Análises

Assassin’s Creed Shadows – Review

O peso das expectativas é sempre algo que tem um impacto interessante sobre como vimos uma obra quando ela finalmente chega em nossas mãos. Especialmente em uma indústria em que todos os novos lançamentos passam por um ciclo de hype absurdo e em que, mesmo nos momentos em que deveríamos celebrar o sucesso do presente estamos olhando para o futuro, é difícil que isso não afete a opinião ao redor de um título.

Esse é um ponto importante ao se olhar para Assassin’s Creed Shadows. Afinal, em vários outros importantes momentos da história da Ubisoft, um novo jogo da amada série ambientado no Japão seria um dos maiores lançamentos do ano. Hoje, dada a mudança de opinião pública ao redor do título, a sensação talvez seja de um otimismo cauteloso. Mas, sinceramente, não deveria ser. Afinal, mesmo dentro dos excessos de Odyssey e Valhalla, a série sempre se manteve consistentemente excelente.

Shadows, primeiro título exclusivo da série para a atual geração (PS5 e Xbox Series), mantém essa mesma linhagem. Trazendo a série para o período Sengoku do Japão, o jogo coloca o histórico conflito entre assassinos e templários no centro de um dos períodos mais conturbados da história humana. E também um dos famosos. Afinal, quase todos tiveram contato com alguma obra ambientada nesse universo. De Sekiro: Shadows Die Twice à Samurai Warriors, de Inuyasha à Dororo, vários títulos recriam o período de reunificação do Japão e as intensas batalhas da Guerra Civil de diferentes pontos de vista.

Assassin's Creed Shadows

Aqui vemos os acontecimentos através de dois protagonistas: Fujibayashi Naoe, a filha de um importante guerreiro da região Iga e um dos líderes dos assassinos no Japão que recebe sua lâmina oculta de seu pai e com isso uma série de responsabilidades; e Yasuke, um ex-escravizado que chega ao Japão protegendo padres portugueses, mas que logo passa a empunhar sua espada ao comando de Oda Nobunaga. Apesar de iniciarem suas jornadas em lados diferentes da invasão de Iga por Nobunaga, ambos os protagonistas passam a trabalhar juntos por um objetivo comum.

A jornada dos dois protagonistas é bem diferente, mas a forma como elas vão se casando e, principalmente, a forma como ambas se diferenciam é parte essencial da razão pela qual a história do jogo como um todo funciona. Naoe é uma história fácil de entender e se conectar com, muito porque ela é construída sobre muitos dos elementos que, juntos, construíram o sucesso de alguns dos protagonistas mais marcantes da série.

Isso vai da jornada dela que se inicia motivada por vingança mas vai, pouco a pouco, a colocando num papel de liderança dentro da Irmandade. É, de várias formas, exatamente o que jogador esperaria de um Assassin’s Creed ambientado no Japão. Uma shinobi infinitamente mais eficiente em agir nas sombras, realizando importantes assassinatos sem ser reconhecida e jamais recebendo o crédito pelo papel que exerce em moldar o rumo da história. Ajuda também que, entre os protagonistas da série até aqui, que já são muitos, ela se estabelece facilmente dentro do alto escalão deles. E, sinceramente, o jogo poderia ser facilmente todo construído ao redor dela já que, apesar de talentosa, ágil, inteligente e corajosa, ela tem uma motivação muito bem construída.

Assassin's Creed Shadows

Yasuke já é uma jornada um pouco diferente. Durante grande parte da jornada, parece muito mais como se o samurai estivesse ali para cumprir um papel do que, necessariamente, uma das forças motrizes por trás do conflito. Ele tem um papel importante, é claro, afinal ele não deixa de ser um protagonista e há um conflito interessante na jornada dele, com o forte compasso moral dele o colocando constantemente entre a ida de fazer o que é certo e ser leal ao homem que o concedeu a liberdade (e o quanto isso, por si só, talvez seja uma forma de escravidão).

Muito disso acaba sendo pelo jogador dedicar, basicamente, quase que integralmente as suas primeiras 10 a 15 horas à jornada de Naoe, incluindo uma série de missões secundárias voltadas para flashbacks sobre o treinamento dela com seu pai. De toda forma, ele acaba exercendo um papel importante no arco como um todo. Afinal, ambos têm um objetivo: restaurar a paz à terra que os concedeu tudo, ainda que de formas bem diferentes. E para isso, precisarão enfrentar o grupo de misteriosos inimigos conhecidos como os Onryo.

