Musicais são um gênero um tanto quanto polêmico. Talvez o mais “ame ou odeie” entre os estilos de produções teatrais e filmes, ele é capaz tanto de capturar a imaginação de milhões com canções icônicas e coreografias dramáticas quanto afastar potenciais interessados com a mera menção da sua nomenclatura.
É de se estranhar, então, que em uma mídia tão fascinada com a ideia de copiar ideias hollywoodianas e transformá-las em experiências interativas, os videogames tenham se mantido consideravelmente distantes da ideia de jogos nesse estilo. Quanto mencionamos videogames e musicais juntos é mais provável que você imagine Just Dance, Guitar Hero ou até mesmo Theatrhythm do que Hamilton ou Moulin Rouge.
Stray Gods: A Roleplaying Musical é uma bem-vinda e interessante tentativa de mudar essa ideia. Desenvolvido pela Summerfall Studios como seu jogo de estréia e publicado pela Humble Games, uma das publishers mais ousadas e bem-sucedidas dos últimos anos, ele brinca com a ideia de um jogo narrativo ao mesmo tempo em que desenvolve um interessante sistema para suas canções.
A primeira coisa que precisa ser dita é que, apesar do nome poder levar o jogador a crer que se trata de um RPG, Stray Gods não é bem o que se imagina de um enquanto pensamos em videogames. Embora aqui você irá realizar um “roleplaying” na essência da palavra, ou seja, interpretará um papel, não há sistemas de evolução, combates ou nada que se imaginaria de um RPG.
Pelo contrário, o que vemos aqui é algo muito mais próximo, por exemplo, do que ficou popularizado nos jogos da Telltale ou da série Life is Strange. O jogador assume o controle de Grace, uma jovem que abandonou a faculdade, se juntou a uma banda e não sabe muito bem o que quer fazer da vida ou pra onde ela deseja ir.
É justamente durante uma audição para novos membros da banda que Grace conhece Calliope, uma misteriosa jovem cantora com uma voz bastante especial. Logo depois, Grace vê Calliope bater em sua porta mortalmente ferida e com tempo de vida suficiente apenas para transmitir a ela o poder divino d’A Última Musa, concedendo a Grace a capacidade de transformar qualquer situação em um duelo musical.
Como estamos falando de “Deuses”, naturalmente as coisas não poderiam ser fáceis assim. Grace é imediatamente acusada de matar Calliope e, após muita argumentação com o conselho de governantes chamado de Chorus, ela é encarregada por Athena de descobrir quem é o verdadeiro responsável pela morte de Calliope ou será considerada culpada e punida com a morte.
Ao longo da sua jornada, Grace conhecerá mais sobre o que os Deuses gregos vinham fazendo escondidos ao longo de todos esses milênios pelo mundo, sua verdadeira natureza e o que os torna tão diferentes hoje das figuras mitológicas e cultuadas que eles na Grécia antiga.
Ao longo de toda essa jornada, Grace encontrará, desenvolverá laços de amizade (ou inimizade) e até mesmo romances com várias figuras mitológicas, cada qual com seu próprio mythos por trás e um conjunto de traumas a serem explorados. E é justamente por causa desses personagens que a narrativa de Stray Gods funciona tão bem.
Apesar de não ser das histórias mais inovadoras do mundo, tudo é extremamente bem contado e os personagens funcionam. Existe uma razão pela qual cada um deles é da forma como é e o porquê da dinâmica entre eles ser tão complexa atualmente. Enquanto Grace e Freddie, sua amiga e líder da banda Edge of Elysium, trazem uma visão mais humana e fresca para a narrativa, as criaturas mitológicas com as quais elas se envolvem são muito mais fraturadas, com uma bagagem pesada que, curiosamente, as tornam mais humanas.
Ninguém é completamente bom ou completamente mal, algo facilmente perceptível em Apolo ou Persephone, por exemplo, com séculos de rusgas entre eles os colocando em conflito por mais que, no fundo, ambos queiram a mesma coisa. Essa complexidade de emoções e o fato de você poder explorá-la de várias formas diferentes fazem com que cada vertente narrativa do jogo e cada nova jogatina seja distinta da anterior.
