Se tem algo que merece ser valorizado são jogos com estilo visual único. E é exatamente isso que The Cruel King and the Great Hero entrega. O novo jogo da Nippon Ichi Software, dirigido por Sayaka Oda, mesmo responsável por The Liar Princess and the Blind Prince, e publicado agora no Ocidente pela NIS America, tem um estilo bem distinto da grande maioria.
Inspirado na arte de clássicos livros ilustrados para crianças, o jogo traz belas artes 2D desenhadas à mão, buscando contar uma história fofinha e digna de figurar entre a enorme lista de obras que a inspiraram. Para isso, o jogo opta por uma movimentação side-scrolling, com cada detalhe de cada uma das áreas feita nos mínimos detalhes.
Mas o que pode parecer com um jogo feito exclusivamente para crianças serve apenas como identidade visual para esconder um jogo bem desafiador e ideias interessantes, quase tanto quanto é cheio de mecânicas frustrantes. É uma jornada que gira em torno dos dois personagens titulares desenhados para capturar o seu coração.
O principal deles é a protagonista chamada Yuu. Yuu é uma jovem garota que se vê adotada pelo rei dos monstros, um dragão chamado de Dragon King (não exatamente muito original). O dragão adotou Yuu após os pais da jovem garota falecerem e passa os dias ajudando Yuu a treinar para se tornar uma grande heroína como o seu pai era.
A história é contada basicamente através de dois momentos. Ao longo do dia, Yuu explora o mundo buscando ajudar as criaturas que precisam de algo e melhorar cada vez mais como heroína. À noite, o Dragon King conta histórias de ninar para Yuu sobre o grande herói que era o pai dela que derrotou o Demon King. Pode parecer bobo e meio que é, mas muito do desenvolvimento da Yuu é demonstrado nos pequenos detalhes e a relação entre ela e o seu pai adotivo é a parte central da trama.
Um dos pontos que mais demonstra isso é o cuidado que o Dragon King tem com as aventuras de Yuu. Apesar de autorizá-la a explorar o mundo sozinha, é sempre possível vê-lo escondido através de árvores e arbustos, sempre pronto para ajudar Yuu em momentos de dificuldade e feliz celebrando as vitórias da sua filha adotiva.
A história em si de The Cruel King and the Great Hero não é nada de muito espetacular, mas acaba se sobressaindo em sua simplicidade. O jogo tem um cuidado bem impressionante de desenvolver Yuu e todos ao seu redor nos pequenos detalhes, fazendo com que cada novo capítulo da história te traga uma pequena lição e um aprendizado bem-vindo para a protagonista.
Isso vai da forma como os diálogos são escritos ao cuidado com demonstrar a evolução de cada personagem durante o período em que ele acompanha Yuu em suas desventuras. O jogo possui, inclusive, um sistema de side quests chamado de “Acts of Kindness” (ou Atos de Bondade, numa tradução literal), no qual Yuu resolve pequenos problemas para as pessoas e criaturas ao redor dela e que te dão várias recompensas que te ajudarão na progressão pelo jogo.
É curioso que esse é um jogo que, apesar duma considerável atenção aos detalhes, também traz uma certa simplicidade charmosa. Apesar de ser um JRPG, ele não possui um sistema de progressão muito complexo, com os personagens ganhando melhorias para três stats básicos (ATK, DEF e HP) ao evoluírem e o jogador podendo equipar itens (arma, armadura e dois acessórios) que também os melhoram ou alteram levemente outras coisas, como aumentar sua SPD ou a chance de crítico.
De várias formas, é essa riqueza de detalhes mascarada de simplicidade que enriquece a experiência. Afinal, apesar do estilo visual que lembra um rascunho à lápis, a arte é especialmente bonita e o jogo roda muito bem no PS5. Junte a isso a charmosa trilha sonora e a ótima narração em japonês (não há áudio em inglês ou legendas em português, infelizmente) e o jogo é uma boa experiência.
O problema é que, onde ele erra, ele erra bastante ao ponto de gerar uma frustração desnecessária ao jogador. O combate mantém essa aura de simplicidade, mas, aqui, faltam os toques nos detalhes que realmente adicionam um desafio maior ou até mesmo interesse maior nas batalhas.
Como já era de se esperar, as batalhas são por turnos, com a diferença ficando pelo fato de que você primeiro escolhe as ações de toda a sua equipe e então todos os personagens agem na ordem determinada pela sua velocidade. Cada personagem pode atacar, se defender, usar habilidades ou itens, com diferentes efeitos à sua disposição.
A “diferença” fica pelo fato de que as habilidades não consomem uma barra de MP, mas sim usam sua “energia”. Embora existam itens que recuperam sua energia, no geral ela é restaurada após cada turno, um ponto por vez (ou dois se você optar por se defender). No começo, suas habilidades são bem simples, mas à medida que você vai avançando, naturalmente, elas vão subindo em complexidade e poder.
As batalhas são divertidas e as animações, como já era de se esperar, são bem interessantes, mas elas se tornam bem repetitivas bem rápido. A estratégia realmente fica por conta só da administração da barra de energia para usar habilidades e quando você vai precisar se curar e só, se tornando um processo bem entediante bem rápido.
E o agravante disso é que não só o jogo conta com um sistema de encontros aleatórios, mas a taxa de encontros é altíssima, fazendo com que seja quase impossível você atravessar uma área sem se deparar com quase uma dezena de batalhas sempre contra os mesmos inimigos, com os mesmos padrões de ataque. Quase todas as vezes em que eu precisei usar itens de cura ou recuperar minha energia não foi porque uma batalha foi desafiadora, mas porque foram tantas batalhas em sequência só pra ir do ponto A ao ponto B ou tentar explorar caminhos alternativos que eventualmente o dano foi muito grande.
E eu nem tenho problemas com encontros aleatórios no geral. É só que a forma como ele foi implantado aqui torna o combate repetitivo e chato quando, se dosado de uma forma mais leve, teria mantido muito mais o meu interesse e me cativado, novamente, pelo cuidado com os pequenos detalhes nas ações (como o fato do Dragon King ajudar secretamente a Yuu em alguns ataques). O jogo até tenta evitar isso quando o nível de Yuu está muito acima do nível dos inimigos da área, o que permite que ela passe correndo por ela. Ainda assim, isso não acaba com os encontros aleatórios, simplesmente diminui a frequência.
De várias formas, The Cruel King and the Great Hero demonstra bastante potencial, mas acaba falhando na forma de realmente entregar aquilo que poderia. A sensação que ele passa é de se estar jogando algo próximo de uma versão japonesa dum Child of Light, com todas as peculiaridades e criatividade que só JRPGs menores são capazes de entregar.
Mas a sensação que ele deixa, no final, é de um jogo que se perde onde não deveria e que pode vir a ser ainda melhor em uma eventual sequência. É difícil saber se isso um dia ocorrerá, visto que já é um segundo jogo de uma série, mas é um jogo que marca tanto pelos seus incríveis acertos quanto pelos seus entediantes erros.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela NIS America.
Veredito
The Cruel King and the Great Hero é um jogo com ideias interessantes, um estilo visual único e muito potencial, mas que acaba falhando em pontos-chave que o afastam do que ele tem de melhor e forçam o jogador a lidar com seus pontos mais negativos, estragando bastante de uma experiência que poderia ter sido muito mais.
Veredict
The Cruel King and the Great Hero is a game with interesting ideas, a unique visual style and a lot of potential, but it ends up failing in key points that take it away from its best and force the player to deal with its most negative points, spoiling quite an experience that could have been so much more.