The Eternal Castle Remastered – Review

The Eternal Castle [Remastered] é estranho. Não exatamente do tipo cringe, ou esquisito, ou bizarro. Ou talvez tudo isso junto. É um estranho… estranho. Com uma história in-game tão complicada e cheia de nuances quanto a da produção do jogo em si, é certamente um jogo muito particular e com identidade bastante forte, daqueles que enquanto os créditos vão subindo na tela, ficamos alguns minutos tentando entender o que se passou. E talvez jamais consigamos alcançar essa meta.

Objetivamente, não é difícil contextualizar o projeto: temos basicamente uma remasterização de um jogo de 1987 que não existiu, ou ao menos não do jeito que esperamos. Reza a lenda que pouco antes de ser concluído e lançado, o jogo acabou se perdendo, e nenhuma tentativa de se recuperar o código original foi bem sucedida. Lá se vão 34 anos desde então e agora recebemos aquilo que se seria uma nova leitura do que o jogo poderia ter sido em sua época. Fica evidente, porém, que The Eternal Castle, este lançado em 2021, consegue lidar muito bem com as saudades do que não vivemos com algumas das modernidades com as quais estamos acostumados, como animações fluidas, widescreen e muito movimento em tela.

O jogo aborda temáticas que flertam com a ficção científica e com uma estética cyberpunk, por assim dizer, mas bebe também de fontes retro-futuristas. No controle de Eva ou Adão, o jogador logo se percebe um sobrevivente de uma queda nada acidental de sua nave espacial assim que adentra a atmosfera do planeta. Não demora para que se perceba que cada novo passo precisa ser muito bem pensado para que não se caia nas dezenas de armadilhas espalhadas por todos os quatro ambientes pelos quais temos que passar, e assim coletar artefatos fundamentais para que tenhamos as condições de chegar ao final da jornada.

Falar mais do que isso em relação à história poderia estragar as boas surpresas e até mesmo algumas interpretações pessoais de cada evento que nos acontece. Um dos melhores trunfos do game é oferecer ao jogador somente o mínimo necessário para contexto, e com isso permitir que a vivência tenha significados mais pessoais e, porque não, viscerais, sobretudo no que tange o limite entre o real e o simbólico, entre o sonho e o palpável. As lacunas estão lá, todas abertas para que cada um de nós as preenchamos com nossa sensibilidade. Infelizmente, um ponto questionável do jogo é utilizar a tipografia retrô de um modo que pode ficar um pouco ilegível, além de não haver uma localização para o nosso português brasileiro.

Em uma campanha relativamente curta, que pode durar algo em torno de 1h45 a 2h15, somos apresentados inicialmente ao nível que nos ensina algumas das principais mecânicas do jogo e uma gama bastante variável de possibilidades de se vencer, de se seguir adiante. Você descobre que pode enfrentar um bando de cães raivosos no braço – e correr o risco de ser miseravelmente derrotado – ou os atrair para uma armadilha, ambas estratégias que podem sair pela culatra no caso de falha na precisão dos comandos ou no timing das ações. Entender as possibilidades, muitas vezes partindo para a experimentação empírica do que é possível ou não ser feito, vai nos oferecendo um repertório necessário para que consigamos chegar ao fim, e ainda assim, jamais estaremos prontos de fato.

Estruturalmente, percebemos algumas referências mais conhecidas de várias partes. O encadeamento de telas com obstáculos e com um leiaute próprio nos remete diretamente a Pitfall, ainda que a animação de movimentos rotoscópica seja mais parecida com os primeiros jogos da série Prince of Persia. Aliás, há uma imprecisão do espaço para saltos mais longos e outras habilidades de parkour que precisa de adaptação e um certo treino por parte do jogador. Uma vez que se domina esse elemento da jogabilidade, tudo parece mais fluido, mas orgânico, mas nunca bem otimizado. Outra mecânicas, como o combate com as mãos nuas ou lâminas e o uso de armas de fogo se mostram surpreendentemente avançadas. O jogo é curto, mas com uma densidade elevada. Cada passo, cada inimigo, cada porta traz algo novo para a história, para o gameplay e para o universo de The Eternal Castle.

É muito provável que a frase que pode resumir este jogo é aquele clichê do “menos é mais”. Saltar e agachar parecem só mais do mesmo em qualquer jogo do gênero. Rolar e escalar não se mostram coisas tão novas assim, e coletar equipamentos é tão convencional quanto o próprio estilo de progressão lateral. O mesmo pode ser dito de elementos do HUD como barra de HP ou de estamina. O uso inteligente de tudo isso, porém, é que traz o charme do game. Tudo parece bastante funcional, correr e lutar gastam energia e o exagero cobra seu preço. O ambiente pode ser hostil e não permitir um desejado descanso, mas ao mesmo tempo os checkpoints, basicamente pedras onde meditamos, são abundantes e generosos na sua distribuição e mesmo trechos mais complicados são muito bem engendrados no desenho de nível.

Particularmente, fiquei absolutamente satisfeito em encontrar algumas homenagens que vão para além do fan service, do easter egg barato, desde as mais óbvias como aos clássicos filmes de Indiana Jones, até as mais específicas com a batalha com uma machadinha contra muitos inimigos em um corredor no melhor estilo Old Boy. O mesmo vale para os confrontos contra chefes, contra inimigos bem variados ou ainda na resolução de puzzles, todos aspectos que exigem novas construções mentais sem parecerem uma colcha de retalhos desconexa, graças a uma lógica que convenientemente se apropria de tudo o que aprendemos ao longo das últimas décadas. The Eternal Castle parece dedicado a não remasterizar um jogo que nunca existiu, mas sim toda a nossa rica história dos videogames. Não são os gráficos, não são os controles, mas sim a própria experiência do jogador que passa por uma reformulação aqui.

