Stray Blade era, em muitos aspectos, motivo para grandes e mistas expectativas para mim. Por um lado, a mistura entre mecânicas sofisticadas típicas de um soulslike e um mundo mais solar, colorido e cheio de vida, algo que poderia trazer um certo ar de frescor para aquilo que se estabeleceu como gênero nos últimos anos graças a produções mais pesadas e intensas como as da FromSoftware; por outro, a desconfiança sobre como uma produção de relativo menor escopo poderia se destacar diante os grandes títulos do nicho sem cair na repetição dos elementos mais óbvios ou, pior, na simplificação deles. Esses temas foram, aliás, mote para a nossa entrevista exclusiva para com um dos criadores do game, publicada semanas atrás e que você pode relembrar acessando este link aqui.
Com a produção finalmente em mãos, tive a oportunidade de colocar à prova minhas esperanças e desconfianças. O vídeo que abre esta análise é, de cara, um bom indicador dos motivos pelos quais precisei de um pouco mais de tempo do que o esperado para escrever a análise, já que um dos elementos mais celebrados de jogos do tipo é sim parte da experiência: mesmo em sua dificuldade padrão, o game é bastante desafiador e exige dedicação, aprendizagem e resiliência. Demorei um tempo para pegar, por exemplo, o timing do parry, e não demorou muito para eu descobrir, a duras penas, que só abusar do sistema de esquiva não seria suficiente para ir muito longe. A vantagem é saber que aquilo que se aprende errando algumas vezes nas primeiras missões de campanha será útil para toda a jornada de aproximadamente 22 horas de campanha.
Dito isso, fica evidente que o elemento que mais me trazia dúvidas funciona relativamente bem em Stray Blade: o combate é recompensador, preciso e ponto fundamental da aventura. Os dois tipos de ataque típicos, o rápido e o forte, se equilibram bem na maioria do tempo, e mesmo não oferecendo uma gama enorme de diversidade, cumprem bem o seu papel, sobretudo porque o jogo se utiliza do grande arsenal disponível como ferramenta primordial para que jamais nos sintamos em um ciclo repetitivo de uso dos mesmos golpes, nos obrigando a usar cada uma das armas disponíveis por pelo menos alguns instantes. Quando os créditos finais subirem, é certo que teremos utilizado cada item forjado por nós mesmos, já que esse é o ponto central para a progressão na árvore de habilidades.
Isso porque cada nova habilidade a ser desbloqueada – como maior dano com ataques rápidos, maior recuperação de energia (a boa e velha estamina), ou ou aumento da barra de vida da protagonista – depende de alguma experiência específica com cada arma. Assim, será necessário vencer alguns inimigos com a Lança Alada, por exemplo, para atingir a vivência necessária e liberar o ponto de habilidade vinculada a ela. Inevitavelmente, portanto, será necessário sempre sair da zona de conforto, forjar todas as armas (ou ao menos aquelas que tem ligação com as virtudes que queremos melhorar), utilizá-las em combate e assim seguir adiante. Algumas, como floretes, por exemplo, não são das minhas favoritas, mas foi necessário me virar com elas em algum momento por conta desta amarração.
Para além desta árvore mais pautada em estatísticas gerais, estão os poderes especiais que aprendemos quando derrotamos chefes que, a bem da verdade, são revividos só para que possamos acabar com eles, o que, pensando bem, é meio cruel. São características únicas, a maioria delas útil inclusive para que possamos progredir na história já que permitem que passemos por algo impossível antes, mas que podem ser traiçoeiras quando na peleja. Uma das mais marcantes, que nos ajuda a teletransportar para algum ponto de interesse, também permite que ataquemos um inimigo distante, mas todas as vezes que utilizei, meu ataque foi pouco sentido e eu acabei apanhando mais do que batendo. Outras são ótimas até que parem de funcionar contra inimigos mais parrudos, então é um ciclo de continuidade, mas também de ganhas e perdas e constantes.
Enquanto jogava, fiquei o tempo todo em dúvida se esse sistema de progressão via árvore e com habilidades novas era ou não algo bom. Ao final, de posse de quase todos os equipamentos e capacidades especiais e tendo passado pelo menos alguns minutos me aproveitando de cada um deles, me senti pleno por ter tido a experiência quase que forçada com tudo, inclusive para depois ter mais subsídios para eleger o meu set favorito para enfrentar chefões e hordas mais complicadas na parte final. O conjunto da obra, assim, me deixou relativamente satisfeito por me proporcionar, de forma conduzida e com poucas alternativas, um olhar mais abrangente das lâminas disponíveis, e de quebra permitiu que de forma equilibrada e sem atalhos, eu tivesse uma progressão contínua e constante de poder e experiência para lidar com a cada vez mais crescente complicação do game. Se não é fácil, o jogo segue bem o princípio de dar os subsídios que eu preciso para superar o que vem pela frente.
