Análises

Choice of Life: Wild Islands – Review

Como é bom saber que ainda há esperanças para quem espera histórias interativas onde realmente o jogador consiga fazer escolhas significativas de verdade ao longo de toda a jornada. Isso porque parece que por um tempo, a indústria parece ter se esquecido que narrativas do estilo “Escolha Seu Destino” carregam consigo a responsabilidade de colocar o jogador no centro da condução decisiva do andamento da trama.

Os mais recentes visuals novels parecem ter desaprendido a delegar responsabilidades, criando histórias com méritos e problemas, mas que normalmente oferecem ramificações bastante pontuais e controlados dos caminhos possíveis a serem trilhados, algo que acabou se tornando comum sobretudo desde a ascensão do modelo Telltale de se criar estas experiências.

Choice of Life: Wild Islands

Os mais experientes dentre nós vão se recordar da coleção Escolha Sua Aventura (do original, Choose Your Own Adventure), publicada no Brasil pela Ediouro na segunda metade do século passado, que trazia um sistema rizomático de causas e consequências mesmo longe das facilidades do meio digital. Eram obras com um alto teor de criatividade em combinações praticamente infinitas que levavam tramas a pontos inicialmente inimagináveis.

Choice of Life: Wild Islands é, muito provavelmente, o jogo que para mim mais se aproximou desta capacidade imersiva de escolhas narrativas em muito tempo. Partindo de um ponto comum ao nos colocar na pele de um marinheiro ruivo em sua primeira viagem buscando as terras desconhecidas do continente americano, o que acontece depois é uma verdadeira salada de potencialidades.

A liderança de um motim? O puxasaquismo do comandante? A obediência fiel? O trabalho árduo? O egoísmo traíra? Cada uma destas possibilidades é só a entrada do capítulo inicial que vai nos levar até terras distantes e desconhecidas onde quase tudo pode acontecer.

As virtualmente infinitas combinações de ação são possíveis graças a um sistema de escolhas baseado em cartas que oferecem possibilidades de ação (ou da falta dela) diante situações imediatas. Cada passagem está recheado de eventos pautados pelos princípios básicos de estímulo (decidida pelo jogador) e pelos desdobramentos nem sempre previsíveis.

Por exemplo, você opta, dentre dois cenários, explorar uma caverna misteriosa. Ao adentrar o local, há três túneis e a decisão é pelo da esquerda. O resultado pode ser uma queda irremediável que vai lhe custar a vida (ou parte dela) ou, de repente, encontrar um baú de tesouros trancado. Pode em seguida usar uma pá para tentar arrombar o artefato ou seguir explorando e, quem sabe, encontrar uma chave. Pode nunca conseguir abrir e precisar deixar o achado para trás. Ou pode encontrar uma estranha carta escrita a mão por alguém que passou por lá anos atrás…

O maior segredo de jogos que realmente se propõem a este nível de ramificação é conseguir retroalimentar a narrativa a partir dos caminhos mais diversos com o mesmo grau de importância e recompensa, incentivando não só que o jogador tome decisões que realmente lhe parecem mais coerentes, como também servindo como um convite para o retorno e uma bela dose de “e se eu tivesse ido por aqui e não por ali?”.

Claro que nem sempre as escolhas levam a resultados positivos. Seguir pelo caminho da violência física como agredir um papagaio com a cabeça ao invés de dar um tiro pode funcionar diferente de fazer o mesmo com um jaguar, mas decisões arriscadas tem seu grau de periculosidade e possibilidades de benefícios. Tirar um cochilo ao escalar uma pedra pontiaguda é algo que certamente vai cobrar o seu preço.

Para evitar o efeito de dar caminhos onde um é mais correto do que outro, Choice of Life: Wild Islands tem um interessante sistema de saúde. Você começa com três corações e pode perdê-los quando suas predileções resultam em ferimento, ou aumentá-los se conseguir algo que ofereça mais saúde. Gerenciar esse elemento pode derivar em mais oportunidades de se arriscar ou ser mais conservador diante o que surge pela jornada.

O mesmo vale para outros recursos, como bandeiras de honra e ferramentas, que podem ser gastos e conquistados da mesma forma. Alguns deles só acabam e não permitem certas ações, outros resultam em game over quando esgotados.

A boa notícia é que o fim não é necessariamente negativo, porque podemos retomar imediatamente ao início da fase onde fracassamos para buscar outras soluções. Estas fases, pontos de acesso semi-linear pelo mapa principal, são abertas e fechadas de acordo com nosso progresso. Se, por exemplo, eu posso sair da praia e ir para uma caverna ou para um navio naufragado, aquele que eu preterir pode ser fechado para sempre, ao passo que aquele que eu selecionei me abre outros três níveis possíveis assim que superado.

Em outras palavras, há fases que na primeira ou na segunda jogada você pode simplesmente nunca ter visto surgirem no mapa, graças à escolhas pregressas. Outras podem reaparecer como resultado de um caminho completamente distinto. Conhecer o jogo por completo demanda várias e várias runs, cada qual com seus finais possíveis, dos mais óbvios aos mais surpreendentes.

