Destino. Um dos temas mais abordados na cultura humana, seja em livros, filmes ou jogos, de shooters sci-fi até RPGs medievais, a luta pelo controle/contra um destino específico é algo com que todo jogador já se deparou em algum momento ou outro da sua vida. Adicione a essa mistura anjos e demônios, e The Awakened Fate Ultimatum, o mais novo título da Nippon Ichi Software, poderia ser só mais um clichê. Felizmente, o jogo mantém a tradição da NIS e passa longe disso.
Morto. Ou quase isso. É assim que começa a jornada do protagonista Shin Kamikaze. Atacado por um grupo de monstros alados no caminho de volta para casa, o estudante de ensino médio parece ver a sua vida chegar ao fim diante da visão de uma linda garota loira e de roupas estranhas. Shin é o seu típico adolescente: invisível, questionando o motivo de sua vida e qual o sentido da sua existência. E, com alguns poucos minutos de jogos, vemos esse destino e esses questionamentos se intensificarem com uma série de acontecimentos bizarros.
Shin, que acaba sendo resgatado pela moça loira e acorda diante de uma ruiva, não poderia estar preparado para o que aconteceria a seguir. Renascido como “Deus”, Shin se vê como a arma definitiva dos anjos, que vivem em uma guerra contra os demônios e estão perdendo. Ganhando seus poderes através do “Cristal do Destino Desperto” (o Awakened Fate do título), tecnologia desenvolvida pela ruiva Ariael, Shin passa a ser forçado, contra sua vontade, a se preparar para ajudar os anjos, representados pela anja loira Jupiel, em sua luta para tentar salvar o mundo.
As batalhas são um pouco diferentes do que costumamos ver em RPGs trazidos para o Ocidente. The Awakened Fate Ultimatum se trata de um RPG “roguelike”, no qual os jogadores precisam passar pelos vários andares das dungeons, participando de lutas e tentando sobreviver sem save-points até o final delas. Morrer significa voltar ao hub principal, onde é possível gastar os pontos ganhos ao longo da exploração da última dungeon e se preparar para uma nova tentativa; seus itens, entretanto, são todos perdidos quando se morre.
Como “God”, Shin é capaz de assumir duas formas distintas em batalha: anjo e demônio. O jogador precisa saber alternar entre essas duas formas (mapeadas cada um para um gatilho) para enfrentar os inimigos, sendo cada um vulnerável a uma delas. Essas vulnerabilidades são fáceis de identificar, já que anjos e demônios são identificados por tons diferentes em seus sprites. Cada ação nessas formas, entretanto, gasta SP e o jogador precisa saber dosar o uso dos poderes. Andar, ainda que recupere HP e SP, gasta AP, uma barra que, caso chegue a zero, passa a consumir o HP do herói a cada passo dado na dungeon.
Por mais desafiador que pareça, acaba não sendo tanto. Com um pouco de cuidado, o jogador provavelmente chegará ao fim da dungeon com um belo estoque de itens de cura, já que a maior parte dos outros itens não são muito úteis na exploração, podendo quase que ser ignorados, salvo em uma situação ou outra. Os ataques e skills (cada forma tem sua própria árvore de habilidades) são mapeados para dois botões (X ataca e L1 usa a skill selecionada com o analógico direito) e é possível ainda assumir uma forma híbrida entre anjo e demônio para inimigos mais fortes com R3. É uma pena que as batalhas acabem se tornando repetitivas e cansativas ao longo do tempo, já que cada nova dungeon aumenta a quantidade de andares em relação a anterior.
Por sorte, a maior parte do foco de The Awakened Fate Ultimatum está na sua história. O jogo não cai na armadilha de vilanizar qualquer um dos lados, mostrando um lado surpreendentemente real de uma guerra de escala tão gigantesca quanto a que somos colocados. Mesmo se tratando de uma sequência para The Guided Fate Paradox, Ultimatum é bem independente, com apenas algumas menções que em nada afetam a experiência daqueles que não tiveram a oportunidade de jogar o primeiro jogo.
Aliás, o “Ultimatum” do título se refere a uma mecânica específica. Em momentos específicos do jogo, o protagonista é forçado a tomar algumas decisões entre seus dois lados: anjo e demônio. Essas decisões não têm o peso que a maioria gostaria na história, mas acabam afetando a jogabilidade, já que dependendo do lado escolhido, o jogador acaba por caminhar para um dos finais, além de receber pontos a serem gastos na respectiva árvore de evolução daquele lado.
É uma pena que a história não seja tão boa quanto poderia ser. Shin, mesmo contando com um bom dublador (que muitos reconhecerão como a voz de Tohru Adachi de Persona 4), acaba sendo extremamente irritante, não tanto pelo áudio, já que a dublagem americana é muito boa (apesar de The Awakened Fate Ultimatum se tornar um jogo mais agradável com o áudio original), mas pela maneira como o personagem foi escrito. Em sua busca para torná-lo diferente do herói padrão, Shin acaba soando muitas vezes como um garoto mimado que não quer aceitar a situação na qual ele se meteu.
Isso é um problema maior no começo do jogo, ao ponto de ser muito frustrante em alguns momentos, mas acaba dando um pouco mais de realismo (se é que dá pra usar esse termo) ao personagem e torna o arco de evolução de Shin melhor do que se ele simplesmente aceitasse tudo quieto. Por sorte, o restante do elenco é bom o suficiente para manter o jogador investido nas primeiras horas, com o óbvio destaque indo para a Ariael, talvez a personagem mais clichê e mais bem escrita do jogo, mesmo que todos, da outra protagonista Jupiel aos personagens coadjuvantes, são muito bem desenvolvidos e tem suas motivações muito bem explicadas.
Cabe ressaltar que as partes de história de The Awakened Fate Ultimatum são bem longas. Se isso serve para ter personagens mais desenvolvidos do que em muitos outros RPGs e dar um belo descanso das dungeons, acaba por ser bem cansativo, já que os diálogos parecem se estender um pouco mais do que deveriam várias vezes. O jogo também conta com uma boa quantidade de grind, já que, em algumas dungeons, o aumento da dificuldade é bem grande e mesmo o bom estoque de itens pode acabar não sendo suficiente.
O visual 2D do jogo e sua escolha por usar um estilo mais anime em sua arte foram boas escolhas e tornam o jogo bem agradável aos olhos. A trilha sonora acaba seguindo um caminho semelhante ao da sua temática, com corais e melodias épicas na medida certa. Espere os padrões típicos de arte da NIS, com uma UI bem acabada e funcional e músicas condizentes com o teor do jogo.
The Awakened Fate Ultimatum acaba sendo mais um dos bons RPGs sendo lançados nesse final de ciclo de vida do PS3, se destacando por ser um dungeon-crawler roguelike, raro lançamento no Ocidente, com uma história muito boa, bela arte e trilha sonora que, se não é perfeita, é um mais belo passo em uma nova franquia da NIS. Tanto o setting quanto as ideias do jogo tem muito potencial para ótimos jogos pela frente.
Veredito
Boa história, boas mecânicas, combate interessante e boa arte fazem de The Awakened Fate Ultimatum um jogo muito interessante para os fãs de RPG, já que suas longas horas de duração e o cansaço proveniente disso, bem como alguns problemas em algumas decisões de roteiro acabam tornando-o muito “ame ou odeie”, o que pode afastar aqueles que não tem muita afinidade com JRPGs.
Jogo analisado com código fornecido pela NIS America.