A essa altura, certamente você, caro leitor, cara leitora, já percebeu que conscientemente deixei para falar sobre o quesito audiovisual para agora, algo que já é comum em minhas análises mas que aqui ganha contornos ainda mais especiais. Afinal, pela gameplay que demonstra os meus primeiros minutos no jogo logo no topo do texto e pelas telas capturadas que ilustram a análise, é evidente que o estilo artístico de The Eternal Castle é muito particular não só por se apropriar de um estilo pixel art que antecede o já bastante batido estilo 8 bits, mas por toda uma elaboração que remete a outras tantas características computacionais do final dos anos 1980, início dos 1990. Ao abrir o game, já temos uma tela de boot que simula a inicialização de aplicações no lendário MS-DOS, e a própria articulação de formas e cores remete a limitações principalmente no uso (ou na impossibilidade) de nuances e contrastes.

Deste modo, cada composição do jogo busca emoldurar nossa (ou nosso) protagonista em construções que se utilizam da dureza do branco, do preto e de uma terceira cor mais viva – passando pelo ciano e pelo magenta que nos impactavam nos monitores antigos – que dão o tom para cada ambiente. A mescla de personagens com o fundo em composições minimalistas, essa mistura proposital de herói com o mundo é também elemento narrativo de identidade. The Eternal Castle brilha ao saber utilizar de suas aparentes escolhas limitantes algo para valorizar e potencializar a construção de mundo, em suas evidências e em seus mistérios ocultos. Portanto, ainda que possa parecer um apelo nostálgico pela contagem de pixels, os primeiros minutos já transformam o saudosismo em algo novo, algo autêntico.

Impossível não citar uma construção sonora que merece ser aproveitada em sua plenitude com um bom headset, destacando uma mixagem que mais uma vez valoriza o detalhe e não o exagero na elaboração da espacialidade. Se por vezes há um silêncio na faixa musical que só faz aumentar a tensão, em outras o jogo sabe abusar de composições eletrônicas e sintetizadores mais contemporâneos. São raros os games que conseguem encontrar o equilíbrio que permite uma imersão tão sutil quanto o que é feito aqui. Ao fugir das armadilhas de também, no áudio, limitar a questão técnica, há uma consonância muito encantadora que mesmo não apostando no óbvio (e por vezes irritante) som mid, compõe a obra de maneira bastante orgânica.

The Eternal Castle [Remastered], como um conjunto, é surpreendentemente viciante e faz das escolhas de design que podem parecer só limitantes puristas seu maior diferencial inicial, mas não se debruça sobre a primeira impressão e consegue ir além. Se cada novo quadro tem seus encantos – e o jogo sabe dar o tempo de deslumbre sem acelerar demais a ação – e a elaboração sonora soma efeitos e ruídos de forma competente, é nas sutilezas narrativas que entregam pouca informação onde há espaço para interpretações e percepções metafóricas das mais divertidas. Se o jogador reiniciar a jornada uma segunda, uma terceira vez, certamente vai ter novas leituras de cada passagem que fogem totalmente do que se entendia na primeira run.

Quero dizer, com isso, que a duração curta da campanha, aqui, não significa uma vida útil baixa. Ao contrário, recomenda-se que se aproveite o jogo ao menos por uma segunda vez para que novos entendimentos emerjam e, para os mais dedicados à busca de colecionáveis escondidos, um final totalmente original. Há ainda um modo complementar, para quem finaliza o jogo, ainda mais inesperado que agrega camadas na compreensão da proposta. Se não é especialmente difícil, é um game que oferece um nível de desafio bastante adequado e coerente com o que ensina e com o que espera do jogador, e se equilibra bem a ponto de evitar frustração ou desinteresse. Ainda que eu desejasse ver um pouco mais de cada região e que tenha sentido alguns conflitos com a falta de responsividade dos controles, é uma experiência justa e ser barrigas, que se mantém fresca o tempo todo.

Então, porque o chamei de estranho? Porque, efetivamente, The Eternal Castle [Remastered] consegue felizmente frustrar muito daquilo que eu esperava dele em seus primeiros trailers. Evitei ver mais do que os anúncios, como normalmente faço, para ter a chance de ser surpreendido, mas confesso que precisei buscar mais sobre a história de um jogo que eu não conhecia e que tinha o conceito de remasterização no título. Mas mais do que o contexto de sua produção, o jogo transborda uma personalidade excêntrica, uma percepção toda própria que se destaca e o torna algo muito particular. Estive procurando, ao longo de toda a elaboração desta análise crítica, um elogio que pudesse sintetizar a experiência que o jogo proporcionou. Nenhum outro adjetivo fazia jus ao game. Então sim, The Eternal Castle [Remastered] é estranho, e isso é ótimo.

Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Severed Press.

Veredito

The Eternal Castle [Remastered] é uma grande armadilha para os desavisados, uma vez que os seduz pelo prisma da nostalgia e, quando menos se espera, entrega algo novo, cativante, um tanto quanto extravagante, cheio de personalidade retrô, com alguns elementos irritantes (como um sistema de gameplay pouco responsivo), mas com uma experiência narrativa e estética acima da média.

85

The Eternal Castle Remastered

Fabricante: Severed Press

Plataforma: PS4

Gênero: Aventura / Ação

Distribuidora: Severed Press

Lançamento: 23/06/2021

Dublado: Não

Legendado: Não

Troféus: Sim (inclusive Platina)

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Veredict

The Eternal Castle [Remastered] is a big trap for the unsuspecting as it seduces them through the prism of nostalgia and, when you least expect it, delivers something new, captivating, a bit extravagant, full of retro personality, with some irritating elements (like an unresponsive gameplay system), but with an above-average narrative and aesthetic experience.