Jogos de tabuleiro tradicionais chegaram um pouco tarde na minha vida, já que não era algo que fazia parte do dia-a-dia da minha família. Eu adorava quebra-cabeças e blocos de montar, coisas que eu poderia brincar sem depender de alguém, mas quando se tratava de boardgames colaborativos e competitivos, só fui experimentar mesmo já adolescente, ciente de algumas mecânicas e de como a aleatoriedade influenciava – ou não – no resultado final das partidas. E confesso que aprendi isso rápido porque eu realmente não sou bom com dados, cartas, roletas ou qualquer coisa que dependa de algum nível de sorte. Por mais que eu me anime jogando War ou Banco Imobiliário, é fato que cedo ou tarde terei uma sequência de azar que fará minha estratégia infalível… falhar.
Talvez por isso, eu sempre torça o nariz para aspectos aleatórios em qualquer sistema competitivo, e sempre que jogava algo assim seja com jogos físicos, como Uno, RPGs de mesa ou, sei lá, Jogo-do-Mico, seja em versões digitais, incluindo as famigeradas loot boxes, não há um exemplo que eu realmente acredite que seja justo. Não duvido que todos se sintam, em certo nível, injustiçados quando se encontram à deriva do acaso, e isso não impede que estejamos sempre lá, uma vez mais, gritando truco no churrasco da família ou contando pedras em uma partida casual de dominó em Far Cry 6. E não é por isso que eu me furtaria de experimentar tabuleiros tradicionais em suas versões feitas de zeros e uns.
Dito isso, cá estou eu escrevendo a análise para um desses exemplos, o chamado The Game of Life 2, que como a tradução óbvia prenuncia, adapta para os consoles o clássico Jogo da Vida. Para os não iniciados, é basicamente o mais tradicional daqueles tabuleiros onde há um caminho seguimentado para chegar do ponto A ao ponto B e que por meio de uma roleta, cada jogador em seu turno define quantas casas irá avançar. Cada célula do caminho, neste caso, reserva uma ação possível, que vai desde o recebimento de uma quantia de pontos – que aqui, objetivamente é dinheiro – até bonificações e punições das mais diversas. Diferente de exemplos mais simples e infantilizados, não vence necessariamente quem chega primeiro, mas sim quem chega melhor.
Para quantificar essa qualidade, há alguns quesitos, e vou me ater às regras da versão digital, que diferem em alguns detalhes do original. O primeiro quesito a ser verificado é quem tem mais dinheiro. Acumular riquezas, ao que parece, é um elemento importante para se saber quem venceu na vida e para acumulá-lo, há algumas formas. O salário é a primeira delas e depende do trabalho que você escolhe. Partir na largada para uma carreira rende ganhos imediatos, mas com quantias menores de quem escolhe pagar uma faculdade, por exemplo. Outra possibilidade é cair em uma seguimento que prevê o pagamento de um bônus pelo banco, ou torcer para seus adversários sejam sorteados com o seu número da sorte. Há ainda como obter lucro comprando e vendendo imóveis.
A vida não é simples, porém, e há possibilidade de custos e perdas. Fazer uma pós-graduação pode ser uma escolha onerosa, mas recompensadora em um futuro próximo. Fazer uma viagem ou apostar em uma batalha de pedra-papel-tesoura também podem custar seu suado dinheirinho, e nem precisamos falar da possibilidade de cair na malha fina e ter que pagar impostos. Tudo é contabilizado em seu cofrinho e contado ao final da jornada, quando todos chegam ao fim, algo simbolizado pela aposentadoria, que ainda pode render mais alguns trocados enquanto seu adversário não chega lá.
Outros itens a serem considerados para a contagem final são atributos, que estão divididos em três categorias: conhecimento, felicidade e prosperidade. São pontos que são concedidos conforme se faz alguma escolha pelo caminho. Por exemplo, se casar ou ter um filho nos deixa mais felizes, enquanto estudar ou montar um quebra-cabeças complicado nos torna mais inteligentes. Comprar casas e investir em negócios resulta em uma pontuação maior no terceiro item. Ao final, cada ponto nessas três categorias também gera um bônus na sua classificação geral, com direito a um extra generoso para quem for o melhor em cada uma das três categorias. Ou seja, ser mais feliz que seus adversários, por exemplo, é uma ótima estratégia.
