A Obsidian Entertainment sempre pareceu ocupar um espaço dentro da indústria dos videogames muito menor do que o que ela faz por merecer. Nascida das cinzas da Black Isle Studios, os criadores originais da franquia Fallout, a sensação que se tem olhando o catálogo do estúdio é dela ter sido vista (por mais tempo do que deveria) como uma “segunda BioWare”.
Parte disso vem do talento dos desenvolvedores em trabalhar com a marca Dungeons & Dragons tão bem quanto a BioWare (a Black Isle co-desenvolveu Baldur’s Gate, no final das contas) dado o seu currículo trabalhando com Planescape e Forgotten Realms. Outra parte vem do estúdio ter tido como seus primeiros projetos sob o nome Obsidian Knights of the Old Republic 2 e Neverwinter Nights 2, sequências de dois importantes clássicos da BioWare.
Enquanto sua opinião sobre ambos os jogos vai variar (ambos não são lembrados com o mesmo apreço que os originais da BioWare, mas são ótimos jogos por seus próprios méritos, KOTORII em especial), é inegável que, seja sob o nome Black Isle Studios, seja como Obsidian Entertainment, eles consolidaram o seu legado como um estúdio responsável por desenvolver alguns dos melhores CRPGs dos anos 2000.
E enquanto o estúdio teve os seus altos e baixos ao longo da última década desenvolvendo jogos de maior nome para consoles, do aclamado Fallout: New Vegas ao turbulento desenvolvimento de South Park: Stick of Truth em meio a falência da THQ e o seu resgate pela Ubisoft até o fantástico The Outer Worlds lançado em 2019, esse legado trabalhando em RPGs de Computador continuou vivo, em especial sob o nome Pillars of Eternity.
A série nascida com o jogo de mesmo nome em 2015 para PC e Mac (e que chegou em 2017 no PS4) com a ajuda do kickstarter (talvez um dos seus maiores êxitos, levando mais de 4 milhões de dólares em 2012) foi um sucesso irrepreensível, capturando com excelência tudo o que havia tornado o trabalho do estúdio ao longo dos anos tão amado e modernizando-o de uma forma que pouquíssimos outros jogos conseguiriam fazer.
E enquanto eles expandiram um pouco a estrutura e as mecânicas criadas em PoE com Tyranny em 2016 (um jogo que infelizmente até hoje não chegou a consoles), uma verdadeira sequência sempre foi muito aguardada, com o clamor para retornar ao mundo de Eora e continuar explorando aquele universo que em nada deixava a desejar as ambientações de D&D anteriormente utilizadas nos “antecessores espirituais” da série.
Pillars of Eternity II: Deadfire chegou aos PCs 2018 e foi igualmente aclamado, para a surpresa de absolutamente ninguém, mas só agora chega ao PlayStation 4 e a conversão de um jogo tão intrinsecamente dependendo da estrutura de um PC para o console é tão fantástica quanto o que se esperaria de um estúdio de tão alto nível, casando bem os seus sistemas tradicionais com várias melhorias de qualidade de vida pensadas com bastante cuidado para a vida do jogador com um controle nas mãos.
A primeira coisa que chama a atenção é a vasta quantidade de opções de customização que o jogo lhe dá. Seja a possibilidade de escolher se o combate será de forma mais tradicional a série (e aos jogos que a inspiraram) ou se o jogador prefere adotar um sistema de combate por turnos parecido com o da série Divinity: Original Sin, a customização da disposição dos menus e dos botões, controle de câmera, testes de aptidão… Tudo aqui é pensado para tornar a experiência o mais acolhedora possível ao jogador.
Uma sequência direta dos eventos do primeiro jogo (é impossível importar o seu save do jogo anterior, carregando as suas decisões para cá), o jogador reassume o controle do Watcher, um escolhido dos deuses capaz de ver almas, falar com elas e ler as suas memórias, cinco anos após a conclusão do seu antecessor. Após alguns eventos surpreendentes, o protagonista se vê novamente envolvido em um conflito entre diferentes deuses, cabendo a ele decidir como cumprir a missão que lhe foi dada em troca de manter a vida que lhe foi dada.
Dessa vez, o jogador se vê obrigado a partir a caça ao renascido deus Eothas, deus da luz e do renascimento que havia sido presumido morto, o qual destrói Caed Nua (a fortaleza do jogador no primeiro jogo) e segue em direção ao arquipélago de Deadfire, deixando um rastro de almas absorvidas e pessoas mortas no seu caminho. Uma dessas almas é a sua própria e, em troca de ser restaurado a vida, o jogador passa a agir como arauto do deus da morte Berath para descobrir quais os planos de Eothas.
E aqui também se vê essa ideia de acolher o jogador sendo incorporada, uma vez que caso não exista um save do jogo anterior no seu console (seja por você ter jogado em outra plataforma ou não tendo jogado-o mesmo), há uma pequena introdução em que é possível construir o background do protagonista através de uma série de perguntas simples para definir a sua personalidade e como ela influenciou aquele mundo, explicando muito bem os pontos-chave para se entender os eventos que virão pela frente.
A caça por Eothas serve como uma ótima justificativa para apresentar uma ambientação bem distinta do jogo anterior, com Deadfire sendo um arquipélago marcado não por guerreiros de armadura e um estilo de um RPG clássico, mas sim um local recheado de piratas, dando ao jogador o comando do seu próprio navio e mares para navegar, e um clima bem diferente distinto do anterior. O que se vê aqui é um local bastante afetado por um deus a solta e cujos planos são desconhecidos e cujo rastro de destruição serve como catalisador para que a batalha entre quatro diferentes facções pelo comando da região vá lentamente chegando ao seu ápice.
