Falar sobre jogos soulslike nos dias atuais, especialmente aqueles que não são desenvolvidos pela FromSoftware, muitas vezes se revela uma tarefa mais complexa do que parece. Com o subgênero de RPGs de ação mostrando sinais de saturação no mercado, muitas das empresas que conseguiram sucesso ao adaptar essa fórmula foram aquelas que souberam preservar seus conceitos fundamentais, ao mesmo tempo em que trouxeram ideias próprias para seus jogos. The First Berserker: Khazan se encaixa bem nessa perspectiva.
De acordo com os desenvolvedores da Neople, o jogo inserido dentro do expansivo universo Dungeon & Fighter não é apenas mais um soulslike. Classificado como um RPG de ação hardcore, o título adiciona à fórmula criada pela FromSoftware um combate acelerado e responsivo com ênfase no melee, muitas vezes chegando próximo ao gênero de ação hack n’ slash.
A história segue a jornada de Khazan, general do império de Pell Los, que, junto de seu fiel amigo Ozma, enfrentou e derrotou Hismar, o Dragão Enfurecido, salvando seu povo de uma ameaça sem precedentes. No entanto, inundado por um sentimento de inveja e temendo a popularidade adquirida pelos heróis, o imperador Pahlmerier os acusa de traição, torturando-os e os enviando para o exílio. Após ter seus tendões mutilados, Khazan é mandado como prisioneiro para as montanhas geladas.
Contudo, enquanto seu corpo moribundo é transportado, o guerreiro é confrontado pelo Espectro da Lâmina, um espírito encarregado de manter a ordem no submundo. O espectro invade seu corpo e lhe oferece um pacto em troca de vingança. Revigorado pelo poder do fantasma, Khazan decide retornar para caçar aqueles que o traíram.
Embora a história explore personagens já conhecidos do universo Dungeon & Fighter, uma das maiores propriedades intelectuais da NEXON, aqueles que não estão familiarizados com os jogos da franquia não terão dificuldades em acompanhar a trama de Khazan. Segundo os desenvolvedores, a ideia de contar a história do general e de seu amigo Ozma de uma nova perspectiva por meio de um game exclusivo também oferece uma excelente oportunidade para novos jogadores se familiarizarem com o universo de DNF.
A estrutura narrativa é mais direta em comparação com os tradicionais jogos soulslike, com mais informações sobre os planos do imperador e a vingança de Khazan sendo reveladas à medida que o jogador avança pelos cenários. Boa parte dessas informações ocorrem por intermédio de cenas animadas e interações com os personagens, mas também é possível se aprofundar em mais detalhes através de itens colecionáveis e das descrições de objetos.
Os cenários são predominantemente lineares, o que limita um pouco a exploração. Mesmo assim, o level design é bom, e oferece caminhos secretos e muitos segredos para serem descobertos. Sempre que um chefe final de um nível principal é derrotado, uma nova área é desbloqueada para ser acessada da Fenda, e essa premissa se mantém ao longo de quase todo o jogo. A exceção são algumas missões secundárias, que podem abrir áreas paralelas em certos mapas ou até permitir a exploração desses locais novamente, com um layout remodelado.
Concluir toda a campanha e as missões adicionais pode exigir mais de 40 horas. Além disso, o jogo conta com opções de diferentes finais e até desafios de inimigos específicos para liberar itens e receitas de criação no ferreiro. Isso proporciona um bom fator replay.
O sistema de checkpoints segue o padrão dos jogos soulslike, com novos pontos de controle sendo encontrados conforme o jogador avança pelo mapa. O mesmo se aplica aos tradicionais atalhos, que surgem de diferentes maneiras, permitindo encurtar o trajeto até um inimigo desafiador ou facilitar uma nova tentativa em uma boss fight.
Visualmente, o jogo se caracteriza por mapas escuros e com tons acinzentados. Essas decisões na direção de arte combinam com a proposta do game, mas também causam uma impressão de os cenários serem repetidos, ainda que haja uma boa variedade de biomas e mapas. Em contrapartida, essa estrutura ajuda o jogo a manter uma boa performance no PS5. Ao longo de toda a experiência no modo desempenho, encontrei poucas ocorrências de queda na taxa de quadros por segundo ou outros bugs que pudessem comprometer a jogabilidade.
O design dos personagens é excelente, utilizando a técnica de cell shading para criar uma estética com traços de anime, mas que contrastam com os ambientes sombrios e um combate brutal. Outro destaque é a dublagem original, incluindo a participação de atores que já se tornaram referências no universo dos games, como Ben Starr, que interpreta Khazan, e Anthony Howell, no papel do Espectro da Lâmina.
É no combate que The First Berserker: Khazan realmente se destaca entre os melhores RPGs de ação lançados recentemente. Embora o conceito básico tenha como maior referência a fórmula da FromSoftware, algumas adaptações fizeram com que o jogo se inclinasse um pouco mais para o gênero de ação. Em termos de comparação, pode-se dizer que ele está bem mais próximo de Nioh do que dos clássicos desenvolvidos pela criadora da fórmula soulslike.
A mecânica de morte segue uma lógica semelhante aos soulslike, mas com um efeito punitivo menor. Ao cair em batalha, Khazan retorna ao ponto de controle mais próximo, com toda sua lacrima deixada no local de sua derrota. Essa lacrima é usada para evoluir os atributos do personagem, que são distribuídos entre estatísticas de vitalidade, resiliência, força, determinação e proficiência.
