É realmente impressionante com algumas marcas conseguem manter a relevância, ou ao menos uma presença constante no mercado, mesmo depois de anos ou décadas do auge da sua popularidade. Tantas coisas que vemos emergir parecem ter se perdido, mas seguem ativamente sustentáveis para nichos específicos que muitas vezes a grande maioria de nós ignora por quaisquer que sejam os motivos.
Muito provavelmente, grande parte do público que nos acompanha hoje não tinha idade, ou sequer havia nascido, quando Os Ursinhos Carinhosos eram exibidos na TV brasileira, principalmente a aberta, que na década de 1990 ditava modismos e tendências para todos os segmentos, incluindo o infantil. Sejam os adultos daquele tempo, sejam as crianças que cresciam assistindo estes desenhos sabem muito bem quem são estes personagens.
O grande feito é que mesmo em 2025, depois de ter os direitos circulando por diferentes empresas e com produtos de alcance muito mais restrito do que outrora, ainda estejamos recebendo o segundo jogo baseado neste universo em menos de um mês. Care Bears: Unlock the Magic (ou na tradução oficial para a edição brasileira Ursinhos Carinhosos: Libere a Magia) é, inegavelmente, mais uma mostra da força da IP.
O jogo adapta – na forma mais otimista do termo – a nova encarnação homônima destes ícones da fofurice em formato de seriado que hoje está disponível em plataformas de streaming, e é desta base de onde advém os heróis que controlamos, principalmente a Ursinha Animadinha, que protagoniza o game e lidera seus companheiros, a exemplo dos Ursinho Boa Sorte, Ursinho Zangadinho e Ursinho Sol.
É daqui também que temos outros elementos importantes para a narrativa animada, como o país natal dos ursinhos, chamada de Terra do Carinho, bem como a tal Silver Lining, habitada pelos simpáticos Whiffles, criaturinhas que aparecem vez ou outra em perigo, prontos para serem socorridos pelos nossos heróis. E isso é tudo o que podemos desejar querer saber sobre contexto original, porque desafortunadamente nada disso importa no jogo.
Tanto a longevidade em forma de franquia quanto a base relativamente forte em um outro produto cultural não significam, porém, que o conteúdo é bem-sucedido, ou mesmo se vai realmente alcançar qualquer sucesso comercial, já que ambas as coisas dependem, muito mais, de substância do que de popularidade (ou da falta dela) da marca atualmente junto ao seu público-alvo, notadamente crianças em idade pré-escolar cujos pais podem propor o jogo dada a memória nostálgica da mensagem positiva da animação antiga.
O game é, de maneira geral, uma pequena coleção de oito mini-games temáticos adaptados – ou livremente inspirados, para ser mais gentil – de mecânicas facilmente reconhecíveis e que já apareceram em uma infinidade de roupagens diferentes principalmente em sistemas mobile. Não é esforço nenhum reconhecer Flap Bird, Bubble Shooter ou Temple Run como algumas das referências mais óbvias dentre os formatos do jogo.
É, em resumo, um jogo de festa ao estilo Super Mario Party guardadas a devidas e necessárias proporções, funcionando como uma tabuleiro linear que congrega rápidos desafios em alguns formatos distintos, todos eles estrelando o elenco já conhecido, cada qual com sua personalidade arquetípica servindo muito mais como diferencial visual do que qualquer outra coisa, que precisam coletar Estrelas de Poder (premiação ao vencer cada fase das intermináveis duzentas no modo aventureiro) para abrir caminho e alcançar o objetivo na famigerada Silver Lining.
Definir Ursinhos Carinhosos: Libere a Magia como um party game, sinceramente, é mais um modo de classificá-lo enquanto gênero do que necessariamente para descrever sua dinâmica. Jogado somente em estilo single player, é uma vivência que de festa se torna um enterro muito rapidamente, dada tamanha falta de inspiração de formato, originalidade de desafio e repetição exaustiva da pseudo-campanha.
Colorido e atraente para os olhos dos mais pequenos, o jogo traz consigo toda uma herança leve e descontraída de uma aventura inocente sem sobresaltos, e nem mesmo os perigos são realmente ameaçadores. A proposta, desde a concepção do projeto, parece claramente pensada como um passatempo relaxante e cheio de boas vibrações. E ainda que seja bem sucedido nesta meta, as consequências são tão diretas quanto frustrantes: o jogo é um aglomerado quase insuportável de tédio.