Considerando que o objetivo é, portanto, o acúmulo de riquezas – financeiras ou morais, por assim dizer – a estratégia de jogo é um fator fundamental para a vitória gloriosa ou para o fracasso miserável. Afinal, sempre que se está diante uma escolha, o caminho deve ser o fiel da balança ao final da jornada. Na maioria dos casos, as opções são bastante equilibradas, já que estudar antes de trabalhar pode gerar salários maiores, mas escolher seguir a carreira direto nos garante dinheiro imediato para investimentos. Além disso, você pode estudar e não conseguir um emprego que pague bem e, ao mesmo tempo, pode dar sorte na vida e encontrar um salário decente como astro do esporte sem ter estudado antes. Não há uma escolha necessariamente melhor do que outra e, no máximo, algumas opções são mais arriscadas.
Você pode decidir, por exemplo, por um emprego que pague 200 dinheiros ao invés de um que pague 150, o que parece bastante óbvio. Mas talvez essa escolha não seja a melhor caso se dê o azar de cair na casa dos impostos, que cobra de um o dobro do que cobra de outro. Você também pode escolher se casar e ganhar um prêmio dos adversários como presente, ou pode continuar solteiro e, no meio do caminho, conseguir comprar uma casa que irá gerar até o dobro do dinheiro investido. Pode ainda, mais próximo do final, buscar um caminho arriscado com possibilidade de altos ganhos e também de grandes perdas ou pode seguir um caminho mais seguro, mas também pouco lucrativo. Escolhas fazem muita diferença.
A grande questão sobre tudo isso está naquilo do que falei nos primeiros parágrafos desta análise, uma coisinha chamada aleatoriedade. O começo de cada rodada é definido por uma roleta que vai de 1 a 10, que define até onde vamos avançar. Você pode escolher, por exemplo, seguir o caminho da família para buscar um bebê, ou quem sabe um mascote, mas nunca cair na casinha que possibilita realizar essa escolha. Pode ainda se arriscar em apostas contra seu adversário mais forte e duas ou três derrotas colocam um abismo financeiro entre ambos. Pode também pagar 500 dinheiros por uma mansão prevendo um lucro de até 100% e, no final, receber só 2% a mais do que investiu. A sorte – ou a falta dela – é preponderante no resultado final da jogatina.
Este aspecto pode ser um problema para os mais competitivos, mas é também o elemento mais democrático de The Game of Life 2, e não deixa de ser uma reflexão filosófica ficar imaginando que se a metáfora é a de representar a vida, fatos aleatórios fazem parte da brincadeira, e como são inevitáveis, melhor descobrir o que fazer com eles. Aquela história motivacional de que quando o mundo te dá limões, você pode fazer careta ou fazer uma limonada. Fato é que ao conferir uma importância grande para eventos randômicos, todos os que jogam ficam nivelados e não há uma vantagem tão clara assim para quem conhece os macetes do sistema, ainda que uma estratégia bem definida tenha mais probabilidade de dar certo.
O resultado disso? Este é um jogo recomendado para sessões casuais, de preferência com mais pessoas e sem quaisquer expectativas mais sérias. É feito pra aproveitar com a família, filhos pequenos, aquele seu parente que nunca encostou em um videogame antes, inclusive porque não exige qualquer tipo de conhecimento prévio ou habilidade com controles. Para jogar, basta rolar a roleta apertando X, fazer uma ou outra opção pressionando o mesmo botão e, quando muito, usar algum comando extra para visualizar o tabuleiro ou mexer em configurações de som. E como é um jogo de tabuleiro por turnos, o multiplayer permite até quatro jogadores humanos (ou a mistura destes com bots) sem a necessidade de controles extras, porque funciona no bom e velho “terminou a vez, passa o controle”.
Tudo poderia começar a soar repetitivo não fossem as possibilidades de skins diferentes que estão disponíveis como conteúdo extra. Há mundos diversos a se explorar, como os baseados em contos de fada, histórias de terror, temática espacial na superfície lunar, dentre outros. Porém, ainda que esses novos mapas tragam algumas perfumarias que adicionam uma certa novidade ao jogo base, não há um acréscimo real em termos da qualidade de vida, primeiro porque o mapa continua sendo exatamente o mesmo, com os mesmos desvios, mesma quantidade de células e tudo mais, e segundo que alguns ajustes são bem interessantes, mas outros passam batidos e acabam ficando deslocados.
