Lá se vão 14 anos desde que o mundo recebeu, com muita expectativa e desconfiança depois de alguns questionamentos do público em relação ao jogo anterior, o hoje aclamado King of Fighters XIII, que tinha a missão de resgatar o prestígio da franquia e mostrar que ela continuava tão relevante quando nos áureos anos 1990. O próprio gênero passava por uma crise de identidade, já que alguns de seus maiores expoentes, como Mortal Kombat e Tekken, por exemplo, estavam cambaleando, enquanto Street Fighter IV, lançado no ano anterior, buscava levantar a marca ao patamar que se encontra hoje. Teria o bom e velho KoF forças para reconquistar os fãs desconfiados e renovar a fé dos incrédulos?
A história foi escrita, o jogo se mostrou uma verdadeira redenção para a marca, e ao oferecer tanto conteúdo quanto os novos tempos pediam, somado a um gameplay dos mais redondinhos de toda a história de KoF até então, se colocava com um jogo essencial para qualquer amante do quebra-pau virtual. Para os puristas, acabou se mostrando o apogeu da saga ao ser o último a se utilizar dos gráficos tradicionais com sprites 2D, uma vez quem sete anos depois chegaria o controverso KoF XIV debutando na tridimensionalidade. Olhar em retrospectiva nos dá uma dimensão bastante interessante dos marcos estabelecidos pelo jogo que só seriam relevantes anos depois.
Mais ainda quando, em pleno 2023, recebemos, sem tanto marketing como deveria, uma nova versão reformulada do jogo, agora para Playstation 4 (e, via retrocompatibilidade, também para a nova geração), que tem como objetivo sanar um dos poucos problemas do seu lançamento original, algo muito bem debatido pelo nosso editor chefe na análise publicada na época. O texto que você lê agora, portanto, não pretende substituir o trabalho original ou se aprofundar em mecânicas ou narrativa, da mesma forma que a nova versão do jogo não apaga a que foi lançada em 2009, e se propõe muito mais um complemento, uma atualização.
Rebatizado como The King of Fighters XIII: Global Match, o game da lendária SNK volta depois de outras duas edições numeradas, trazendo consigo o já consagrado (e praticamente obrigatório nos dias atuais) netcode via rollback, buscando viabilizar as disputas on-line valorizando tempo de resposta e precisão nos comandos, minimizando engasgos, lags e outros enroscos que são o pesadelo de qualquer pessoa que leva a jogatina multiplayer minimamente a sério. Se antes ou se jogava com algum brasileiro, ou você só passava raiva, a ideia aqui seria a de libertar as amarras e tornar o jogo, como o próprio nome prenuncia, mais global.
Todos os demais modos se mantém tão bons como eram na época, com o Arcade tendo o cuidado de adicionar diálogos personalizados e cenas e corte que valorizam a jornada; trials e treinamento completos para quem se arrisca a masterizar a complexidade do jogo; um modo história que se não é particularmente longo e brilhante, certamente se mostrou uma evolução pro seu tempo mesmo passos atrás de alguns dos principais concorrentes; e toneladas de colecionáveis e opções de customização para nenhum kofeiro de boteco botar defeito. Soma-se a isso o elenco que, acredito, continua sendo o mais completo de toda a franquia, e a presença de vilões insuportáveis que adoramos odiar até a morte, e o jogo não perde em nada mesmo para produções mais suntuosas dos dias atuais. Jogar King of Fighters XIII sozinho continua sendo muito prazeroso.
Como um jogo requentado, KoF XIII:GM acaba acusando a idade em alguns aspectos. Os sprites parecem um pouco desgastados, e basta uma câmera mais aproximada em poses de vitória para vermos bordas serrilhadas e texturas borradas, coisas que desenvolvedoras como a Arc System Works acabaram nos deixando mal acostumados em suas produções recentes mais polidas. Efeitos de partícula e animação de personagens, por outro lado, se seguram bem, sobretudo em um jogo tão dinâmico e com uma grande carga nostálgica. A trilha sonora continua competente e os ruídos em batalhas ajudam na ambientação dos cenários que, na sua maioria, são bonitos, povoados e bem movimentados, ao menos nos modos normais de jogo.
Curiosamente, as qualidades destacadas do jogo estão naquilo que já eram excelentes em sua versão original. Mais de uma década depois, me diverti tanto quanto joguei pela primeira vez, apanhando mais do que batendo e mantendo o meu padrão de gostar do jogo que me faz suar e precisar apelar para o meu melhor recurso tecnológico, o de colocar a camiseta no dedo para evitar bolhas. Experimentar cada um dos personagens presentes, testar os trios tradicionais, montar o meu time ideal, brincar com cores e aprender o timing de combos que pareciam impossíveis à primeira vista continuam sendo algo simplesmente fascinante. Do mesmo jeito, infelizmente, jogar on-line continua sendo o calcanhar de Aquiles de KoF XIII, e a decepção nesse aspecto acaba se provando um pouco maior considerando que esse era o motivo do jogo renascer das cinzas.
