Popularizado pelo Sega CD, a utilização do Full Motion Video (FMV) nos videogames ganhou maior notoriedade nos anos 90 ao possibilitarem novas modalidades de filmes interativos. Night Trap e Mad Dog McCree são alguns dos emblemáticos exemplos do passado, mas ainda hoje existem desenvolvedoras centradas nesse sub-gênero, como a Wales Interactive.
Os chamados “jogos FMV” consistem de arquivos de vídeo pré-gravados por câmeras, usualmente sem a necessidade do desenvolvimento de polígonos ou sprites para complementar a apresentação gráfica, contando apenas com uma interface adicionada ao vídeo. Não é uma técnica muito recorrente hoje, mas que possui suas vantagens para produtos cujo foco da experiência é a história.
Telling Lies é um sucessor espiritual de Her Story, outro jogo FMV do roteirista e desenvolvedor Sam Barlow. É um produto de entretenimento que coloca o usuário no papel de um investigador, que precisa juntar as “peças de um vasto quebra cabeça” a fim de descobrir o relacionamento do protagonista David com outros tantos personagens.
Além de David, três outras mulheres são essenciais ao desenrolar da trama. Cada uma delas representa um relacionamento distinto com o protagonista e desvendar a história por meio da perspectiva delas é imprescindível para a compreensão do todo.
Em Tellings Lies há muitos vídeos pré-gravados a disposição do jogador, mas o desenrolar da história é ditado por suas escolhas. A natureza do jogo é centrada na narrativa e existem poucos aspectos de interatividade, mesmo comparado a outros games FMVs. O gameplay basicamente consiste de pesquisas por palavras-chaves e da organização de vídeos. Pode parecer monótono para uma mídia que tem ênfase na interação, mas a fantástica atuação dos atores/atrizes e sua narrativa a conta-gotas trazem uma experiência incomum e inovadora para os videogames.
Inicialmente não há muitos direcionamentos ou qualquer introdução à história. Talvez o maior desafio para que o usuário possa aproveitar plenamente Telling Lies é suportar a lentidão de sua abertura. São necessárias algumas horas de observação até escapar de um estado de total ignorância, conhecendo pouco a pouco os personagens e suas relações, para então tomar ciência da trama principal.
A investigação do jogo se desenrola em uma área de trabalho de um computador, com a possibilidade de se aproveitar de algumas distrações, como jogar uma partida de paciência ou tentar roubar a senha do Wi-Fi de vizinhos. Nesta tela principal, há um software de busca que permite a inserção de palavras-chaves que buscam o conteúdo dito nos vídeos. Portanto, qualquer termo que chame a atenção do jogador durante um monólogo ou diálogo pode ser pesquisado, podendo resultar em novos vídeos, com pistas inéditas para um assunto correlato.
Quanto a jogabilidade, a navegação foi muito bem adaptada do PC para o PlayStation 4. Os comandos no Dualshock 4 são simples e o teclado virtual do console é rapidamente acessado para fazer as buscas. É possível simular o mouse pelo analógico direito ou transitar entre os diversos campos de interação da área de trabalho pelos direcionais do controle.
Há também botões de atalho, inclusive com a possibilidade de voltar ou adiantar os vídeos, tornando a navegação um pouco mais prática. Todavia, é neste ponto anteriormente mencionado, que Telling Lies empaca a vida do jogador.
Ao buscar por uma palavra, os vídeos encontrados iniciam a partir do momento que a palavra foi proferida. Deste modo, caso o usuário queira assistir o clipe por completo, é preciso usar a ferramenta de rebobinar, que é extremamente lenta. Tal situação ocorre com muita frequência, tornando-se um aborrecimento para a investigação.
Como Telling Lies consta de diversos pequenos videoclipes (ultrapassando uma centena) é preciso ter uma paciência hercúlea para compreender toda a trama. Felizmente existem marcadores e um histórico que facilitam a organização cronológica dos fatos. Vale ressaltar que o jogo possui mais de um final, que varia conforme o conteúdo desvendado. É a partir de uma determinada descoberta, que se abre a possibilidade de encerramento.
Por se tratar de um jogo que consiste de assistir acontecimentos e relatos, é fundamental prestar atenção nas falas de cada personagens. Felizmente, o suporte para o idioma em Português no jogo é muito competente, facilitando a vida dos brasileiros nesse sentido. Por fim, cabe mencionar que a qualidade dos vídeos não é das melhores, às vezes parecendo sub HD. Contudo, pode ser algo proposital, a fim de imitar a baixa qualidade das transmissões via streaming/webcam na internet e elevar o potencial diegético do produto.
Jogo analisado no PS4 Pro com código fornecido pela Annapurna Interactive.