Conception II é a sequência de um jogo bastante único que foi comercializado apenas no Japão. Como o segundo título dessa breve série não guarda com seu antecessor nenhuma conexão em termos de trama, foi possível trazer o game para o Ocidente sem prejuízo para o jogador. Por isso, podemos tratar com segurança do jogo como um todo independente.
Em Conception II, você assume o comando do protagonista (que você pode nomear), um jovem adolescente que vive num mundo onde existem labirintos chamados de dusk circles, de dentro dos quais saem monstros que aterrorizam a humanidade. Infelizmente, a ameaça não pode ser neutralizada facilmente, pois os monstros só podem ser combatidos pelos poucos que detêm star energy, um poder que se manifesta por apenas alguns anos, durante o fim da adolescência. Entretanto, mesmo os possuidores desse dom não podem entrar nos labirintos e torná-los inativos, pois seria necessária uma alta contagem de ether, algo inédito até então. É aí que entra o seu personagem: além de usar star energy, ele possui níveis de ether nunca vistos, permitindo que possa adentrar os labirintos e cortar o mal pela raiz. Ou seja, você é a esperança da humanidade por paz.
No entanto, o protagonista não pode fazer tudo por si mesmo. Ele vai precisar da ajuda de outras pessoas capazes de usar star energy, principalmente das chamadas star children. Estas são espécies de crianças guerreiras que nascem da combinação do ether de um homem e da star energy de uma mulher. Quanto mais fortes forem esses elementos nos dois integrantes desse processo (chamado de classmating), mais forte será a star child.
Se você está pensando que tudo isso é uma metáfora para sexo, você está correto. As falas do jogo supõem que o contato durante o classmating é restrito a coisas mais ou menos inocentes, como apertar a mão um do outro, mexer no cabelo, no máximo um abraço forte. As imagens que o jogo mostra durante o ritual (que você pode ver, por sua própria escolha, clicando aqui e aqui), todavia, deixam claríssimo que se trata de outra coisa. Os diálogos que antecedem e seguem o classmating também reforçam essa ideia, com o casal frequentemente constrangido, exausto fisicamente e com comentários sobre quem usou força demais, encostou onde não devia, etc.
Apesar do que esses elementos podem levar a pensar, Conception II não é um jogo erótico, embora a presença desse sexo velado seja bastante forte. Esses momentos têm um tom fortemente cômico, seja pela trilha sonora brega que é reproduzida durante o ritual, seja pelo completo nonsense da premissa: para salvar o mundo, é preciso fazer sexo. Esse conflito de seriedade e absurdo gera um efeito cômico em cenas que poderiam ter um enfoque erótico e, assim, esvaziam seu sentido sexual. Tendo em vista tudo isso, é preciso deixar claro que Conception II não é um jogo que se leva a sério.
Além do mais, o fator decisivo no classmating não é o sexo em si, mas sim o vínculo entre os participantes: quanto maior a ligação entre o casal, mais poderosa será a star child. E isso introduz a primeira metade do gameplay de Conception II, o simulador de relacionamento. O jogo se passa numa escola especial para possuidores de star energy, e lá você pode interagir e fazer o classmating com as sete garotas que têm a maior quantidade desse poder. No início do jogo, você só tem acesso a quatro delas, mas as outras vão sendo desbloqueadas conforme a história avança.
Cada uma das garotas tem uma personalidade bastante específica e, se você escolher interagir com elas, pode ver o desenvolvimento desse caráter e os problemas que elas enfrentam em nível pessoal. O interesse de cada uma dessas histórias varia de pessoa para pessoa, mas é importante destacar que há tramas com profundidade substancial e que permitem criar um vínculo entre as garotas e o jogador. Isso só é possível, entretanto, se este tiver empatia com dramas mais adolescentes do que adultos, como problemas de aceitação do próprio corpo, falta de coragem para se impor publicamente, popularidade acompanhada de solidão, etc. São problemas formativos, do momento em que uma pessoa mais se preocupa com a visão do outro.
Em termos técnicos, o simulador de relacionamentos funciona da seguinte maneira: você vai para a escola e, num dia, pode falar uma vez com até três garotas. Todas elas têm um medidor que aponta seu respectivo humor e o vínculo com o protagonista. O humor normalmente está relacionado a como elas são tratadas, ou seja, depende do que o jogador escolhe dizer a elas ou fazer em determinadas situações. Já o vínculo está relacionado a quantas vezes o jogador falou com cada uma e também, claro, o que falou.