Falar mais que isso sobre o plot já seria excessivo, mas é necessário ressaltar que Pillars of Eternity II possui um dos roteiros mais bem escritos dessa geração. Cada diálogo ou descrição parece ter sido redigido com um cuidado poucas vezes visto na indústria e toda a escrita do jogo é feita com maestria. Casado com a ótima dublagem do jogo, a exposição do mundo enriquece a experiência como poucas e os diálogos conseguem passar se entrelaçar de forma a te manter sempre desejoso de falar com todos os NPCs possíveis e entender cada micro-detalhe daquele mundo.
Esse cuidado se estende não só a campanha principal, mas a cada missão secundária (das quais existem várias) e as interações entre os vários personagens espalhados por esse mundo. Como todo bom jogo da Obsidian, isso é fundamental pois todo o desenrolar da história é influenciado pelas suas decisões e a forma como o jogador opta por lidar com cada situação, sendo sempre possível ir aonde quiser e lidar com aquela situação como se bem entender. É um sistema riquíssimo e que garante com que nenhuma campanha nesse mundo seja igual a outra.
A quantidade de opções de escolha que PoE2 dá ao jogador é quase excessiva e isso se reflete não só nos diálogos e decisões, mas nas várias opções de customização que o jogador possui para tornar o seu protagonista exatamente o que ele quer que ele seja. Isso começa a ficar claro já na criação de personagem, onde é possível escolher cada mínimo detalhe, de raça, classe (com uma vasta gama de classes, subclasses e classes híbridas a disposição do jogador) e aparência. Através disso, Deadfire realmente lhe permite jogar como você bem entender, algo muito bem-vindo, em especial em um RPG desse escopo.
Esse considerável número de opções não quer dizer que não exista uma estrutura por trás do jogo, muito pelo contrário. O jogo expande os sistemas existentes desde o anterior, se valendo da mesma visão isométrica, a possibilidade de alternar rapidamente entre os diferentes membros da sua equipe e um sistema de combate que lhe permite escolher com bastante facilidade quem atacar e quais habilidades usar, com um simples botão de comando e uma roda de habilidades facilmente acessível.
A grande diferença é a já mencionada inclusão de um sistema de combate por turnos que o torna mais acessível a jogadores que não estão habituados ao sistema de combate em tempo real que o jogo utiliza (e que é bem similar ao de um Dragon Age: Inquisition, por exemplo), tornando-o mais próximo da estrutura utilizada em Divinity: Original Sin 2. Independente do sistema escolhido, o combate é sempre bem divertido, mesmo que não seja o ponto mais importante do jogo.
Muito como o port do já mencionado Divinity para PS4, a versão de Pillars of Eternity II: Deadfire é uma versão completa do jogo lançado para PC, incluindo o jogo base (que por si só facilmente supera a centena de horas) e todos os seus DLCs lançados até o presente momento, contando com três expansões consideráveis com novas missões, novas áreas e novos inimigos (Beast of Winter, The Forgotten Sanctum e Seeker, Slayer, Survivor) e uma série de outras pequenas adições gratuitas feitas ao jogo. O volume de conteúdo é mais um exemplo do quão gigantesco o jogo é, havendo pouquíssimos paralelos para o quão massivo ele é.
Um último ponto que precisa ser apontado é que foi mencionado por alto mais acima é a qualidade da ambientação do jogo. A escolha por se valer de um arquipélago e se apoiar fortemente no estilo visual mais associado a Era de Ouro da Pirataria torna o jogo especialmente único e diferente de tudo o que se vê no mercado e a inclusão da possibilidade de ter o seu próprio barco e fazê-lo agir como uma espécie de hub para o jogador e sua equipe é especialmente primorosa.
Isso não é algo restrito aos barcos, entretanto, uma vez que todas as diferentes áreas que o jogador visita parecem uma versão mística e fortemente influenciada pela estética de D&D da arquitetura e visual natural do Caribe, algo que é feito com muito sucesso por uma direção de arte que casa muito bem cores vibrantes com um certo ar distópico para o mundo e a trilha sonora incrível que o acompanha. É diferente, especial, envolvente e mágico de uma forma muito raramente vista.
No final das contas, a sensação que se tem jogando Pillars of Eternity II: Deadfire é de que, de alguma forma, se está sempre olhando para a experiência definitiva do que um CRPG deve ser. Em um tempo em que outros estúdios mais famosos sofrem para entregar um jogo minimamente competente, essa talvez seja a prova definitiva de que a Obsidian Entertainment é uma das melhores desenvolvedoras ocidentais da atualidade.
Veredito
Pillars of Eternity II: Deadfire – Ultimate Edition é uma experiência incrivelmente rica e única, feita com um cuidado raramente que faz com que cada passo dado, cada decisão tomada e cada novo desenrolar da história sejam especiais, tudo apoiado em sistemas muito bem criados e uma escrita primorosa raramente vista em um jogo.
Jogo analisado no PS4 padrão com código europeu fornecido pela Versus Evil.
Veredito
Veredict
Pillars of Eternity II: Deadfire – Ultimate Edition is an incredibly rich and unique experience, made with a rarely seen care that allows each step, each decision made and each new twist in the story feel special, all supported by incredibly well crafted systems and a pristinely penned, to a level rarely seen in a game.