Anunciado em dezembro de 2018, The Outer Worlds significava uma luz no fim do túnel para muitos. Concebido como um RPG de tiro em primeira pessoa com um cenário de ficção científica, o projeto produzido pela Obsidian Entertainment (South Park The Stick of Truth, Pillars of Eternity, entre outros), é reverenciada por criar os melhores RPG’s dos últimos anos, incluindo um dos melhores da franquia Fallout: Fallout New Vegas.
Além disso, o projeto tem na direção o retorno de dois criadores da franquia pós-apocalíptica nuclear, Tim Cain e Leonard Boyarsky. E claro, após as recentes gafes do estúdio que detém os direitos de Fallout, Bethesda Game Studios, os fãs de RPG’s em primeira pessoa olharam para The Outer Worlds com muita atenção e cautela desde que foi anunciado. Visando um futuro promissor para os órfãos de uma franquia que outrora foi considerada a melhor do gênero, será que TOW poderia ser o jogo que supriria essa ausência?
Congelado junto com o resto da tripulação da nave-colônia Esperança, você é despertado da hibernação anos depois em um novo sistema solar chamado Bonança, por um cientista chamado Phineas Welles, que planeja acordar todos os membros daquela nave (renomados cientistas, biólogos e especialistas em variados assuntos). Porém, para que isso aconteça, você deve ajudá-lo a encontrar os materiais necessários para tal feito. O problema? O cientista é procurado por todo o sistema e odiado pelo Conselho, a organização corporativista que opera naquele sistema. Resta a você encontrar meios de ajudar o cientista maluco, ao mesmo tempo que conhece planetas, cidades e ajuda (ou piora) a vida dos cidadãos de Bonança.
A história de The Outer Worlds é de longe um dos grandes pontos fortes do jogo. O universo de ficção científica pulp que a Obsidian concebeu vai além dos clichês do gênero e apresenta um tom satírico delicioso. Apesar de se passar a milhares de constelações longe do planeta Terra, não espere alienígenas inteligentes como Salarianos ou Twi’leks interagindo com humanos. Em planetas inóspitos terraformados, a raça humana (e seus robôs) têm apenas ela mesma para culpar pela sociedade disfuncional em que se encontra. Tirando a fauna e flora alienígena selvagem que quer a cabeça de qualquer cidadão que sair das cidades protegidas por muros imensos, é claro.
Em termos da distopia que TOW cria, temos aqui uma sociedade onde o Estado é formado por corporações. Cada cidadão é afiliado a alguma empresa, e venera a Lei, o capitalismo e os procedimentos corporativos como a própria religião. Não é a toa que desde o momento que você pisa em uma nova cidade, há sempre alguém na porta, pronto para anunciar as principais qualidades daquele assentamento, praticamente como uma propaganda com jingle para o consumidor que acabara de chegar.
Durante sua jornada, você encontrará diversas figuras que mostram diferentes facetas daquele universo. Chefes de Estado que apenas querem lucrar mais e mais com os trabalhadores, revolucionários que usam de pensamentos e ideais que nem ao menos eles conhecem profundamente, ou cientistas malucos fazendo experimentos com pessoas e animais sem nenhum escrúpulo apenas para achar uma pasta de dente diet. O jogo trabalha muito bem o cômico e o sério para desenvolver um universo rico, diversificado e denso. Tudo isso com um roteiro e diálogos inteligentes e muito bem escritos, prendendo ainda mais o jogador na trama. Fora a excelente adaptação das legendas em Português do Brasil, que consegue transmitir perfeitamente os termos e ironias do mundo de TOW.
Resumindo: seja em sidequests ou missões principais, há sempre uma história interessante para ser desvendada e com um desfecho surpreendente. Algo que, pessoalmente, não vejo desde The Witcher 3 ser tão bem executado.
E com uma história tão rica e interessante, vem o sistema de escolhas nos diálogos, honestamente um dos melhores já vistos no gênero em um bom tempo. Dentro do mundo de The Outer Worlds, o jogador tem um nível de reputação em relação a diversas facções, dependendo de suas escolhas nos diálogos e execuções de cada missão. O jogador aumenta ou diminui sua reputação em relação a alguma determinada facção dependendo de suas ações. É quase impossível agradar a todos, e provavelmente algumas cabeças irão rolar até o fim de sua jornada, você querendo ou não.
