The Walking Dead é certamente uma das marcas mais reconhecidas da cultura pop atualmente, mesmo que seu auge de popularidade parece já ter passado, graças principalmente ao desgaste da série de TV que levou a marca, criada por Robert Kirkman nos quadrinhos iniciados em 2003 e encerrada em 2019 e publicada pela Image Comics, ao centro dos holofotes. A aposta em conteúdos derivados parecia ser uma solução óbvia dos detentores dos direitos da franquia, não só pelo evidente potencial de ganhos financeiros e destaque na mídia como também porque o universo de TWD é enorme em escopo e em possibilidades narrativas.
Se a trama de um apocalipse zumbi não é, como já não era em 2003, algo especialmente original, a forma como Kirkman trouxe os conceitos que surgiram há décadas atrás e se solidificaram principalmente com produções como os filmes de George Romero e mesmo games como Resident Evil, The Walking Dead trazia uma perspectiva interessante, focada não só no perigo iminente com desmortos como também no que sobrou da humanidade e na forma como pessoas teoricamente sãs poderiam se comportar em situações extremas.
Não demorou para termos, por exemplo, a ótima série narrativa da Telltale Games baseada mais nos eventos e na estética das HQs do que na série (o primeiro capítulo foi considerado Jogo do Ano por alguns veículos relevantes no ano de seu lançamento, inclusive), e outras produções menos, digamos, dignas de grandes notas. Particularmente, ainda espero um jogo mais tradicional no gênero survival horror baseado na franquia, mas sei que será uma surpresa enorme se isso realmente acontecer.
Outra forma de capitalizar sobre uma marca é utilizando-a como tema em gêneros menos óbvios que produções de ação, tiro ou terror. E é exatamente nessa categoria que se encaixa o nosso objeto de análise deste texto: Bridge Constructor: The Walking Dead, nada mais, nada menos que uma versão ambientada do clássico simulador de construção de pontes nesse mundo desgraçado, onde o jogador precisa utilizar recursos limitados de forma planejada e criativa para conseguir alcançar o objetivo simples de chegar de um ponto ao outro no mapa por meio destas construções elevadas, em uma mistura bastante direta entre sistemas de emulação de construções e resolução de puzzles.
Em outras palavras, o jogo é baseado em criar pontes e passagens que sirvam para o cumprimento de missões colocadas em cada um dos diversos níveis existentes no jogo. Esse objetivo parte do mais explícito – ir de um lado a outro de um abismo antes de ser devorado por uma horda de inimigos – aos mais complexos, onde é necessário, por exemplo, eliminar seus perseguidores utilizando mecanismos e estratégias ardilosas. É possível, por exemplo, atrair uma multidão de desmortos até um ponto onde será possível derrubar uma carga de tijolos na cabeça de todos eles, eliminando-os sumariamente. Ou ainda criar uma construção forte o suficiente para que possamos atravessá-la com um ou dois indivíduos, mas não para um grupo maior, que acaba desmoronando assim que a gravidade fizer o seu trabalho.
Para tanto, há uma área possível para interação – infelizmente, não é possível construir qualquer coisa em qualquer lugar da tela, o que seria, certamente, mais interessante – e alguns pontos de apoio demarcados. Seu papel é ligar um lado do mapa ao outro, reforçar com pranchas (por onde pessoas ou objetos podem atravessar) e estruturas de apoio. Feito o projeto, chega o momento de disparar a ação no botão Play e torcer para que tudo aguente ao menos o mínimo para que todos cheguem bem ao outro lado.
Conforme se avança na trama, outras ações podem ser programadas, e isso acrescenta um elemento de previsibilidade mais sofisticado para o jogador: é necessário pensar em levar o personagem X até tal ponto, enquanto o Y está fazendo outra coisa, e articular passo a passo para que nenhum deles fique perdido no churrasco. Dependendo da quantidade de ações e opções disponíveis, esse plano infalível pode acabar fracassando miseravelmente. Quando tudo corre como um relógio bem ajustado, contudo, a sensação de satisfação é impagável. Claro, até começar a próxima fase e olharmos novamente para o mapa sem ter ideia de como superá-la.