Por exemplo, no cenário inspirado na pré-história, é ótimo poder comprar o Covil do Dragão no lugar de uma mansão comum, bem como assumir o trabalho de produtor de rodas ao invés de designer de jogos. Mas ao mesmo tempo, acaba surgindo opções como jogar bingo ou fazer uma viagem que não cabe bem ao tema geral e quebram com os paralelos. Obviamente, poder escolher entre ser Mago ou Druida depois de concluir uma graduação no cenário de contos de fadas pode ser muito mais interessante que outras profissões comuns do nosso mundo regular, mas essencialmente, depois de duas ou três partidas não faz muita diferença e tudo o que acaba importando é quanto se ganha e quanto se paga de impostos, caso seja necessário.
Para os mais assíduos, há ainda uma premiação acumulativa conforme conquistas ao longo das partidas jogadas que, ao completarem uma quantidade específica, liberam outras skins para veículos, personagens e figura de perfil, outro agrado que não se impõe como um objetivo sério a ser perseguido e funciona como uma consequência natural pela dedicação dos jogadores. Infelizmente, porém, esse benefício só considera a pontuação do jogador principal, ignorando os visitantes. Nada que realmente seja tão importante assim, repito, porque elementos estéticos são divertidinhos e tudo mais, mas mudam pouco, ou muito pouco no contexto geral, principalmente considerando o volume de tantas outras informações audiovisuais de um jogo tecnicamente intenso.
Com forte apelo de gráficos fofos e bastante cartunescos, quase tudo é construído em um bem-resolvido sistema low poly, com bonecos, objetos e ambientes quase palpáveis como peças de plástico. Alguns elementos são um pouco mais trabalhados em detalhes, mas no geral tudo se mostra bastante sólido em formas geométricas bem definidas. O volume de informações aposta na profusão de cores fortes sem economizar na saturação e no contraste. Não há meios termos, não há economia nesse sentido, e mesmo sendo um jogo de tabuleiro sem movimentações de câmera mais sofisticadas ou quaisquer elementos acelerados, acaba sendo impactante e, por vezes, até cansativo para os olhos. É como uma animação infantil com muitas informações sendo jogadas em nós o tempo todo.
O mesmo vale, em partes, para o aspecto sonoro, composto por canções temáticas instrumentais bastante simples que dão um tom calmo e relaxante à cada partida, mas que somado a efeitos de sorteio, personagens se movimentando, prêmios pipocando na tela, escolhas feitas, ruídos de ambiência e outros estímulos, acaba parecendo, como conjunto, um daqueles talk shows orientais que nos deixam até desnorteados de tanta coisa para processarmos. Para crianças – e posso atestar isso pela adrenalina que via em minha filha pequena ao jogar comigo – é tão estimulante quanto uma barra de chocolates, mas para adultos um pouco mais maduros, pode ser extenuante.
The Game of Life 2 é um típico party game que consegue traduzir bem para o mundo digital as principais mecânicas do tabuleiro físico e de outros jogos similares, unindo uma boa dose de estratégia com o fator aleatório que trazem, considerando o gênero, um bom equilíbrio para ser aproveitado por pessoas de diferentes idades e com experiências diversas no mundo dos videogames, o que o torna ótimo para se jogar em família e até quebrar resistências sobretudo de quem acha consoles complicados demais. Sua verdadeira explosão de cores acerta em cheio em uma construção tonal mais lúdica e divertida, e provavelmente agradará crianças de todas as idades. Só não recomendo sugerir uma partidinha rápida antes de dormir porque, acredite, o resultado pode ser mais efetivo que café com refrigerante de cola.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Marmalade Game Studio.
Veredito
The Game of Life 2 é a adaptação colorida, vibrante e muito competente do tradicional título de tabuleiro de mesmo nome para o universo digital, com mecânicas básicas para qualquer tipo de jogador se divertir. No entanto, por se basear bastante no fator aleatório – algo que herdou de seu referencial – pode frustrar ou entediar os mais experientes.
Veredict
The Game of Life 2 is a colorful, vibrant, and very competent adaptation of the traditional board title of the same name for the digital universe, with basic mechanics for any type of player to enjoy. However, because it relies heavily on the random factor – something it inherited from the original work – it can frustrate or bore the most experienced.