Ao longo de seus quase trinta anos de existência, a franquia Tomb Raider teve uma trajetória conturbada. O primeiro título da saga, desenvolvido pela extinta Core Design e publicado em 1996 para o PlayStation original, ajudou a definir o gênero de ação e aventura em 3D e foi um sucesso instantâneo no mundo inteiro. Esse sucesso resultou em jogos lançados anualmente até que, na transição para a geração seguinte, a franquia se encontrou em seu momento mais tenebroso e que marcou a triste derrocada de um estúdio inteiro.
Se, por um lado, o apelo inicial da franquia rapidamente esgotou-se pela incessante busca por rápidos retornos financeiros para o fechamento de anos fiscais, ela fornece uma certa maleabilidade que permite que se adapte e se reinvente de acordo com as tendências do mercado. Assim sendo, já vimos praticamente todo o tipo de conteúdo possível, englobando reformulações, um remake do título original, spin-offs, remasterizações, e até mesmo um reboot total em 2013.
Atualmente, a franquia encontra-se em seu maior hiato já registrado: a última aventura inédita foi Shadow of the Tomb Raider, lançada em 2018, desenvolvida pelo estúdio Eidos Montréal, enquanto a Crystal Dynamics concentrava seus esforços em Marvel’s Avengers (e os desdobramentos dessa empreitada são amplamente conhecidos). O episódio marcava o final da saga de origens de Lara Croft e ainda não temos noção do que o futuro nos reserva, apenas de que os desenvolvedores pretendem “unificar” o cânone, reunindo elementos de todas as diferentes continuidades. Como, ou mesmo se, isso vai funcionar é algo que apenas o tempo irá dizer.
E eis que, finalmente, surge algo que os fãs requisitavam há muito tempo: remasterizações dos jogos clássicos. Um literal retorno às origens. Sob a tutela da Aspyr Media, que tem trabalhado com a restauração de jogos de outrora, é seguro dizer que Tomb Raider I-III Remastered é um prato cheio para os fãs. O pacote reúne os três primeiros jogos da Core Design, lançados entre 1996 e 1998, e seus respectivos pacotes de expansão, nunca antes disponibilizados em consoles. Todos com uma cuidadosa camada de efeitos cosméticos, visuais e sonoros, aplicada sobre a mesma fundação bruta original.
Para quem não lembra, os primeiros cinco jogos da franquia eram construídos em um sistema de grade e usando blocos de formas geométricas rudimentares. Esse sistema estava perfeitamente alinhado com os controles no estilo de “tanque”, no qual é necessário girar a personagem em seu próprio eixo para se movimentar em determinada direção. Sempre existiu uma curva de aprendizagem, mas, com o tempo, se tornava um sistema fluído e previsível, e todos os cenários eram estruturados em torno das métricas dessa grade. Não eram necessárias barreiras invisíveis ou saltos pré-programados: a distância que Lara alcançaria com um salto seria sempre a mesma, podendo ser prolongada com um pequeno impulso antes do salto, e tudo era regrado concordantemente por esses sistemas.
Para jogadores novos, esse tipo de controle “antiquado” sempre foi o maior empecilho, especialmente em uma geração na qual precisamos que tudo seja rápido e instantâneo. Tentando remediar essa situação, a Aspyr desenvolveu um método opcional de controles denominado “moderno”, que toma como ponto de partida os controles de Tomb Raider: Legend (o primeiro título da franquia desenvolvido pela Crystal Dynamics, lançado para PlayStation 2 em 2006), migrando do direcional digital para os dois analógicos, da mesma forma que a maioria esmagadora dos jogos nos dias atuais. O resultado, infelizmente, não cumpre bem seu propósito.
Como citei acima, os controles de Lara eram inerentes ao sistema de grade, então essa nova possibilidade de deslocar a personagem de forma mais dinâmica se torna um empecilho quando é necessário alinhar um pulo, por exemplo, ou durante o combate, já que Lara é propensa a virar suas costas ao inimigo em que estiver com a mira travada, ao invés de correr em círculos ao redor do mesmo como faz no supracitado Legend. É uma adição válida, mas que precisaria de um remake completo para que pudesse ser devidamente apreciada e totalmente funcional.