O que TOW faz de fascinante é como consegue costurar todas as decisões de forma a se ajustar constantemente às escolhas que você faz. Quer se tornar um capitão bonzinho e nem ao menos atirar em ninguém para conseguir sair de enrascadas? Você pode. Quer sair matando literalmente todos os NPC’s, sejam os importantes para a história ou apenas os pedestres da cidade, e ainda assim conseguir concluir seus objetivos e terminar o jogo com um final satisfatório? Você consegue também! A gama de escolhas é sentida tanto nos diálogos quanto nas ações requeridas para cada missão. São sempre decisões morais complexas e que afetarão inevitavelmente algum lado de um conflito.
Claro que, para conseguir se safar apenas na lábia ou usando suas habilidades com armas, o seu personagem deve estar bem preparado. Assim o sistema de subir de nível e a distribuição de habilidades é bem satisfatório, com o jogador distribuindo 10 pontos a cada nível nas categorias como habilidades com armas a longa, curta distância, defesa, além de proficiências em tecnologia, ciência, liderança e diálogos. Fora isso, a cada dois níveis, o jogador ganha um ponto de Talento, que adiciona vantagens extras. Há ainda uma mecânica surpresa, que eventualmente aparece durante o game: após o jogador receber dano repetidas vezes de determinada maneira (sendo cegado por enxames de insetos, caindo de alturas elevadas, etc), o jogo te oferece a chance de dar 1 ponto de Talento, em troca da diminuição da porcentagem no seu status, representando uma fobia que o seu personagem adquiriu durante sua aventura.
Com todas as escolhas que o jogador pode tomar, somado com a gama imensa de customizações estéticas e nas habilidades do seu personagem, The Outer Worlds oferece novas experiências e oportunidades cada vez que o jogador inicia o game, com um nível de replay altíssimo para quem adora criar diferentes builds para seu personagem. Mas fora o corporativismo e a tom sarcástico do roteiro, o coração do jogo está em seus companions
Personagens desajustados naquela sociedade, os companheiros de viagem que você vai reunindo em missões principais e em alguns casos, secundárias só tornam a viagem mais interessante. Em um sistema similar a Mass Effect, você pode conversar com eles em sua nave (a Falível), descobrir segredos de seus passados e fazer missões exclusivas de cada um, descobrindo mais e mais sobre tais aventureiros espaciais. Sua equipe e nave lembram muito a química que personagens como na série Firefly tem uns com os outros.
É no cuidado de desenvolver personagens secundários e companions que a Obsidian mostra o lado mais humano de TOW, algo que faz o jogador se importar com as pessoas de Bonança, não sendo apenas uma história satírica fria.
Na jogabilidade em primeira pessoa, o game aposta no seguro, com algumas mecânicas inteligentes. O sistema de tiro em primeira pessoa é eficiente e divertido, para quem não espera algo focado nesse lado. O arsenal do jogo é bem variado, encontrando armas brancas e de longo alcance, além das modificações e customizações, que afetam elementos como mira, alcance, etc. Os inventários são um pouco desajeitados no início, mas o gradualmente se aprende a navegar neles, e o jeito como são divididos até os tornam práticos.
Há também armas químicas: armas especiais que oferecem divertidos resultados, como suspender inimigos no ar ou até diminuí-los de tamanho. A movimentação do jogador é somada a uma esquiva que é bem-vinda em momentos de intenso tiroteio. Além de um efeito em slow-motion que acrescenta na estratégia de atirar em partes específicas do corpo do inimigo para enfraquecê-lo ou mobilizá-lo momentaneamente. Sim, é basicamente o VATS de The Outer Worlds.
Na parte tática, há um bom sistema com os companions, no qual você pode controlá-los para ajudar na batalha, movimentando eles para algum ponto ou forçando a mira dos dois companheiros em um inimigo. Mais customizações seriam bem-vindas, mas o sistema não chega a ser uma pedra no sapato do jogador. Cada companion traz uma habilidade especial única e devastadora, além de uma skill tree individual.