Pense no grupo central de vilões de forma bem similar à como funcionava a Ordem dos Anciões ou o Culto do Kosmos em Origins e Odyssey e é basicamente isso que os Onryu significam. Cabe à Naoe e Yasuke investigar quem são essas misteriosas pessoas atuando nas sombras para manipular o futuro do Japão como querem, jogando-o no caos e colocar um fim à influências delas e, consequentemente, trazer a tão almejada paz. Cabe apontar aqui que o jogo tem um sistema de escolhas de diálogos, com o jogador podendo moldar como irá se desenrolar ou optar por um Modo Canônico, no qual a narrativa canônica (como a desenvolvedora a planejou) se desenrola sem influência do jogador, sem a necessidade de escolher suas respostas.

Assassin's Creed Shadows

O plot, como um todo, passa uma sensação de coletar elementos que funcionaram ao longo dos outros 13 jogos da franquia e remixa-los, dando a sua própria interpretação a estes elementos. Pode parecer uma fórmula mais “segura” de se trabalhar, mas a verdade é que é justamente por saber trabalhar com estes elementos que Assassin’s Creed Shadows consegue se estabelecer muito facilmente como uma das melhores histórias da franquia até aqui, talvez num patamar abaixo só de Origins e Black Flag. É uma jornada que vale muito a pena e é extremamente acessível para novos jogadores, mas trabalha excepcionalmente bem tudo que ajudou a cultivar a vasta base de fãs até aqui.

Em termos de gameplay, Shadows brilha também. Na prática, o jogo é mais um grande RPG de Ação da série, então espere aqui tudo o que isso significa, incluindo um gigantesco mapa de mundo aberto (basicamente do mesmo tamanho do Egito de Origins), um sistema de progressão bem robusto e algumas novidades, com o jogo abandonando o sistema de interface de usuário absurdamente controlador e adotando um estilo mais intuitivo. Além de um sistema de gerenciamento de base muito bem-vindo.

Comecemos sobre o sistema de gerenciamento de base. Naoe, como parte da sua jornada para sua vingança, trabalha junto com Tomiko, uma antiga amiga de seu pai, para construir sua própria base (do que seria Irmandade), coletando aliados e evoluindo seu esconderijo com os recursos encontrados ao redor do mundo. Pense em algo bastante similar ao Assentamento Viking de Valhalla, mas agora com maior liberdade para definir onde construir cada uma das instalações e você terá uma ideia do que estamos falando.

Assassin's Creed Shadows

Em termos de exploração, cada um dos protagonistas tem uma forma diferente de lidar com o mundo. Naoe é sua assassina tradicional, podendo facilmente escalar prédios, se esgueirar por aí, incluindo a habilidade de abaixar e deitar no chão para usar melhor as folhagens e sombras ao seu favor, além de poder mergulhar para se aproximar discretamente de inimigos próximos a lagos e rios. Já Yasuke é, basicamente, um tanque, sendo capaz de arrombar portas na base da força bruta, mas com sua mobilidade muito mais limitada graças ao peso da sua armadura samurai.

Elementos tradicionais da exploração, como o cavalo, retornam, mas há uma clara ausência que muda totalmente o ritmo do jogo: sem aves de rapina para lhe ajudar. Desde que Senu foi introduzida em Origins, a presença de uma águia (ou corvo) que funcionava essencialmente como um drone se tornou uma muleta para o gameplay do jogo, especialmente durante as sessões de infiltração. Aqui isso não existe mais, com o jogador podendo apenas observar o lugar usando seus próprios olhos e a Visão de Águia, aqui funcionando como um radar que lhe ajuda a rastrear os inimigos (novamente voltando a como funcionava antes, ao invés do pulso dos últimos jogos, e só pra Naoe).

Em compensação, o jogo traz uma novidade bem interessante: o arpéu, um gancho que dá à Naoe a possibilidade de escalar certos pontos com maior agilidade ou se balançar nele para pular por vãos maiores. É uma ferramenta bem útil (e bastante japonesa) e traz uma verticalidade maior para a exploração. Novamente, é algo exclusivo da Naoe, juntamente com suas shurikens, kunais e bombas de fumaça, e parte do porquê o gameplay dela parece muito melhor e mais divertido, uma vez que, por ser uma personagem bem mais frágil do que o Yasuke, o jogo te dá mais ferramentas para se esgueirar e abater os inimigos nas sombras, sendo mais próximo do gameplay tradicional da série (e o motivo pelo qual eu me apaixonei por ela).