Para evitar repetições e ciclos infinitos, há uma ajuda que o game oferece. Ao retornar a um ponto já explorado, seja porque você já zerou uma vez, seja porque morreu antes de finalizar aquela passagem, as escolhas que já fizemos ficam evidentes ao toque do R1, incluindo aquelas com consequências mais diretas, como ferimento, item encontrado, habilidade desenvolvida ou acréscimo de recursos.

Isso possibilita que, sabendo das consequências, decidamos se queremos ou não repetir a opção, que nem sempre vai causar o mesmo destino. Por exemplo, você pode ter morrido ao escolher enfrentar um pirata na primeira vez, quando só tinha um coração de vida, mas ao chegar lá de novo com mais, nada impede que se repita a operação para ver o que acontece depois de ser ferido, mas ainda se mantendo vivo.

Com tudo isso em mente, é fácil recomendar Choice of Life: Wild Islands para quem é fascinado por esse tipo de aventura interativa. Porém, é sempre importante destacar que essa é a essência do jogo e toda a dinâmica de jogabilidade está baseada na escolha de uma, duas ou três opções em tela e não há outras ações mais sofisticadas, salvo posicionar o nosso peão no mapa como um tabuleiro quando se escolhe qual o próximos nível a ser explorado.

Outro ponto que pode não ser do agrado de todo tipo de jogador é o estilo artístico das ilustrações cartunescas que remetem diretamente a um tipo de traço muito característico de livros, quadrinhos e animações da segunda metade do século XX. Muitas vezes repetindo design ou variando pouco dentre si (por vezes, só mudando a posição da sobrancelha ou os olhos do protagonista), é um estilo de arte sustentável para esta infinidade de possibilidades, mas nem sempre atrativa para os adeptos de gráficos mais ousados.

O mesmo vale para cenários e ambientes que se repetem com alguma frequência, ainda que ofereçam uma diversidade surpreendente pelo escopo da produção. Estes espaços cênicos são ainda temperados com alguns efeitos pontuais, como chamas, chuva, passagem do tempo e clima, dentre outros. São alguns gracejos nada revolucionários, mas muito bem-vindos considerando-se o gênero e o formato do jogo.

O mesmo vale para a trilha sonora, que traz algumas boas canções de ambientação que vez ou outra precisam de alguma transição mais brusca, salpicadas com efeitos e ruídos típicos dos locais visitados. Não há um trabalho de vozes propriamente dito ou sequer uma sonorização mais vultuosa para emular sons de animais ou coisas do tipo. A mixagem é econômica, adaptativa e funciona bem com a proposta, sem contudo brilhar por conta própria.

Isso significa, em resumo, que a maior virtude de Choice of Life: Wild Islands está mesmo na sua qualidade narrativa ramificada, e não nos aspectos técnicos de jogabilidade ou de estética, ainda que ambos cumpram muito bem o seu papel. Também é importante notar que, tal como os livros interativos supracitados, é um conjunto pautado pelo tom aventuresco infanto-juvenil que jamais pende para versões mais sombrias ou pesadas. É um projeto que trata, afinal, de piratas, tumbas, povos nativos, mistérios, romances e aquela pancadaria que mais parece uma mistura entre Goonies e Indiana Jones.

Considerando todos estes quesitos, posso dizer que o resultado final é muito bem sucedido em realmente colocar nas mãos do jogador as ferramentas de seu próprio destino. Claro que, ao explorar o jogo para encontrar seus muitos finais possíveis e todas as medalhas baseadas nos nossos padrões de comportamento (ou titles), é possível identificar atalhos e mecanismos para que essa sensação de controle jamais fuja do level design projetado. Ainda assim, é uma realização de roteiro louvável.

Para quem está cansado de se sentir ofendido com jogos do gênero que nem se esforçam mais em disfarçar que está nos obrigando a fazer poucas e óbvias escolhas para que sigamos exatamente com o script oficial, Choice of Life: Wild Islands é uma aula de “me engana que eu gosto”. Se é verdade que um dos mandamentos de um bom game design é fazer o jogador acreditar que está escolhendo aquilo que já foi escolhido previamente pelo roteirista, este jogo é um ótimo exemplo de como fazer isso de forma bem feita. E para jogos assim, isso é tudo o que podemos pedir.

Choice of Life: Wild Islands está disponível para PS4, PS5, Dispositivos Móveis (Android e iOS), Switch e PC sem legendas em português do Brasil. Esta análise foi produzida jogando no PS5 e realizada com um código fornecido pela Appwill Company.

Veredito

Choice of Life: Wild Islands não é dos jogos mais inovadores naquilo que tange quesitos audiovisuais, tampouco revoluciona os princípios de jogabilidade do gênero de narrativas interativas, mas efetivamente consegue criar inúmeras possibilidades ramificadas dentro de suas histórias diversas, valorizando o poder de escolha do jogador e oferecendo recompensas satisfatórias aos mais dedicados a explorar suas possibilidades.

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