Porém, há um problema com a furtividade no jogo. Apesar de funcional, não há um leque de possibilidades que o jogador pode fazer. Na maior parte dos casos, você só conseguirá se esconder por trás de arbustos e tentar passar sem ser notado pelos guardas. Não há ao menos um jeito de distraí-los. Em algumas ocasiões, é possível se disfarçar como alguém autorizado a entrar em determinadas seções usando um holograma, mas há um tempo limite até que o holograma comece a falhar e você tenha que dar satisfações para o primeiro inimigo que te encontrar.
E apesar da exploração não ter grandes falhas, o mini-mapa, que simula uma bússola apenas apontando para onde o jogador deve ir, é imprecisa. Você provavelmente vai acabar pausando o jogo e olhar o mapa do menu para conseguir se encontrar em cenários maiores. Outros pequenos problemas são a ausência dos dados (nível, peso e condição) das armas e armaduras que estão jogadas no chão, ao invés daquelas que estão em armários, baús e corpos de inimigos.
Na apresentação, Outer Worlds não surpreende, mas funciona de forma consistente. Rodando de forma estável no PS4 padrão, há também a possibilidade de jogar em uma resolução maior a 30fps no PS4 Pro. Visualmente o jogo não impressiona, com gráficos medianos para o estágio atual da geração, incluindo as expressões faciais robóticas dos NPC’s (mesmo que a sincronia labial funcione bem) Mas, por outro lado, para aqueles que ficaram céticos com o gênero por conta de experiências ruins com games da Bethesda, não se preocupe: há pouquíssimos glitches e bugs! Na minha experiência, não tive nenhum grande problema. Faz até parecer que entregar um um projeto assim sem falhas fatais para e experiência do jogador é mais fácil do que certas empresas dizem ser. E em TOW, há escadas!
Se nos gráficos, o jogo não explode a cabeça do jogador, a direção de arte é bem expressiva, apresentando planetas coloridos e cidades bem distintas esteticamente, com cada planeta se destacando um do outro. As criaturas parecem tiradas de um quadrinho de ficção científica antigo, com uma mistura de mamíferos, plantas e insetos. Os cenários são amplos, mas não espere um mundo aberto imenso como outros jogos, cada planeta oferece espaço o suficiente para a experiência não se tornar um grande corredor, mas também não exagera nas proporções.
Um detalhe muito bonito são os céus de cada planeta, realçando o cuidado dos desenvolvedores em criar locais memoráveis, especialmente com a mudança em tempo real entre dia e noite. Além disso, os cenários fechados como laboratórios e naves são bem iluminados e tem um layout inteligente, facilitando a exploração. A parte sonora é boa, com excelentes vozes para os personagens e uma trilha sonora que cumpre o objetivo de ambientar o jogador nos cenários.
Mas algo que se torna um obstáculo na experiência (especialmente para quem tem apenas o PS4 padrão) é o tempo de loading entre uma tela e outra. Algo que com certeza tira a imersão na história e distrai constantemente. A otimização nesse sentido em futuros patches ou em uma sequência direta seria muito bem-vinda.
Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela Obsidian Entertainment.
Veredito
The Outer Worlds é muito mais do que a soma de suas partes. Com uma narrativa e roteiro incríveis e um universo muito bem arquitetado, TOW excede as expectativas do gênero, entregando decisões de diálogo significativas e com humor inteligente, sem esquecendo da relação entre o jogador e seus personagens. Em um RPG em primeira pessoa que está acima do nível atual de seus concorrentes, apesar de uma equipe e orçamento menor, prova que a atenção nos detalhes e a paixão pelo que está se fazendo trazem excelentes resultados.
Veredict
The Outer Worlds is much more than the sum of its parts. With incredible storytelling and scripting and a well-crafted universe, TOW exceeds genre expectations by delivering meaningful, humorous dialogue decisions, while not forgetting the relationship between the player and the characters. In a first person RPG that is above its competitors’ current level, despite a smaller team and budget, it proves that attention to detail and a passion for what is being done bring excellent results.