O tempo de resposta está sim, muito melhor do que antes, e em muitas partidas, não senti qualquer diferença no que se refere a velocidade do jogo e coisas do tipo. Mas eu só consegui constância e uma boa estabilidade quando decidia restringir o alcance da jogatina para pessoas de mesma região que eu. Quando abria, eu acabava caindo nas partidas Ranked com jogadores cujo ping batia a casa dos 350ms, algo impensável atualmente. O vídeo que abre a análise mostra meu desempenho em três partidas, das quais duas sequer chegaram ao fim por problemas de desconexão, isso sem contar tela piscando, problemas de entrada de comandos e coisas do tipo. Pacientemente, experimentei regravar outras duas vezes para ter uma versão menos problemática para esta análise, mas ambas foram ainda piores.
Outro problema que ficou evidente de forma muito rápida foi em relação aos cenários, que normalmente trazem muito movimento, e que no on-line, acabaram resumidos a papéis de parede estáticos e sem vida. Inicialmente imaginei ser um bug decorrente da lentidão da conexão, depois um problema na versão que eu tinha disponível, mas como ouvi relatos semelhantes de outras pessoas, fica claro que não é um defeito, mas sim uma decisão dos desenvolvedores em diminuir a dinâmica na tela para favorecer a velocidade dos elementos principais. Considerando que o jogo tem suas versões para Playstation 4 e também para o sistema híbrido da Nintendo que notadamente sofre com um poder menor de memória RAM, pode ser um dos gargalos com os quais os responsáveis se depararam. Mas mesmo assim, acaba sendo uma solução das mais lamentáveis já vistas.
Além de tudo isso, é inevitável ressaltar que atualmente os servidores ainda parecem pouco povoados, o que pode ser um problema maior para quem busca construir uma carreira mais diversificada no game. Restringir o alcance para só pessoas de mesma região, muitas vezes, resultava em nenhum encontro disponível, e foram muitas as noites e tardes onde entrei e saí do modo sem achar ninguém com quem lutar. Em outras ocasiões, o jogo me colocava contra pessoas claramente em um nível absurdamente diferente, com centenas de lutas a mais, ou com uma porcentagem de vitórias e derrotas muito discrepante. Não cheguei a evoluir tanto assim para ser pareado com pessoas muito mais iniciantes do que eu, mas chegou um ponto onde eu, com dezenas de luta no currículo, também era confrontado por iniciantes com nenhuma partida jogada.
Mesmo aumentando o escopo para o mundo todo e arriscando passar por instabilidade de conexão, foram várias as vezes onde encontrei o mesmo gringo simplesmente 12 vezes seguidas, sem contar revanches. Isso significa que: ou as outras pessoas todas estavam em níveis estraordinariamente diferentes de nós dois (e olha que o cara tinha 200 vitórias a mais que eu); ou os servidores estavam realmente esvaziados de pessoas dispostas a jogar no ranqueado; ou então o sistema de pareamento precisa de alguns ajustes para juntar pessoas diferentes e mais próximas no que se refere a nível de experiência. Das três opções, não sei se há alguma que seja perdoável.
Para passar um pouco de pano, há que se descontar que experimentei o jogo em seu período de lançamento e, sem tanto alarde para um game renascido, o ecossistema pode estar aquém do seu potencial demográfico. Ainda assim, somando tudo isso, a experiência on-line é das mais decepcionantes dos últimos anos, principalmente porque as expectativas eram altas pra esse fator em específico. Estar relativamente vazio não justifica escolhas questionáveis de design, muito menos um aproveitamento pífio das virtudes do netcode via rollback, mas pelo menos é algo que pode mudar em alguns dias ou semanas dependendo de suporte e da vida útil desta versão. De resto, parece que tanto tempo sofrendo com o sistema falho original não foi suficiente para se encontrar soluções sustentáveis, e fica difícil esperar melhorias tão imediatas agora.
No conjunto da obra, The King of Fighters XIII: Global Match não deixa de ser um jogo incrível e, para muitos, deve se manter no topo de preferidos ao lado dos inoxidáveis KoF 98, KoF 94 e KoF 2000. Auge da era 2D, o jogo mantem um elenco de primeira grandeza; sistemas de combate formidáveis que exigem dedicação dos mais empolgados e que não excluem o sujeito casual de final de semana; modos e conteúdos abundantes; e um suporte à customização que incrementa na qualidade de vida no jogo. Porém, é no on-line, motivo máximo de ser relançado tanto tempo depois, onde o jogo ainda tropeça e se complica. Não é pior do que foi antes, obviamente, e dependendo de boa vontade, pode render ótimos momentos, mas os problemas são muitos para passarem despercebidos. No final das contas, o Global Match continua sendo espetacular no off-line, e não onde deveria brilhar.
Jogo (versão de PS4) analisado no PS5 com código fornecido pela SNK.
Veredito
Como jogo completo, The King of Fighters XIII: Global Match é excepcional e quase indefectível, mas a justificativa de relançá-lo com um sistema online remodelado utilizando o que há de melhor atualmente acaba se mostrando um tiro no pé, com um resultado instável, incompleto e cheio de escolhas, inclusive estéticas, questionáveis.
Veredict
As a complete game, The King of Fighters XIII: Global Match is exceptional and almost unbeatable, but the justification for relaunching it with a remodeled online system using the best of today’s technology turns out to be a shot in the foot, with an unstable, incomplete result full of questionable choices, including aesthetic ones.