Quando se seleciona uma garota para conversar, o jogo abandona as cenas estáticas estilo mangá e apresenta um diálogo com a personagem em 3D. A qualidade visual desses dois momentos é bastante alta e as cenas têm capricho excepcional na tela do Vita. O cenário nos trechos em 3D é estático, mas há uma grande diversidade de locais que os personagens visitam durante seu tempo juntos. Já a dublagem é assunto complicado: não há opção de áudio em japonês, mas as vozes dos personagens são boas e bem escolhidas, com exceção da dublagem do protagonista, que é medíocre e afetada. Felizmente, ele fala pouco.
Quando o protagonista visita três garotas, o jogador tem duas opções: ou ir a um labirinto e, quando voltar, poder conversar com elas de novo, ou ir até seu quarto e descansar, o que permite conversar com elas outra vez sem implicar a possibilidade de a história avançar sem o devido planejamento. Apenas descansar não faz com que a trama siga adiante. Em Conception II, a progressão está ligada a eventos bastante claros e específicos, o que quer dizer que não há um forte senso de escolha na hora de distribuir atenção entre as garotas. Você pode maximizar toda a sua ligação com elas sem problemas ou correria. Um aviso, porém: depois de algumas conversas, se o jogador não avançar na história, as sequências começarão a se repetir e a barra de vínculo com as heroínas não avançará. É preciso, então, dosar as duas coisas.
O próprio ato do classmating é o outro elemento envolvido nos relacionamentos, responsável por sequências específicas com cada heroína e, de alguma forma, é o ápice desse processo, quando você efetivamente gera a sua star child. É nesse momento que o simulador de relacionamentos se une à outra parte do jogo: o RPG em turnos.
Cada star child funciona como um membro de um trio que, por sua vez, forma um integrante da sua party. Como você precisa levar três trios aos labirintos, sua equipe sempre terá nove star children. Nos momentos dos combates, cada trio age como uma unidade e você tem a liberdade de escolher habilidades específicas de cada integrante, e os pontos de magia usados são divididos pelo trio.
Apesar de serem mais ou menos concebidas como grupo, cada star child tem os seus pontos de saúde e magia individuais. Se num determinado momento uma star child tiver seus pontos de saúde zerados, ela é derrubada e suas habilidades especiais são bloqueadas dentro do espectro de ações do trio. Entretanto, ela não está derrotada, podendo se levantar se o trio tiver sua saúde recuperada. Elas apenas desaparecem do cenário se os pontos de saúde do trio inteiro forem zerados. Resumindo: é preciso prestar atenção nas star children tanto como um grupo quanto como indivíduos.
Parte dessa atenção precisa ser direcionada às combinações possíveis nos trios e na party como um todo. Há enorme variação de equipes em Conception II. Até onde pude descobrir, existem trinta classes de star children: algumas estão disponíveis desde o início, outras são desbloqueadas conforme o jogador avança, e um terceiro conjunto de classes só pode ser desbloqueado com certos itens raros ou cumprindo determinadas condições. Até certo momento, a principal barreira nesse sentido serão as habilidades das mães: no início, nem todas elas podem produzir todas as classes, pois os atributos delas são variáveis. Algumas só poderão gerar algumas classes, e outras só poderão criar classes distintas das primeiras. Esse obstáculo só vai sendo vencido conforme o jogo avança.
Analisando friamente, não será difícil perceber que certas classes avançadas são apenas evoluções das básicas, apenas com status superiores. Contudo, mesmo nesses casos, as habilidades especiais são diferentes ou desbloqueadas em ordem distinta, o que dá individualidade a cada tipo de star child. Além disso, pesa sobre cada star child a herança da mãe: em muitos casos, elas herdam o elemento das heroínas de que provêm e o nível da mãe no momento do classmating determinará até onde o filho poderá progredir. Isso quer dizer que, durante a experiência toda, o jogador deverá renovar sua equipe de star children diversas vezes.
No começo do jogo, cada uma das star children chega apenas até o nível dez. Conforme as habilidades do protagonista e da heroína e o vínculo entre ambos avançam, o nível máximo de sua prole aumenta. Por um lado, essa dinâmica permite que você tente combinações de star children diferentes sem medo de perder seu progresso e dá um sentido ao grinding; por outro lado, pode parecer um tanto tedioso ter que recomeçar. Felizmente, quando eu comecei a me entediar com esse ciclo, foi desbloqueada a possibilidade de pagar para treinar minhas star children de nível inferior.
