O lançamento de uma nova coletânea da série Atelier envolvendo os jogos da trilogia Mysterious é um tanto quanto surpreendente. Enquanto os pacotes anteriores das trilogias Arland e Dusk se destinam a trazer jogos presos no PS3 para a geração atual, dessa vez a Koei Tecmo e Gust estão relançando jogos que já estavam disponíveis para PS4.
Composta por de Atelier Sophie: The Alchemist of Mysterious Book DX, Atelier Firis: The Alchemist and the Mysterious Journey DX e Atelier Lydie & Suelle: The Alchemists and the Mysterious Paintings DX, enquanto a coletânea parece sem propósito a primeira vista, há uma certa razão por trás da loucura.
Talvez a analogia mais próxima do que esses relançamentos sejam é Dragon Quest XI S: Echoes of an Elusive Age – Definitive Edition. Enquanto ela não traz melhorias visuais como em DQ XI S, Atelier Mysterious DX sai para o PS4 com o mesmo propósito de deixar disponíveis em todas as plataformas os mesmos conteúdos que a versão de Switch também recebe agora, já que essa coletânea marca a estreia de Sophie e Firis no console mais recente da Nintendo (Atelier L&S já havia saído pra Switch).
Essas novas versões DX buscaram trazer pequenas melhorias de qualidade de vida aos jogadores, se mostrando muito mais voltada a agradar potenciais novos interessados do que realmente motivar os fãs de longa data destes títulos. Isso não quer dizer que ela não traga novos conteúdos inéditos para quem já viveu essas experiências, mas isso claramente não é o foco aqui.
Antes mesmo de se começar a jogar, no entanto, há um ponto negativo que fica extremamente claro: o preço. É inegável que o preço dos jogos no Brasil tem se tornado cada vez mais inacessível, mas Atelier Mysterious Trilogy Deluxe Pack chega por absurdos R$482,90 ou US$89,99.
É um preço alto para qualquer coletânea, mas especialmente salgado dada as peculiaridades desse relançamento e a comparação com pacotes como a Mass Effect Trilogy, ou até mesmo o fato de que você pagará menos comprando os 3 jogos físicos separadamente. As novas versões te dão acesso aos DLCs do jogo padrão, mas é notório que é impossível adquirir os jogos pela PS Store em suas versões originais.
Isso não quer dizer que o pacote em si traga jogos ruins, muito pelo contrário. Antes do lançamento e sucesso estrondoso de Atelier Ryza, Atelier Sophie era o jogo mais bem-sucedido da franquia e os dois jogos subsequentes conseguiram construir bastante sobre o modelo estabelecido nele.
Há algo bastante estranho sobre a trilogia Mysterious, aliás. Enquanto a sua história é muito mais interconectada entre os seus capítulos, com o jogador vendo a formação de Sophie, sua atuação como “mentora” de Firis e o papel que ambas têm no crescimento de Lydie e Suelle, mecanicamente os jogos parecem muito mais separados do que era de se esperar, com evoluções mecânicas surpreendentes.
Isso faz com que, até mais do que Dusk ou Arland, onde era mais fácil começar por qualquer um dos capítulos, Mysterious te “exige” a começar por Atelier Sophie. Isso não é um problema já que, salvo por um visual bem abaixo dos outros, ele funciona como uma introdução bem estruturada e leve aos principais conceitos da franquia.
A história de Sophie Neuenmuller e seus amigos estabelece muito bem o conceito da trilogia. Elementos como a administração de tempo, o sistema de síntese e o combate por turnos são todos apresentados, mas em nenhum momento eles trazem o mesmo senso de urgência ou o peso visto em outros jogos da série.
Nisso, Atelier Sophie age como uma aventura bem “slice-of-life”, leve, relaxante, divertida e prazerosa, mas sem uma narrativa que construa qualquer senso de urgência (até mesmo para uma série em que esses elementos são naturalmente minimizados). É um ótimo jogo para relaxar e aproveitar sem se preocupar com grandes planos mirabolantes de dominação do mundo, apenas curtindo as interações entre os carismáticos personagens e a fofa protagonista.