Assassin's Creed Shadows

Isso não significa que não haja combate (muito longe disso) e, não só ele é obrigatório em vários momentos, mas uma parte essencial da jornada como um todo, afinal, é nele que o Yasuke realmente brilha. Em termos de dinâmica, ele é bem próximo ao que o jogador já estava acostumado a ver em Valhalla. Os combates giram muito em torno do parry, com o jogador precisando defender os ataques inimigos na hora certa e reagindo com golpes fracos (R1) ou fortes (R2). Embora Naoe seja totalmente reativa, dado sua fragilidade, seja portando seu tantô, seja com sua kusarigama, ela precisa de mais golpes para matar inimigos, ao contrário dos assassinatos silenciosos que costumam ser um golpe só e pronto. Já Yasuke, não.

O samurai traz ao seu favor uma habilidade de combate direto naturalmente melhor, o que o permite ser mais proativo nas batalhas. É claro, ainda é mais eficiente usar o parry para abrir a defesa inimiga, Yasuke pode fazê-lo com ataques fortes e desferir rápidas sequências de golpes que são fatais para seus inimigos com sua katana. Ou só esmagá-los com a força de um Kanabo. Yasuke tem, ainda, à sua disposição um arco e um arquebus, basicamente um rifle, que o ajudam a derrotar inimigos de longa distância, já que sua mobilidade mais limitada dificulta chegar até inimigos em pontos mais altos ou mais distantes sem sofrer muito dano (ou só sendo inalcançáveis mesmo).

Se você é um jogador de longa data, pense em mais ou menos como funcionava a dinâmica entre os irmãos Frye em Syndicate, mas elevado para um novo grau. Yasuke é totalmente voltado para o combate direto, sem muitas ferramentas de infiltração e tentar fazê-lo será frustrante. Já Naoe é muito mais voltada para missões em que a calma e o silêncio serão fundamentais, mas tentar enfrentar grandes grupos de inimigos com ela com certeza te frustrará, sendo melhor só usar uma bomba de fumaça e correr o mais rápido possível.

Assassin's Creed Shadows

Em se tratando de um RPG, Shadows, naturalmente, traz um sistema de progressão, mas um muito mais interessante e funcional do que o que a série havia apresentado em Valhalla (e sua megalomania), por exemplo, construindo em alguns dos conceitos que Mirage havia trazido. Basicamente, cada protagonista tem árvores de habilidades distintas dedicadas para seis elementos diferentes do seu rol de funções. Cada personagem tem a possibilidade de desbloquear habilidades especiais e aliados que podem ser usados em combate, ao custo de Adrenalina.

Durante sua jogatina, você completará missões (principais e secundárias) e atividades espalhadas pelo mundo que te darão EXP e, ao subir de nível (ou completar certas atividades específicas) você ganhará pontos de maestria que podem ser utilizados para desbloquear habilidades. Além disso, certas habilidades também te darão Pontos de Conhecimento, os quais te permitem subir de Ranque e, com isso, destravar novas habilidades que então podem ser adquiridas com os Pontos de Maestria. É um sistema que dá um peso maior para certas atividades secundárias (que ficam marcadas no mapa em laranja), além de te permitir ir, aos poucos, desbloqueando habilidades que, de fato, tem um impacto no gameplay.

Além disso, como já era de se esperar, o jogo traz todo um sistema de equipamentos, todos com seu próprio nível e estatísticas específicas. Felizmente, o jogo adota a abordagem vista nos últimos dois títulos, com uma quantidade mais restrita de loot sendo dado ao jogador ao completar certas missões específicas ou espalhados pelo mundo, sem que você precise estar o tempo todo parando para descobrir se há algum ganho mínimo entre uma katana ou outra.

Assassin's Creed Shadows

Antes de terminarmos, existem alguns elementos interessantes que precisam ser abordados. Um deles é que, dessa vez, a Irmandade tem um impacto muito mais significativo nas suas missões principais. Ao expandir o seu grupo de aliados, você irá ganhar batedores que podem ser despachados ao redor do Japão para coletar informações, revelar novos detalhes sobre suas missões e até trazer recursos importantes para a melhoria da sua base.

A exploração ao redor do mapa também se tornou algo bem mais interessante graças, principalmente, à relativa redução da quantidade de itens secundários espalhados por ele. Mesmo para um admitido fã da franquia, Valhalla passava muito dos limites nesse aspecto, com a quantidade de atividades secundárias sendo quase um desrespeito ao jogador. ACSH ainda tem bastante coisa a se fazer no seu mundo, com flashbacks dos personagens espalhados por aí para serem acessados na forma de kuji-kiris, animais para serem pintados, técnicas de combate para serem treinadas em bambus e por aí vai.

