Calvard. Por mais de uma década um dos lugares mais interessantes do universo da série The Legend of Heroes ficou envolto em muito mistério, sempre aparecendo como uma grande ameaça em alguns dos momentos mais tensos ao redor de Zemuria, especialmente na escalada dos conflitos em Erebonia e Crossbell, mas nunca se revelando totalmente.
Mas não mais. Após sete jogos expandindo essencialmente a mesma história interconectada, cujo “epílogo” finalmente chegou no Ocidente no ano passado em The Legend of Heroes: Trails into Reverie, é hora de iniciar uma nova saga com novos personagens na região leste de Zemuria. E é assim que, quase três anos após o seu lançamento no Japão, The Legend of Heroes: Trails Through Daybreak chega aos jogadores ocidentais, com uma narrativa mais adulta e densa, sem perder todo o charme que tornou a série uma das mais queridas entre fãs “hardcore” de JRPGs.
O novo protagonista quebra um pouco a tradição da série, trazendo um adulto nessa posição. O jovem investigador particular e caçador de recompensas Van Arkride é alguém a quem pessoas com problemas que não podem ser tratados por órgãos oficiais. A primeira vista, Van é só mais um cidadão de Calvard tentando sobreviver em meio ao crescimento acelerado causado pela vitória no rápido conflito com Erebonia e as reparações financeiras pagas pelo Império, mas nem tudo é tão belo e próspero quanto pode parecer, já que, como sempre, o caos está à espreita em meio às maquinações dos membros da Ouroboros e as forças envolvidas talvez sejam as mais sinistras vistas até aqui.
Antes de tudo, cabe dizer aqui que, apesar de outras tentativas recentes de vender um dos jogos da série como um bom “ponto de entrada”, Trails Through Daybreak é, de fato, o ponto mais acessível da série desde o lançamento original de Trails in the Sky ou até Trails of Cold Steel I. Ainda há alguns pontos importantes que talvez o jogador não compreenda totalmente, especialmente elementos ligados à Ouroboros e algumas outras organizações misteriosas ligadas à Crossbell, mas ainda assim é uma experiência bem tranquila (ou ao menos muito mais tranquila que começar em um dos jogos mais recentes, salvo por Trails from Zero) e que com toda certeza acenderá a chama da vontade de jogar os demais jogos para novos fãs.
Algo que se mantém inalterado em relação aos jogos anteriores da série é a altíssima qualidade narrativa vista aqui. Do primeiro momento em que o jogador assume o controle do Van e o encontro dele com Agnes Claudel, a jovem filha do presidente de Calvard e bisneta do lendário cientista Claude Epstein, os eventos vão crescendo e escalando num ritmo muito confortável e conhecido para fãs da série, demonstrando que a Falcom segue no ápice da sua qualidade narrativa.
A narrativa principal gira em torno da missão que Agnes “contrata” Van para executar: encontrar um tipo raro de orbment conhecido como Oct-Genesis. Esse orbment teria sido a última criação de Claude Epstein e cabe à Arkride Solutions e seu crescente grupo de Spriggans seguir nas sombras investigando o paradeiro do Oct-Genesis e sua conexão com as várias facções lutando por poder no submundo de Calvard, incluindo antigos conhecidos como os Bracers, Heiyue, Ouroboros e novas ameaças, como o grupo terrorista chamado Almata que também está em busca do Oct-Genesis.
Trails Through Daybreak ainda tem um ritmo relativamente lento, como é de se esperar de jogos da série, mas a dosagem dos acontecimentos é melhor equilibrado, sendo muito menos carregado no final, com a história se mantendo sempre engajante ao longo de toda a jornada. Parte disso é que não há um apego tão grande a estrutura de dias como era em Cold Steel, com a história agora se passando ao longo de alguns dias, com cada capítulo sendo equivalente a um dia em Edith, capital de Calvard, ou em uma das diferentes (e ricas) cidades que a equipe vai visitando.
É claro, ao longo de cada dia há uma vasta quantidade de conteúdos secundários para visitar, incluindo missões secundárias e os diálogos com NPCs que fazem com que o mundo da série seja tão vivo como os fãs se acostumaram a ver, algo que é exacerbado pela liberdade maior de explorar Edith e o fato do mundo ser consideravelmente maior do que outros títulos da série e a boa performance no PS5, já que o jogo praticamente não possui loadings, embora não seja um mundo aberto. O jogo também traz uma boa melhoria gráfica em relação aos demais, ainda que não espere nada nem perto de JRPGs mais famosos.
Outro ponto que evoluiu bastante em relação aos jogos anteriores é a sensação de influência que se tem sobre a narrativa. Embora não conte com finais diferentes, é possível ir moldando o seu caminho, incluindo as facções que serão seus aliados, o que vem com eventos específicos e opções de diálogos diferentes que adicionam um certo valor de replay ao jogo, por mais que não seja tão grande assim.