Por outro lado, as moedas de ouro não são perdidas, e servem para comprar itens dos mercadores ou financiar a fabricação e a modificação de equipamentos. Elas são conseguidas ao eliminar inimigos e coletadas de baús. Outro sistema de evolução é a árvore de habilidades, que funciona de maneira similar ao tradicional level up. Além disso, o jogo oferece diversas opções para aumentar a taxa de recuperação de vida, adquirir mais lacrima e obter benefícios passivos. Em The First Berserker: Khazan, há sempre uma maneira de evoluir o personagem.
Isso não significa que o jogo seja fácil, mas há um equilíbrio nas formas de evolução, proporcionando uma sensação contínua de progresso. Até mesmo nas lutas contra os chefes, a cada tentativa frustrada, uma quantidade de lacrima é concedida como incentivo para continuar tentando superar a batalha, além de evitar que o jogador precise ficar farmando níveis caso se veja preso em um encontro.
As habilidades adquiridas resultam em um combate rápido e extremamente satisfatório. Ao todo, são três tipos principais de armas: empunhadura dupla, grande espada e lança. Cada uma possui variações de raridade, que incluem propriedades e modificadores adicionais. As armaduras, por sua vez, são divididas em leves e pesadas, e podem ser equipadas em conjuntos para oferecer bônus exclusivos, proporcionando uma certa liberdade para criar uma build que se ajuste ao seu estilo de jogo.
Cada arma também possui habilidades especiais que podem ser atribuídas a atalhos no controle. Essas habilidades consomem uma unidade de espírito ao serem acionadas, uma energia obtida ao derrotar inimigos ou ao sofrer dano. O espírito também é utilizado para lançar o dardo de Khazan, uma das poucas opções disponíveis no jogo para lidar com inimigos à média distância.
O único ponto negativo é que o drop de armas e armaduras muitas vezes é aleatório, o que pode forçar o jogador a investir em itens que não prefere, apenas para obter vantagens contra certos inimigos. Felizmente, para compensar isso, todas as habilidades podem ser redistribuídas quantas vezes quiser e de forma gratuita. Mesmo assim, o processo de ter que remontar sua build caso tenha que mudar de categoria de arma pode se tornar cansativo, principalmente em níveis mais avançados da campanha.
O maior desafio no combate está na gestão da estamina e em como utilizá-la para quebrar a postura do inimigo durante as lutas. Para isso, o jogo oferece variações de bloqueio e esquiva que podem devolver uma parte da energia a Khazan. É essencial interpretar os ataques dos inimigos para realizar bloqueios perfeitos, levando-os à exaustão.
Boa parte das lutas se resume em desgastar o adversário até conseguir realizar um golpe visceral. Da mesma forma, errar bloqueios e esquivas, ou atacar descontroladamente pode esgotar a energia de Khazan. Isso pode ser extremamente punitivo e até frustrante em algumas batalhas. Talvez seja nesse ponto que o combate mostre um pouco de inconsistência, já que ele se beneficia de uma postura mais agressiva, mas, ao mesmo tempo, exige cautela para evitar a falta de estamina.
Quem quiser dominar as janelas de bloqueio de cada ataque inimigo deverá se dedicar um pouco mais, pois não é possível usar a tática de pressionar repetidamente o botão correspondente. A janela para acertar um parry é curta, e um simples vacilo durante uma sequência rápida de golpes adversários pode resultar em uma morte rápida.
O design dos inimigos é interessante, mas começa a se tornar repetitivo a partir da metade da campanha. Por outro lado, os chefes oferecem batalhas desafiadoras, embora sejam excessivamente dependentes do sistema de quebra de postura. Frequentemente, é possível ficar com a sensação de que o dano causado é baixo, mesmo estando com equipamentos dentro do nível recomendado para a missão.
Outro problema recorrente é que alguns chefes recuperam sua barra de energia com muita rapidez, o que cria situações de desespero quando você não tem energia suficiente para atacá-los e quebrar suas posturas antes que se recuperem. Isso faz com que algumas batalhas se transformem em um jogo de paciência, exigindo uma análise cuidadosa do momento certo de atacar e do gerenciamento da energia, para não perder a chance de atordoar o inimigo.
Uma maneira de amenizar a dificuldade nos confrontos contra os chefes é a possibilidade de invocar um espírito auxiliar. No entanto, das poucas vezes em que testei essa função, tive a impressão de que a inteligência artificial não é eficaz o suficiente para ser um verdadeiro diferencial. Existem algumas habilidades e itens que concedem bônus passivos aos espectros, o que poderia torná-los mais úteis. Para quem deseja aproveitar esses recursos, será necessário obter um item, que é concedido ao derrotar espectros inimigos, os quais podem ser desafiados ao longo dos cenários.
Outra função interessante é a inclusão de um modo de jogo mais fácil, um tema que tem gerado bastante polêmica nas comunidades de fãs de soulslike, mas que parece ter sido uma decisão acertada neste caso. Afinal, o universo de Dungeon & Fighter conta com milhões de jogadores ativos ao redor do mundo, muitos dos quais têm os personagens de The First Berserker: Khazan como favoritos, mas não são jogadores habituais de soulslike.
Do pouco que vi desse modo fácil, posso dizer que ele não alivia tanto assim a dificuldade. Há alguns ajustes no dano causado pelos inimigos e no consumo de energia, mas o jogo ainda é capaz de oferecer um nível de desafio satisfatório para garantir a sensação de vitória aos jogadores menos experientes.
Em suma, The First Berserker: Khazan é uma excelente adição ao gênero de RPGs de ação. Embora algumas escolhas na direção de arte possam tornar o jogo visualmente cansativo em certos momentos, as mecânicas sólidas de evolução e combate, junto ao desenvolvimento narrativo da jornada de Khazan, fazem deste título uma ótima opção não apenas para os fãs do universo DNF, mas também para aqueles que apreciam o gênero como um todo.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela NEXON.