Essa acessibilidade também pode ser representada pelos padrões de ataque inimigos, bem destacados por um sistema de cores: quando ele brilha em azul, pode ser aparado com a lâmina desde que usemos o comando na janela correta (o que, particularmente, eu demorei para naturalizar, mas que depois foi bem útil); e quando brilham em vermelho, a defesa é impossível e resta a esquiva precisa. Errar é um problema grave e quase nunca há espaço para recuperação. Exatamente por isso, o pior defeito do combate, a trava de alvo, é ainda mais irritante. Primeiro porque ela muda sem qualquer explicação quando estamos diante múltiplos oponentes. Não foram raras as vezes onde a câmera girou para o outro inimigo no meio de um combo, fazendo com que eu sofresse ataque de ambos. Isso sem contar as vezes onde isso ocorre sem motivos, com o foco sendo automaticamente alterado para um agressor distante e fora de combate.
Stray Blade compila uma série de ótimas referências no que se refere ao combate, sem contudo tentar sofisticar demais um modelo já sedimentado e, ao contrário, simplifica didaticamente algumas coisas. Seu aprofundamento se dá pela diversidade de equipamentos, cada qual com sua distância e timing de ataques rápidos e fortes, e pela forma como sua árvore de habilidades incentiva que se utilize cada um deles em pelo menos um trecho da campanha. Porém, a instabilidade da fixação em inimigos múltiplos acaba avacalhando as boas intenções dispostas no sistema, nos fazendo brigar, em muitos casos, não com os adversários, mas sim com o jogo, perdendo todo o sentido e os ganhos com essas boas intenções. Simplesmente desconfortável, resultando em várias mortes desnecessárias.
Esta constante de vida e morte, porém, não será trilhada de forma solitária e, diferente de outros exemplos mais célebres do formato, temos um companheiro para compartilhar informações e que funciona, narrativamente, como aquele guia que nos vocaliza todo o contexto do que está acontecendo, favorecendo uma melhor compreensão do enredo para nossa protagonista – no meu caso, escolhi uma Farren mulher – e principalmente para nós, jogadores. Não há uma profusão de documentos ou outros arquivos de texto que nos localizem naquele mundo, e são os diálogos constantes, que marcam a passagem entre missões primárias, que entrelaçam a história do jogo. Não que haja aqui uma elaboração inovadora ou sofisticada e, evitando spoilers, não será muito diferente da heroína improvável superando a desconfiança e salvando todo um reino da corrupção, mas funciona, para a proposta da obra, ter esse amigo improvável e inseparável pontuando cada evento.
Sua função não é, contudo, meramente narrativa e ele está lá para justificar uma estranha imortalidade de nossa guerreira. Cada vez que caímos em batalha, somos ressuscitados por esse companheiro, um animal antropomórfico chamado Boji, no último checkpoint marcado que passamos, o que significa que a morte aqui não é só uma forma de voltar e repetir aquilo que já se tinha avançado, mas parte da própria jornada. Na teoria, não muda nada, já que basicamente morremos e retomamos do último ponto de checagem, mas na prática, ser revivido significa que aquilo que já fizemos se mantém feito. Inimigos vencidos não tem respawn, itens coletados ou forjados antes de morrermos continuam conosco e tudo o que foi feito não se perde. Em outras palavras, o elemento punitivo tão celebrado em jogos soulslike é bem amenizado em Stray Blade. A inconveniência de morrer é… morrer, e no máximo ter que andar até aquele que te matou para desafiá-lo novamente.
A terceira função de Boji é também o auxílio no combate. Ele não é dos mais poderosos fisicamente, mas tem capacidades mágicas muito úteis para momentos de aperto. Seu golpe pode ser acionado a qualquer momento, precisa ser utilizado com extremo cuidado porque demora a recarregar, mas é bem funcional. O personagem tem ainda sua própria árvore de habilidades que nos oferecem benefícios passivos e outras melhorias, além de nos ajudar a encontrar o caminho quando nos vemos perdidos ou soltos na exploração, e ainda abre portões e outros trajetos selados por magia. Somando suas funções diversas, Boji atua bastante para nos dar todo o respaldo para que façamos o nosso trabalho: vencer os inimigos e atravessar esse belíssimo vale cheio de perigos.
Belíssimo e encantador, devo acrescentar. Acrea, o mundo de Stray Blade, não tem quaisquer receios de se utilizar de cores saturadas, contrastes impactantes e formas ousadas. A vegetação é abundante e saudável abusando de tons de verde dos mais diversos, as corredeiras são potentes e a luz do dia é resplandecente, alternando-se com um luar generoso e nada sutil. O contraste com cavernas e catacumbas não chega a destoar do clima mais leve que o game imprime, e construções, estas magníficas e pouco modestas até pela natureza de quem as fez (outra informação que vai sendo revelada conforme avançamos) também dão um charme especial aos mistérios que a trama guarda para a parte final. Stray Blade é surpreendentemente ousado e encantador, fugindo do lugar comum e buscando se distanciar de suas inspirações para se mostrar único.
