enquanto, exceto um obrigado por jogar o jogo e por perguntas tão interessantes! Por favor, fique de olho no meu Twitter e Substack para alguns anúncios emocionantes muito em breve.