A possibilidade de treinamento é oferecida se o jogador evoluir a cidade onde vive. Para isso, ele precisa emancipar suas star children. Esse é um processo natural, com o qual você se desvencilha das crianças que já alcançaram seu limite, ficaram para trás e não têm mais serventia em batalha. Ao torná-las independentes, elas vão trabalhar na cidade, o que desbloqueia lojas novas e itens diferentes.
Dominados todos os elementos em volta do classmating, é hora de partir para os labirintos. Para isso, você escolhe sua party que, além das star children, conta com o herói e uma das garotas (elas podem ser selecionadas livremente), equipa todas como achar melhor e segue para o desafio em si.
Os labirintos são em 3D, tem um visual razoável e se dividem em duas estruturas: corredores vazios e salas com monstros. Apesar de cada dungeon ser reformulada cada vez que você entra, todas parecem semelhantes, com a mesma estrutura corredor/sala e, visualmente falando, pouca variação. As portas são um pouco distintas, as colorações mudam, mas não se percebe uma personalidade em seu design.
O objetivo dentro de cada labirinto é chegar até o fundo e cada um pode chegar a ter dezenas de andares. Se o jogador tiver pressa, entretanto, não é difícil evitar os monstros (que aparecem com uma forma genérica e podem ser ignorados se a pessoa se movimentar corretamente) e progredir com rapidez, principalmente com a ajuda do mapa.
Se resolver enfrentá-los – e nem sempre é possível desviar –, o jogador será apresentado ao sistema de batalha do jogo, que é bem complexo e específico. Na aparência, é como um sistema de turnos tradicional em JRPGs, mas com dois elementos únicos em Conception II. O primeiro é a localização: os inimigos se distribuem numa arena tridimensional e, ao escolher atacar, o jogador pode decidir a direção do ataque, o que pode ter diferentes resultados. Pelo menos uma das direções é considerada um ponto fraco e é possível causar mais dano atacando por ali. Atacar por outras direções provavelmente não terá a mesma contundência, mas contribuirá para o outro elemento especial dos combates: a chain gauge, explicada a seguir.
A ordem dos turnos em Conception II não é fixa. Ela depende da relação dusk/ether: quanto mais um inimigo causa dano, mais dusk é gerado; quanto mais dano sua party causa, mais ether é gerado. Na prática, aumentar o ether eleva a possibilidade dos integrantes da sua equipe furarem a fila nos turnos e atacarem com mais rapidez. Além disso, conforme o jogador ataca, uma barra (chamada chain gauge) vai aumentando e, quando chega a um determinado ponto, prende o inimigo e o faz ir para o fim da fila dos turnos, dando mais chance para o ataque.
Na prática, essa é uma mecânica muito complexa e interessante, mas raramente necessária se você souber utilizar com precisão a direção dos ataques (tanto para causar mais dano quanto para levar menos). Contudo, os chefes dos últimos dois labirintos exigirão um conhecimento avançado dessa habilidade, por isso é importante não deixá-la de lado. Nesse sentido, o jogo te dá tempo para aprender tudo de que você precisa, mesmo apresentando todas as mecânicas de uma vez.
Ainda sobre os combates, resta falar que há pouca variedade de inimigos, o que, aliado com a pouca criatividade dos cenários, deixa o grinding um pouco tedioso. Some-se ainda a isso o fato de que as missões secundárias apresentam quase nada em termos de variedade e você verá que, enquanto o combate e a formação da party são processos complexos, aquilo que rodeia esses dois elementos não tem muita imaginação.
Para terminar, é preciso dizer que o multiplayer do jogo é local e possibilita apenas que seu protagonista possa realizar classmating com heroínas de outros jogadores (os personagens são os mesmos, é claro) ou com o personagem principal do outro jogador, num processo chamado classmanting, que forma star children mais fortes em status, mas que têm acesso a menos níveis de evolução.
Veredito
Conception II é um game bastante complexo que une simulador de relacionamento e RPG por turnos através da geração das star children. É um jogo cheio de humor, com algum espaço para seriedade, e que oferece elementos bastante complexos em sua jogabilidade. Embora tenha certa limitação, é bastante apreciável.
Jogo analisado com cópia digital adquirida na Playstation Store americana.