Dito isso, a parte mais especial do jogo ainda é o que já se esperaria de um bom e velho Trails: o seu elenco de personagens e a forma como se envolvem na narrativa. Mesmo para um ferrenho defensor do Rean, Van é uma clara melhoria em termos de protagonista e a conexão dele com o plot é mais natural do que a história do Rean parecia ser em dados momentos, especialmente nos últimos jogos. Mesmo para fãs do Rean (como eu), Van parece uma versão melhorada do jovem Ereboniano e tem um fator “cool” maior e muito adequado a ambientação em Calvard.
Outro ponto que cabe elogio é o elenco de personagens secundários. Embora a Class VII tenha tido histórias bem interessantes e uma evolução bem legal ao longo dos cinco jogos (em sua maioria), há um ar maior de agência por parte dos personagens vistos aqui. Os demais membros dos Spriggans são excepcionais e cada qual realmente parece ter seus próprios interesses em primeiro lugar, por mais que a amizade entre eles vá evoluindo e no fim acaba se encaixando muito no que se espera de um grupo da série.
Merece elogio também a decisão de continuar a expandir a história de personagens já conhecidos, desde aqueles que retornam como parte dos Spriggans como o Bergard Zeman ou vilões/aliados cujo ressurgimento segue evoluindo o plot geral da franquia, é muito bem-vindo e ajuda na conexão do jogo a títulos anteriores. É mais um motivo para fãs já engajados na franquia jogarem, já que os eventos vistos aqui de fato deixam o jogador curioso para o futuro, especialmente com pelo menos uma sequência já lançada no Japão e outro título saindo em breve por lá. Dito isso, o jogo é relativamente fechado em si, por mais estranho que pareça ser, sendo bem satisfatório de se jogar como uma experiência isolada.
Por fim, cabe dizer que o gameplay também traz uma evolução muito bem-vinda. A grande novidade fica por conta da inclusão de um sistema de combate em tempo real, relativamente inspirado pela outra grande franquia da Falcom. Embora não traga nem de longe a riqueza e complexidade de Ys, esse novo sistema ajuda a tornar os combates contra mobs espalhados pelos diferentes mapas do jogo mais ágil.
Jogadores mais tradicionalistas podem, no entanto, optar por só jogar no sistema de turnos já conhecido, então não há a necessidade de usar essa nova sistemática. A transição pode ser feita a qualquer momento ao ativar o Shard, criando uma zona tática de combate na qual se utiliza a estrutura tradicional. Batalhas contra chefes seguem obrigatoriamente usam o sistema por turnos, amparada no uso de técnicas (Crafts), magias (Arts), ataque, defesa e tudo mais, com a “grande” novidade ficando pelo fato de poder andar livremente pelo mapa sem gastar um turno para isso.
A grande qualidade do combate realmente fica pelo fato dele ser mais equilibrado do que o visto nos jogos mais recentes, então não espere um evasion tank ou magias ultrapoderosas para simplesmente quebrar o jogo antes mesmo da metade do título (ainda que a Xipha e o sistema de quartz sejam mais ricos e complexos graças as habilidades passivas chamadas Shard Skills).
Um último elemento novo é que, por motivos que entram um pouco no campo do spoiler, Van tem acesso a um poderoso demônio chamado Grendel, que funciona de forma até similar a possibilidade que se tinha de invocar Valimar em Cold Steel III e IV, ainda que com bem menos complexidade e riqueza do que era visto nas batalhas de mecha daqueles jogos.
No geral, The Legend of Heroes: Trails Through Daybreak é uma excelente evolução pra série e traz vários elementos excepcionalmente bem-vindos para os jogadores. Sair da ambientação mais inspirada na Europa para uma Calvard mais complexa e moderna, misturando elementos ocidentais e orientais em suas diferentes cidades, vistas através de um submundo recheado de mafiosos, terroristas, experimentos mágicos estranhos e ocultismo foge do espaço confortável que a série vinha habitando e com isso a propele para novas alturas.
O tom mais sério o torna um jogo mais adequado tanto para jogadores que cresceram com Cold Steel e aqueles que talvez não tenham se interessado tanto pela ambientação em uma escola, graças a sua narrativa mais densa e sombria (e até um pouco mais ambiciosa), graças tanto a protagonistas melhores e antagonistas mais críveis. Em um ano já recheado de ótimos RPGs e com vários outros a caminho, ainda assim The Legend of Heroes: Trails Through Daybreak deve ser lembrado como um dos pontos altos de 2024.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela NIS America.
Veredito
The Legend of Heroes: Trails through Daybreak é uma abordagem mais sombria e interessante para uma das melhores franquias de JRPGs de todos os tempos. As adições de gameplay enriquecem a experiência, mas o que realmente o torna tão marcante é o excelente elenco e a narrativa que faz jus à fama da série.
Veredict
The Legend of Heroes: Trails through Daybreak is a more somber and interesting take on one of the best JRPG franchises of all time. The gameplay additions enrich the experience, but what really makes it so remarkable is the excellent cast and narrative that lives up to the series’ reputation.