Tal sistema de grade ainda é bastante evidente quando você observa os cenários, cujas formas geométricas são precisas (um traço característico dos jogos da época), e resulta em uma escala um tanto quanto inconsistente quando levamos em consideração as diferentes entidades nos jogos. Em dois exemplos rápidos, Lara tem a altura de pouco mais que três degraus da escadaria de sua casa, e a cuba da pia de sua cozinha ocupa um “setor” do mesmo tamanho que um veículo. Por motivos assim, sempre pensava-se que uma remasterização não faria grandes favores a esse tipo de jogo.
E, nesse aspecto, é necessário parabenizar a Aspyr, pois o trabalho vai muito além. De acordo com o que já foi divulgado anteriormente, eles procuraram manter um equilíbrio entre conservação e modernização do conteúdo, tomando como meta algo que ficasse próximo das memórias que os jogadores possuem dos jogos originais. Mesmo que essa sensação de escala exagerada tenha permanecido exatamente igual, as novas texturas e modelos, que vêm acompanhadas por uma série de efeitos visuais, tornam a experiência global um verdadeiro deleite, definitivamente tirando proveito máximo da nostalgia. Todos os níveis foram retocados e enriquecidos com novos sistemas de partículas, de reflexos, e de iluminação, trazendo um aspecto refrescantemente novo que não compromete a visão original.
Aliás, vale ressaltar que, a qualquer momento, o jogador pode alternar entre o visual remasterizado e o original com um simples toque no botão Options, reduzindo inclusive a taxa para os 30 quadros por segundo daquela época. Embora pareça redundante, essa opção é muito bem-vinda pois permite que o jogador faça uma comparação imediata e instantânea dos arredores, e também auxilia na preservação do conteúdo original que, até então, tinha acesso cada vez mais limitado.
Os jogos presentes nessa coletânea possuem histórias bastante superficiais, e todas seguem uma mesma estrutura: existe um artefato que concede algum tipo de poder e Lara Croft, seja contratada por alguém com segundas intenções óbvias ou por interesse próprio, parte para as mais variadas regiões do mundo para encontrar o artefato antes que o mesmo caia em mãos erradas. Simples e funcional.
No total, I-III Remastered conta com cerca de setenta níveis. Além dos três jogos originais, essa é a primeira vez que muitos jogadores terão contato com os pacotes de expansão. Esses níveis extras, por vezes, trazem ideias mais elaboradas que os próprios jogos-base, mas como foram desenvolvidos para download (numa época em que a velocidade média de internet era de 56kbps), por uma minúscula equipe da Eidos nos Estados Unidos, não contam com animações ou cutscenes para dar um contexto maior àquela aventura. Tal contexto estava presente apenas no manual de instruções, que, assim como muitas outras coisas, se tornou uma relíquia de outrora. (Mas, caso tenha interesse, você pode conferir transcrições dos enredos como constavam nos manuais clicando aqui.)
Essa era da franquia, em especial o primeiro jogo, era marcada pelo aspecto de isolação, onde Lara explorava, completamente sozinha, cavernas e ruínas populadas por animais selvagens e criptídeos ferozes. A partir do segundo jogo, inimigos humanos e armados, que curiosamente parecem estar sempre um passo à frente da exploradora, passaram a ganhar cada vez mais espaço, colocando um foco maior em tiroteios abertos. Convém citar que o próprio ambiente também tenta fazer pouco caso da garota, sendo necessárias acrobacias para navegar ambientes inóspitos repletos de armadilhas.
A variedade, tanto de criaturas como de ambientes e armadilhas, é excelente e condizente com a quantidade de níveis nessa coletânea. As limitações são sempre as mesmas, o quê resulta num ciclo de gameplay que tende a ser repetitivo, com uma constante busca por chaves ou alavancas para abrir portas remotamente. Cada novo jogo adicionava novos movimentos e habilidades ao repertório da garota, permitindo novas formas de explorar os cenários, e também inseriam alguns níveis focados em veículos, que podem ser tanto divertidos quanto frustrantes: percorrer corredeiras a caiaque é um notório exemplo de dificuldade artificial por conta de seus controles, por exemplo.
Como demais mecânicas, o sistema de combate e inteligência artificial dos inimigos também permaneceram intocados, onde você trava a mira automática em um alvo enquanto se desloca e salta disparando incessantemente até o inimigo tombar. O inimigo, por sua vez, está programado para encontrar uma rota até o “setor” da grade em que você estiver, e, se não encontrar uma, tentará sair de seu campo de visão. Ou seja, a mesma inteligência artificial limitada que os jogos usavam na época foi mantida, para melhor ou pior.