O problema mesmo fica por conta da parte técnica restrita, com texturas de baixa qualidade, mapas pequenos e uma geral falta de propósito nas missões principais do jogo. 90% da experiência gira em torno de recuperar as memórias de Plachta, o livro misterioso do título, algo que você faz simplesmente aprendendo novas receitas de alquimia e escrevendo no livro. Não há indicações de como fazer isso, com algumas receitas vindo em momentos bem aleatórios, mas também não há uma grande cobrança ou pressão por resultado.
Esse talvez seja o jogo que mais se beneficia das melhorias que a versão DX traz. Enquanto os novos caldeirões não afetam tanto a experiência e a nova roupa é legal, a possibilidade de correr e acelerar o combate até 2x é muito bem-vinda. Os novos episódios adicionados giram em torno da roupa da avó de Sophie e são bem legais, mas nada que adicione tanto assim a experiência.
Esses mesmos benefícios (incluindo um Photo Mode) também se estendem aos outros jogos, mas Atelier Firis: The Alchemist and the Mysterious Journey DX talvez seja o que menos traz grandes mudanças. Contando apenas com todo o conteúdo lançado anteriormente, novos veículos/ferramentas de exploração e uma missão para derrotar sete novos inimigos, é talvez o update mais “simples” de todos (e a falta da corrida é notória).
É notório então que, ainda assim, Atelier Firis provavelmente é o melhor entre os três jogos. Parece ser meio repetitivo dizer isso, mas os jogos do meio das trilogias Atelier costumam marcar avanços significativos, encontrando o meio-termo perfeito entre aquilo que eles querem entregar. Esse foi o sentimento que eu tive com Atelier Escha & Logy e ele se repete aqui com Firis.
Há um senso de propósito e urgência muito maior aqui, com a protagonista Firis Mistlud, uma jovem nascida em uma pequena cidade mineradora, recebendo o prazo de um ano para viajar pelo mundo e aprender alquimia para passar no teste de alquimia realizado em Reisenberg. Cabe a ela, então, aprender tudo que pode para então poder dar o rumo que preferir para sua vida e conhecer o mundo externo com o qual ela tanto sonha.
Atelier Firis não só entrega um propósito melhor (e muito mais claro e direcionado pelo jogo), como um sistema de fast travel melhorado e ajustes ao sistema de síntese visto no jogo anterior (que acabam sendo o ponto fraco dele). Ele também é um jogo mais aberto, com áreas interconectadas (o seu atelier agora é uma tenda que pode ser usada em fogueiras) e focado nas pequenas descobertas feitas por Firis em sua jornada e em completar pedidos das pessoas que ela vai conhecendo.
Ainda que também sofra com pequenos problemas, Firis é o ponto alto da trilogia, trazendo gráficos mais em linha com o que se esperaria de um JRPG de PS4 e uma experiência como um todo que consegue equilibrar o que a série faz bem, sendo relaxante e leve sem tirar todo e qualquer propósito das suas ações ao praticamente abolir os prazos para suas ações (mas também sem exagerar nas datas-limite como Arland fazia).
O último jogo da trilogia, Atelier Lydie & Suelle: The Alchemists and the Mysterious Paintings DX, já é uma experiência um pouco mais complicada de se discutir. Ele é o jogo que mais traz conteúdo extra nessa versão e é, com folga, o jogo mais bonito entre toda a trilogia. O problema é que, no geral, também é o jogo que mais tropeça naquilo que ele tenta fazer.
O jogo todo gira em torno das irmãs do título, Lydie e Suelle Malen, que vivem em um pequeno atelier com o seu pai, Roger Malen, um alquimista de Merveille que perdeu o rumo após a morte da sua esposa, fazendo com que suas filhas precisem se virar para cuidar do atelier e atender aos pedidos da população da cidade.