Isso se dá pois, apesar de não lhe oferecer a possibilidade de andar pelo mundo, já que a narrativa é contada, essencialmente, como uma visual novel com gráficos mais próximos de uma tradicional Graphic Novel americana, cada escolha te levará para um caminho distinto. Grace possui três tipos diferentes de personalidade que ela pode adotar, com respostas sendo destravadas que se encaixam nesse padrão, além das respostas genéricas, com a sua forma de abordar cada diálogo e certas decisões-chave te levando por diferentes caminhos da história (e diferentes romances).
Se as escolhas de respostas em um círculo, as diferentes opções de romance (de todos os gêneros) e as respostas especiais baseadas na sua personalidade não são dicas o suficiente, vale dizer aqui que Stray Gods bebe bastante do legado narrativo da BioWare. Afinal, se trata de um título escrito por David Gaider, a mente por trás de Dragon Age. Portanto, se você está familiarizado com o trabalho dele, sabe o que esperar aqui e o título entrega a qualidade de roteiro que se espera em tudo que está atrelado ao nome dele.
Dito isso, não espere nada nem de longe mecanicamente parecido com um RPG da BioWare. A abordagem aqui é extremamente cinematográfica e salvo por decisões feitas ao longo da história e decisões com um timer feitas durante as cenas musicais, você não irá interagir muito com o jogo. Cabe, no entanto, apontar que o jogo em si é muito bem feito, muito bem animado e as canções são dignas de um excelente musical.
Todas elas foram compostas originalmente para o jogo e são interpretadas por nomes de peso da indústria, com os já esperados destaques especiais para a Laura Bailey brilhando como Grace, o Troy Baker como Apollo, a Mary Elizabeth McGlynn como Persephone, Janina Gavankar como Freddie e o Khary Payton como Pan. Todas elas capturam bem o momento no qual são encaixados (e a justificativa in-game para elas é bem-vinda), e se não vão ocupar um espaço junto às mais icônicas interpretações da Broadway, são provas de que é possível trazer algo do mesmo nível para os jogos.
É difícil dizer algo sobre Stray Gods: The Roleplaying Musical que vá além dos elogios, visto que o jogo entrega exatamente aquilo que se espera da premissa que ele promete. Talvez o único problema fique por conta de algumas inconsistências na qualidade da arte e alguns quadros que parecem reaproveitados em alguns momentos, mas são pequenas questões que não chegam a incomodar.
A versão que testamos do jogo também possuía alguns problemas técnicos que levaram até a perda de saves, mas foram problemas corrigidos em um patch que estará disponível no lançamento, então, novamente, nada de muito problemático. E até mesmo o fato de cada playthrough completo da história ser relativamente curto é algo compensado pela grande variedade de opções e caminhos que a narrativa pode seguir, o que adiciona um considerável valor de replay ao jogo.
Assim, se você é fã de musicais e de experiências narrativas, Stray Gods: The Roleplaying Musical será um excelente título para você. E, mesmo se você não for necessariamente um fã de ambas as coisas mas estiver disposto a arriscar, tudo aqui é tão bem feito e tão interessante que irá te pegar de surpresa e te cativar com uma experiência bastante singular.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Humble Games.
Veredito
Stray Gods: The Roleplaying Musical é uma experiência única e cativante graças à força dos seus personagens e à qualidade da escrita da sua narrativa. Junte à fórmula músicas bastante agradáveis e atuações de gala de um excelente elenco e o resultado é um título singular capaz de prender a atenção de todos que o derem uma chance.
Stray Gods: The Roleplaying Musical
Fabricante: Summerfall Studios
Plataforma: PS4 / PS5
Gênero: RPG / Adventure
Distribuidora: Humble Games
Lançamento: 10/08/2023
Dublado: Não
Legendado: Não
Troféus: Sim (inclusive Platina)
Veredict
Stray Gods: The Roleplaying Musical is a unique and captivating experience thanks to the strength of its characters and how well-written its narrative is. The very good songs and great work by its cast result in a singular title capable of holding the attention of everyone who gives it a chance.