Outras novidades surgem na forma de um simples modo Foto, que pode ser facilmente expandido com recursos adicionais em futuras atualizações, e expressões faciais para os personagens — e as mãos de Lara agora possuem dedos animados de acordo com diferentes ações. E pela primeira vez nos consoles, podemos contar com um eficiente serviço de localização para esses jogos, mesmo que apenas parcial, com telas de interface e legendas em português brasileiro.
E, para os jogadores veteranos, os três jogos principais oferecem um chamado “Novo Jogo +”, que, na verdade, transforma o jogo em uma experiência brutal com inimigos muito mais fortes e resistentes ao mesmo tempo em que remove os itens de cura dos cenários, permitindo que o jogador cure-se apenas quando salvar o jogo (de forma limitada, em TR1 e TR3) ou ao encontrar todos os segredos de um nível (em TR2).
Falando em salvar o jogo, esse é outro aspecto que deixa a desejar. Outro recurso que se tornou padrão na indústria desde a concepção inicial de Tomb Raider são sistemas de checkpoints e de saves automáticos, nenhum dos quais existe aqui: é necessário pausar e salvar manualmente o jogo. Felizmente não há restrições, sendo possível salvar tantas vezes quanto quiser e a qualquer momento (exceto no supracitado Novo Jogo +), mas a remasterização não informa isso em momento algum e é provável que, cedo ou tarde, você perderá um progresso substancial simplesmente por não ter lembrado-se de salvar o jogo.
Níveis e cutscenes ficaram todos excelentes com a nova roupagem, que faz jus ao propósito dos desenvolvedores de tornar palpável aquilo que você lembrava, mas existe uma diferença gritante quando as cenas em computação gráfica (os chamados full motion videos, ou FMV) rodam. A baixa resolução e compressão dos originais são notáveis, mesmo que com o uso de filtros de upscaling, e isso talvez esteja de acordo com o raciocínio de “conservação” do original, já que seria necessário reconstruí-los do zero — algo que também impactaria diretamente no orçamento total do projeto.
Particularmente, apesar da incrível quantidade de conteúdo jogável, eu senti a falta de conteúdos bônus ou destraváveis. Esse tipo de coletânea seria perfeita para incluir extras como seleção de trajes, galerias multimídia reunindo artes, músicas, trailers e vídeos de produção, ou até mesmo um modo de seleção de níveis para facilitar a busca pela quantidade exorbitante de troféus. Novamente, coisas que poderiam ser facilmente introduzidas nesses jogos com futuras atualizações, mas que certamente enriqueceriam não apenas a experiência mas o valor global do pacote.
Enquanto aguardamos um anúncio oficial e a revelação da forma que o próximo jogo deve tomar, Tomb Raider I-III Remastered é uma excelente oportunidade para relembrar seus tempos áureos do final da década de 1990. Não apenas isso, mas essa coletânea é uma ótima forma para apresentar um dos jogos responsáveis por moldar um gênero e um ícone, além de ajudar a edificar a própria Sony na indústria dos consoles, para toda uma geração que sequer era nascida na época.
Lara Croft para sempre.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Aspyr Media.
Veredito
Tomb Raider I-III Remastered permite aos fãs de longa data reviverem os tempos áureos da franquia com uma belíssima recauchutagem que não compromete a nostalgia. Entretanto, as mecânicas foram deliberadamente mantidas como eram originalmente, o que pode afastar potenciais jogadores que não estejam familiarizados com os jogos originais. Domine os controles e sua diversão estará garantida por bastante tempo.
Tomb Raider I-III Remastered
Fabricante: Aspyr / Crystal Dynamics / Core Design
Plataforma: PS4 / PS5
Gênero: Ação
Distribuidora: Aspyr
Lançamento: 14/02/2024
Dublado: Não
Legendado: Sim
Troféus: Sim (três Platinas no PS4; sem Platina no PS5)
Veredict
Tomb Raider I-III Remastered enables long time fans to relive the golden days of the franchise with a gorgeous new coat of paint without compromising the player’s nostalgia. However, gameplay mechanics have been deliberately kept as they were back then, which might push away potential new players who aren’t familiar with the original games. Master the controls, and you are guaranteed to have a great time.