Bonito sim, mas inconstante no que se refere a atratividade. Mesmo que se configure como um típico RPG de ação, Stray Blade é relativamente bem linear e pouco convidativo à exploração de um mundo aberto, com alguns caminhos alternativos, passagens labirínticas e, mais tarde, atalhos e viagens rápidas. Seguir direto para o objetivo principal é uma escolha possível, mas que deixa tudo ainda mais complicado, e explorar possibilidades nos coloca frente a frente com mais inimigos – alguns bem incômodos – e principalmente itens como diagramas de forja, materiais de construção e suprimentos de suporte. Se somarmos tudo isso ao conceito de progressão vinculada a armas, fica fácil compreender que os caminhos optativos são, na verdade, senão obrigatórios, ao menos altamente recomendados. O problema é que exceto pelo óbvio loot de recursos, há pouco o que se aproveitar nessa exploração complementar.
Sem documentos a serem encontrados ou NPCs com quem conversar, sobra muito pouco o que se aproveitar disso tudo. É basicamente uma forma de preencher lacunas e engordar a campanha que, por si só, também oferece muito pouco de descoberta e deslumbramento. O level design, por sua vez, também é um tanto quanto confuso e sofre muito com esse mundo pouco preenchido, e o que sobra são basicamente corredores e escaladas dispostos de forma labiríntica do começo ao fim, inclusive porque traz uma forte característica de backtracking em certas passagens. Se o mapa do jogo sem recursos de topografia é quase inútil a não ser para indicar minimamente a direção do objetivo e a bússola só ajuda quando há um direcionamento explícito de onde ir (Boji por vezes é claro ao nos mandar seguir para o norte e coisas do tipo), temos um conjunto que pode até ser visualmente instigante, mas pouco inspirador como cenário da aventura.
Há pontos positivos na composição dos inimigos, inicialmente bem diversificados e divididos entre soldados hostis de diferentes patentes e bestas de diferentes tamanhos e formas, incluindo as onipresentes aranhas gigantes. À exceção dos chefes, porém, não demora para que esses tipos comecem a se repetir a exaustão, mudando um elemento visual aqui e outro ali, mas se mantendo sempre os mesmos até o fim. Tirando uma ou outra adição bem-vinda na parte final, basicamente passamos o jogo enfrentando os mesmos adversários que já conhecemos lá na introdução, o que ajuda no que se refere ao padrão de ataque e de janela de abertura, mas incomoda ao trazer muito pouco com o que se surpreender depois de um certo tempo. Além disso, se há guardas em instalações minimamente militares, alguns inimigos parecem surgir aleatoriamente sem muito motivo, só sendo espalhados mesmo pelo cenários. Alguns estão em algum canto, ou no topo de uma colina só por estarem lá, sem muito contexto. Um detalhe bobo, eu sei, mas que causa estranhamento.
Como conjunto, Stray Blade responde equilibradamente à expectativas e preocupações. O jogo funciona bem quando propõe exploração, mas oferece um mundo pouco atraente para justifica-la. Não por ser feio, ao contrário, gosto muito do uso corajoso de cores vibrantes e da composição visual sólida, mas porque não consegue oferecer pontos de interesse que realmente tragam uma narrativa emergente por si, restando ao discurso por vezes prolixo e excessivamente protocolar a motivação para seguir adiante. Por sua vez, o sistema de combate baseado em uma versão mais direta do que aprendemos a amar com jogos do gênero é arranhado por um modelo de trava de alvo tenebroso e pela repetição pouco contextualizada de inimigos e padrões. Se pode ser considerado uma boa porta de entrada para os interessados em soulslike (até porque tem opção de dificuldade para mais e para menos), também fica aquém, em todos os aspectos, daqueles que o inspiram.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela 505 Games.
Veredito
Não há dúvidas de que Stray Blade consegue se apropriar bem das mecânicas que tem se popularizado nos últimos anos e faz isso em um jogo que se preocupa com a narrativa e com um visual mais leve e fantasioso que o padrão. Mas algumas falhas no desenho de combate e de exploração acabam minando algumas de suas melhores ideias, o que não tira seus méritos, mas infelizmente ofusca a experiência como um todo.
Stray Blade
Fabricante: Point Blank Games
Plataforma: PS5
Gênero: RPG / Ação
Distribuidora: 505 Games
Lançamento: 20/04/2023
Dublado: Não
Legendado: Sim
Troféus: Sim (inclusive Platina)
Veredict
There is no doubt that Stray Blade manages to appropriate well the mechanics that have become popular in recent years and it does so in a game that is concerned with its narrative and its fantasy look. But some flaws in the combat and exploration design end up undermining some of its best ideas, which doesn’t take away its merits, but unfortunately overshadows the experience as a whole.