Bridge Constructor: The Walking Dead, contudo, não é só uma skin simplória e tem suas especificidades que se adaptam muito bem ao tema adotado. A trama narrativa, inclusive, é um dos pontos melhor desenvolvidos no jogo, localizando o jogador a cada nova missão e incorporando as diferentes personalidades de cada protagonista ao conjunto do grupo. Contando com alguns heróis originais deste game e outros consagrados da TV – e essa ambientação se localiza junto à versão audiovisual e não ao original impresso, o que fica evidente na estética e, principalmente, na presença de Daryl dentre os mocinhos – o entrelaçamento entre as diferentes missões, por mais estapafúrdia que possa parecer, é bem amarrada a uma história a ser contada. Não, não é das mais interessantes ou mesmo instigantes, mas não deixa de ser algo acima da média para o gênero.
Feitas as apresentações, somos introduzidos às mecânicas principais: criar nós de conexão entre placas de material de construção – inicialmente madeira e, mais tarde, outros com densidade, durabilidade e textura diferentes – e “desenhar” uma ponte que se sustente quando finalizada. Mais parecendo um exercício feito com macarrão em escolas de engenharia civil, o trabalho precisa garantir pontos de sustentação suficientes para deixar a obra firme para o propósito e, ao mesmo tempo, leve para não sofrer com o próprio peso. Use poucos pontos de sustentação e a sua ponte sequer aguenta a si mesma; use muitos e o emaranhado fica pesado demais e desmorona. Para aumentar ainda mais o desafio quanto à precisão, há uma meta em gastos de material a ser batida que garante premiação de excelência ao cumprimento do requisito.
São, assim, dois planos principais de ação: o primeiro e mais comum é o de construção em si. O segundo determina a movimentação dos personagens, bem como ações específicas. Alguns podem, por exemplo, jogar iscas para atrair os desmortos para um ponto específico, outros podem atacar a distância ou no combate corpo-a-corpo e outros podem ainda acionar dispositivos. O que complica um pouco para quem está acostumado com ação em tempo real é que esse aspecto merece uma dedicação toda especial em termos de previsibilidade e, mais ainda, sincronicidade. Afinal, no princípio dois comandos para cada um já são suficientes (jogue algo e corra para a esquerda, por exemplo). Mas quando isso começa a se complicar mais, organizar esse caos é um desafio maior.
Algo que acabou incomodando um pouco foi a organização e o mapeamento de comandos, não porque teriam sido mal distribuídos, mas porque ao oferecer uma série de possibilidades encadeadas, acabam ficando um pouco irritantes. Sobretudo quando se programa ações dos personagens, há a necessidade real de lidar com os 3 direcionais, os dois analógicos e o digital. Não ajuda o fato de o feedback de alguns comandos dados não ser explícito ou evidente como deveria, e alguns detalhes podem ficar batidos pelo caminho. Se acostumar ao jogo ajuda, mas não melhora um sistema encavalado, e não há muita solução para isso. Aqui, paciência é a melhor recomendação.
Por outro lado, o formato é amigável com o jogador como um software dedicado a programação: ao finalizar um projeto, você pode executá-lo e assistir o resultado funcionando (ou não) para saber exatamente onde há acertos e, principalmente, problemas. É como criar um aplicativo, compilar e ver onde deu bug: assim que se vê as fragilidades, você retorna ao projeto e tem a chance de corrigir aquele aspecto específico. Em alguns casos, não tem jeito, é preciso recomeçar o projeto do zero. Ainda que o jogo ensine os princípios da física onde se baseia em diversas missões da primeira (e parte da segunda) grande área, muita coisa terá que ser descoberta pelo jogador.