O jogo, no entanto, reduz bastante o foco em encontrar um Ponto de Observação, revelar 50 atividades secundárias e fazer uma por uma antes de ir para o próximo objetivo. Aqui as coisas vão aparecendo de forma mais natural, como uma interrogação na bússola ou um marcador discreto nela (apesar de que há uma opção para ativar um Modo de Exploração Guiada que torna tudo mais claro), cabendo ao jogador decidir se irá ignorar ou completá-la e grande parte traz algo bem legal, por menor que seja, à experiência ao invés de só uma missão que você esquecerá alguns minutos depois. Dito isso, você encontrará missões secundárias tanto com personagens espalhados pelas diferentes cidades e vilas quanto nos Kakuregas, casas seguras da Irmandade que te permitem não só recuperar sua energia e suprimentos, mas também aceitar contratos que lhe renderão importantes recursos.

Assassin's Creed Shadows

Por último, mas não menos importante, os aspectos técnicos do jogo merecem destaque. Ao longo das dezenas de horas com o título (a história principal vai te render cerca de umas 60 horas para terminar), não só não tivemos nenhum problema de performance (tanto jogando no modo qualidade quanto no desempenho), mas o jogo em si se mostrou um show visual à parte. Os modelos dos personagens, cenários, incluindo as mudanças de horário e de estação, e efeitos em combate, tudo entrega um espetáculo visual digno do melhor que a franquia pode oferecer e realmente faz jus a ser um título exclusivo da geração atual.

A dublagem também merece elogios, tanto em PT-BR, com os dubladores conseguindo entregar uma ótima performance, especialmente com os protagonistas, quanto na original em inglês ou em japonês. A trilha sonora também é excelente, ajudando bastante a estabelecer a ambientação, tanto em suas canções quanto nos efeitos sonoros que ajudam a dar vida ao mundo (e fazem com que jogá-lo com fone de ouvido seja quase obrigatório).

Dito tudo isso, Assassin’s Creed Shadows é um título excepcional. Embora talvez o título se beneficiasse mais se focasse apenas em uma protagonista, já que grande parte dos seus elementos parecem muito mais voltados para o Stealth do que para o combate, ele funciona bem dentro do escopo que se propõe. Yasuke acaba ficando um pouco de lado, mas ainda assim contribui bastante para a narrativa como um todo, mesmo que, com a possibilidade de focar em um protagonista só durante grande parte do jogo, acaba sendo fácil deixá-lo um pouco de lado (ou vice-versa se preferir).

Assassin's Creed Shadows

Durante todo o processo de marketing e desenvolvimento do jogo, uma mensagem parecia bem clara, quase como uma declaração de objetivo, que era a intenção da Ubisoft de fazer de Assassin’s Creed Shadows o “Assassin’s Creed definitivo”. E, sinceramente, o jogo chega muito perto de fazer exatamente isso. De certa forma ele consegue, entregando uma experiência que traz muitos elementos excepcionais e que agradará a cada grupo de fãs dentro da fanbase do jogo, fazendo basicamente tudo muito bem.

Os poucos elementos em que o jogo tropeça, como o fato da narrativa ser tão voltada pra Naoe, mas sentir a necessidade de encaixar Yasuke aqui para ter um protagonista masculino, ainda assim não o impedem de ser um jogo do mais alto escalão da série. O próprio problema com o Yasuke, por mais que ele se estabeleça como parte importante da história e, bem, jogar com um samurai sempre seja bem-vindo, é mais por parecer algo forçado na narrativa por medo dos jogadores não aceitarem uma protagonista feminina (um problema recorrente na franquia já há alguns títulos) do que pelo Yasuke em si, que tem um arco narrativo bem interessante e bem legal que se conecta bem com os acontecimentos aqui e a própria lore da franquia.

Enfim, Assassin’s Creed Shadows é um título excepcional e que merece todos os elogios destilados a ele aqui. Seja você um fã de longa data que vem acompanhando a jornada da série desde 2007 ou um novato interessado em explorar o Japão, o jogo traz tanta coisa que irá te agradar, tantos elementos distintos e funcionais de gameplay e uma história tão envolvente e agradável que só nos resta dizer que, no fim das contas, ele fez jus ao hype.

Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Ubisoft.

Veredito

Ancorado na força de Naoe como protagonista e o foco renovado em seu gameplay de stealth, Assassin’s Creed Shadows é mais um retumbante acerto da franquia. Seu único tropeço fica por não conseguir colocar Yasuke no mesmo patamar que sua companheira, algo menor quando tantos outros elementos o tornam obrigatório para interessados na série ou na ambientação.

90

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