Não dá para utilizar a minha percepção, como um dos adultos que viu esses personagens nas manhãs do SBT desde 1989 dos quais falei no início deste texto, como parâmetro para um produto que claramente não é dedicado a mim, entretanto. Para casos assim, eu tenho o reforço valioso da minha filha, hoje com oito anos de idade, a quem observo para saber se as estratégias de engajamento da produção conseguem atrai-la. Neste caso, não foram necessários 20 minutos jogando juntos para ela pedir pra trocar de jogo.
O motivo deste rápido cansaço poderia ser a temática? Afinal, o mundo mudou e toda a singeleza de traço e tom parecem ser um tanto quanto antiquados mesmo para as crianças de hoje em dia. Seriam as mecânicas que demandam, por vezes, uma certa habilidade, enquanto são mais leves e cadenciados? Talvez os visuais que mais parecem um combinado de algodão doce de vários sabores? Tudo isso ao mesmo tempo, creio.
Corações, estrelas, arco-íris e bichinhos de pelúcia tem um apelo universal e são uma receita quase infalível de atratibilidade. Mas, tal como açúcar, cores ultra-saturadas, incentivo positivo e carinhas graciosas, quando em excesso, podem saturar muito rapidamente mesmo os paladares mais resilientes. Nem mesmos os mais pequeninos conseguem comer um quilo de leite condensado de uma só vez, e a sensação é que Care Bears: Unlock the Magic seja alegoricamente um bloco concentrado de glicose.
O tema musical é repetitivo ao extremo, e bastam alguns minutos para ela grude na mente de forma incômoda e quase sufocante. Efeitos sonoros de brilho e expressões estridentes que parecem desenhados para dispositivos de acesso rápido, como smartphones e tablets, completam um pacote que nos fazem querer jogar com o som mutado rapidamente.
Os formatos consagrados até garantem momentos de concentração e foco, principalmente quando chegamos, com muita dedicação e força de vontade, nos níveis mais avançados. Este vislumbre de interesse, todavia, é resultado simplesmente pelas concepções originais dos estilos emulados, nunca por esta obra em si. Colocar literalmente asinhas em um balão em forma de coração para fazer as vezes de um pássaro com problemas de vôo, ou ursinhos dançarinos em fila como a cauda de uma cobra, não são um mérito em si, mesmo que nos lembrem vagamente, mas com sucesso, da dinâmica e do timing das inspirações originais.
O maior senso de unidade do game está em sua galeria de colecionáveis, um álbum de figurinhas que vai sendo preenchido conforme jogamos, como uma premiação simbólica dos esforços do jogador. É o aspecto mais inofensivo da experiência, que também se limita a conteúdos da fase mais recente das animações. Se teria a possibilidade de ser uma coleção celebrativa de tantas décadas de sucesso, certamente não demonstra qualquer motivação em relembrar outras encarnações históricas desses personagens.
A soma de tudo isso evidencia mais um produto desalmado típico de licenciamentos puramente dedicados a retroalimentar um mercado cada vez mais carente de experiências que valham minimamente a pena. É um conteúdo de oportunismo sem qualquer essência seja dos personagens que representa, seja de um resquício de criatividade imaginativa que tenha uma intenção mínima enquanto jogo.
Mesmo tendo versões para o PS4 e para o PS5, além de outras plataformas da atual geração, é um conjunto sem qualquer coesão ou cuidado de ações típicas de produções casuais mobile que tentam cobrir uma nova parcela de jogadores usando de uma nostalgia vazia e se apropriando de um nicho tradicionalmente carente e mal explorado pela indústria atual.
Tudo isso não significa, necessariamente, que Ursinhos Carinhosos: Libere a Magia não consiga entreter, ao menos quando aproveitado em doses homeopáticas por um grupo infantil que, por ventura, tenham algum apego com essa nova fase da versão animada. Mas definitivamente é medíocre enquanto mecânicas de jogo, fraco enquanto produto licenciado e pouco eficiente até em reciclar elementos consagrados para ao menos gerar uma certa imersão junto ao seu público.
Nenhum dos problemas estruturais seria relevante se o jogo cumprisse uma ideia de divertir e alienar por alguns instantes. Mas ao contrário, ele ostenta uma total e completa capacidade de ser enfadonho o tempo todo, mesmo para quem não tem qualquer preocupação com quesitos de qualidade técnica, narrativa ou audiovisual. Colecionar figurinhas é mais divertido na promoção do supermercado do que aqui, e não há magia alguma em simplesmente propor atividades pouco variadas sem encanto, senso de urgência ou propósito. Lamentavelmente, um verdadeiro desperdício de oportunidades.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Maximum Entertainment.