O game garante algumas possibilidades de vitória de acordo com a criatividade e inventividade do jogador. Não há exatamente um jeito único certo de se vencer, ainda que as opções não sejam tão variadas assim na maioria das vezes. Assim que as primeiras missões são superadas, serão vários os momentos onde certamente a visão mais objetiva não será a mais acertada. Tentativa e erro será uma dinâmica frequente e fundamental para se chegar longe no jogo. Testar os limites da física e sempre estar no limiar entre a engenhosidade e a solução tosca é, certamente, a sensação mais presente, as vezes sentida em seus dois extremos ao mesmo tempo.
Faz bem ao jogador o fato de que a interface é bastante intuitiva, ainda que, como dito, o controle seja um tanto quanto confuso por conta da quantidade de opções e comandos, e parte desse mérito está em uma composição artística que favorece uma boa percepção do espaço físico e das possibilidades de ação. O visual cartunesco e estilizado de personagens já consagrados consegue equilibrar aquilo que já conhecemos da versão live action da franquia e uma estética que abusa de cores fortes e traços mais definidos. Ainda que todo bidimensional, o jogo se pauta em modelagem 3D com o famigerado cel shading, favorecendo a fluidez de movimento e a percepção de profundidade dos cenários, bem como um sistema de iluminação dinâmica e bem resolvida.
Por sua vez, a banda sonora conta com com a icônica trilha original da série de TV na abertura, mas salvo esse aspecto, é uma seleção bastante discreta, com alguns arranjos de cordas e batidas eletrônicas dando o tom. O mesmo vale para efeitos sonoros, econômicos e pontuais que garantem alguns grunhidos padronizados e outros mais específicos. O ponto baixo é a ausência de vozes – nem as originais, nem outras – nos trechos de diálogo, algo minimizado pela presença de legendas, inclusive em português, mas que em termos de ambientação sonora, é uma perda.
Como um todo, Bridge Constructor: The Walking Dead não é obviamente um jogo de grande escala, e está longe de atender a um desejo dos fãs por um game dentro do universo da franquia que transmita a experiência do perigo e do enfrentamento contra os mortos-vivos, e talvez esse momento não chegue jamais pelos fatos já abordados na introdução desta análise. Mas o improvável encontro entre um simulador de construção de pontes e passarelas e uma série de terror rende ótimos e desafiadores momentos, mesmo que possa perder um pouco do ritmo ao longo da jornada, e funciona surpreendentemente bem.
Se a história não é lá tão empolgante assim, ela funciona dentro de seu propósito, e dá liga à missões avulsas à contento. É o princípio básico de obras como “Orgulho, Preconceito e Zumbis”: pegue algo que é ótimo e acrescente zumbis para ficar incrível. Se esses monstros descerebrados parecem estar perdendo um pouco do apelo na cultura pop pela saturação, eles ainda rendem ótimas propostas quando utilizados em situações inusitadas. Bridge Constructor: The Walking Dead é, felizmente, um belo exemplo disso.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Headup Games.
Veredito
Bridge Constructor: The Walking Dead consegue somar o que de melhor há na franquia de simulação de criação de pontes e passarelas e a ótima ambientação pós apocalíptica do tradicional seriado de TV. Com comandos confusos, mas uma interface funcional, traz ótimos desafios, uma história suficientemente bem estruturada e abusa da criatividade pouco ortodoxa do jogador.
Bridge Constructor: The Walking Dead
Fabricante: ClockStone Software
Plataforma: PS4 / PS5
Gênero: Puzzle
Distribuidora: Headup Games
Lançamento: 19/11/2020
Dublado: Não
Legendado: Sim
Troféus: Sim (sem Platina)
Veredict
Bridge Constructor: The Walking Dead manages to add the best in the simulation franchise of creating bridges and walkways and the great post-apocalyptic setting of the traditional TV series. With confusing commands, but a functional interface, it brings great challenges, a sufficiently well-structured story and abuses the unorthodox creativity of the player.