Dada a displicência de seu pai, Lydie e Suelle vivem em uma situação bem precária, mesmo que elas sonhem em ter o melhor atelier de todo o reino, até que um dia elas ouvem vozes vindo do porão da casa. Chegando lá, elas descobrem que tem o poder de entrar em pinturas e coletar materiais para alquimia, os usando para criar um dos seus melhores itens até aquela data.
As duas decidem então continuar explorando as pinturas, a contragosto do pai delas, e fazer o possível para se tornar o melhor Atelier do reino, o que é feito completando diferentes desafios feitos pelas pessoas da cidade. À medida que o seu ranking aumenta, você ganha acesso a novas pinturas que são usadas para melhorar as habilidades das irmãs e o ciclo se mantém.
A parte mais interessante do jogo é que, ao contrário de Atelier Escha & Logy ou Atelier Shallie, não é necessário escolher uma das protagonistas no começo do jogo, sendo possível alternar entre as duas irmãs com o mero toque do botão. Isso faz com que o jogador possa conhecer melhor ambas as personagens sem que uma fique em detrimento da outra.
Isso abre as portas para outros elementos interessantes, como o fato do combate girar em torno de duplas (com seis personagens no total participando do combate), voltando ao que era na trilogia Dusk, com os três personagens “ativos” sendo controlados pelo jogador e os demais agindo quando certas condições são atingidas.
A maior novidade em termos de gameplay é a introdução do sistema Battle Mix que te permite criar itens em meio ao combate, sem precisar retornar ao atelier em situações mais apertadas. É notório também que muitas das mudanças no sistema de síntese apresentados em Firis foram retiradas, trazendo o sistema para algo mais próximo ao visto em Atelier Sophie.
A questão é que, ainda que Lydie e Suelle consigam te cativar com o tempo, esse é o jogo mais fraco da trilogia, pegando alguns dos pontos mais fracos dos outros dois títulos. É possível que essa sensação venha do desgaste de se jogar três JRPGs de tamanho médio (você provavelmente vai terminar cada um com cerca de 30 horas, 40 se quiser platinar), então, por mais divertidos que sejam, recomenda-se cautela ao tentar jogos todos os três de vez.
No geral, a experiência com Atelier Mysterious Trilogy Deluxe Pack é tão boa quanto as vistas nos pacotes anteriores, com três bons JRPGs (com dois ótimos jogos). Ao longo dos últimos anos, essa talvez seja a franquia que mais me conquistou e é inegável o carinho que eu tenho por ela, mas isso vem, também, de estar tendo essas experiências pela primeira vez.
Há pouquíssima coisa nova aqui em relação aos lançamentos anteriores dos mesmos jogos para PS4, sendo praticamente impossível justificar o preço exorbitante ou defender que alguém que comprou os títulos anteriores jogue tudo de novo (salvo pela lista de troféus diferente da anterior). É até meio absurdo que essa trilogia tenha saído três meses após o lançamento de Atelier Ryza 2 (e um jogo bem superior), sendo um claro caso de um jogo que poderia ter esperado alguns meses para ser lançado (e que se justificaria mais com uma versão de PS5).
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Koei Tecmo.
Veredito
Atelier Mysterious Trilogy Deluxe Pack é uma coletânea de bons jogos, mas que sofre um pouco com uma falta de propósito para sua existência e poucas melhorias aos jogos em si. Ela ainda se sustenta na qualidade dos títulos em si, mas é um jogo difícil de se recomendar pelo preço salgado e um lançamento tão próximo de outro jogo da mesma franquia.
Veredict
Atelier Mysterious Trilogy Deluxe Pack is a collection of good games, but it suffers a little with a lack of purpose for its existence and few improvements were made to the games themselves. It still stands on the quality of the titles themselves, but it is a difficult game to recommend due to the high price and a launch so close to another game in the same franchise.