Não sei explicar exatamente quais são os motivos que fazem com que jogos de simulação que abordem o gerenciamento de fazendas e áreas agrícolas sejam tão populares no mundo todo. A busca pela fuga da agitação da nossa vida urbana? A satisfação de gerenciar algo que se torne sustentável, talvez? Ou simplesmente os mecanismos que tornam os potencialmente infinitos ciclos de dia e noite nos deixam tão hipnotizados que é impossível não se apaixonar por aquilo que estamos construindo um pouquinho a cada dia? Essa resposta eu ficarei devendo, mas é inegável que esse tipo de jogo é absolutamente hipnotizante.
Também é fato que ao falar sobre Story of Seasons: Pioneers of Olive Town, uma entrada paralela desta que é uma das maiores franquias do gênero (senão a principal delas, considerando o legado de Harvest Moon), é impossível não me questionar porque este é um dos sub-gêneros que mais me segura com o controle em mãos, que mais me provoca a viver aqueles famosos cinco minutinhos a mais que se tornam horas madrugada adentro. Não raras foram as vezes que me peguei fazendo contas pra ver se daria para passar mais um dia cuidando do meu cantinho sem comprometer o despertador no dia seguinte. E fracassei em várias dessas ocasiões.
Aqui no site, já falei sobre Deadcraft, que mistura mecânicas de cultivo com jogos pós-apocalípticos de zumbis; de Sakuna: Of Rice and Ruin, que alterna uma vida pacata no campo com altas doses de pancadaria; e de Monster Harvest, que pode parecer mais um jogo de batalhas de monstrinhos, mas que nos faz cultivá-los ao invés de capturá-los. Em cada uma dessas experiências (sem contar outras que vivi por conta) o conceito de agenciamento sempre se mostra fundamental em estabelecer um projeto de fidelização do jogador, um contrato velado de dedicação sem prazo para terminar. (In)felizmente, nesta primeira vez que analiso aqui um jogo mais raiz – peço desculpas pelo trocadilho infame – a sensação foi a mesma, a de não querer largar aquele mundo mesmo sem qualquer artifício de urgência.
Story of Seasons: Pioneers of Olive Town oferece tudo o que esse tipo de produção promete. Ao nos apresentar como um (ou uma) herdeiro(a) de uma fazenda mal cuidada, a qual está em nossa família há gerações, temos um típico plot narrativo do estrangeiro deslocado, que nos coloca sem muitos recursos ou habilidades para cuidar de uma verdadeira porção abandonada de terra, em uma cidade com a qual sequer temos qualquer relação de proximidade. E se não bastasse ter que resolver esse grande problema pessoal, o prefeito da cidade – cá entre nós, uma das pessoas mais carentes que já vi na vida – ainda nos delega, no primeiro dia de amizade, a responsabilidade de resgatar o interesse turístico na pacata e modorrenta cidade de Olive Town.
Não demora para que estejamos arando a terra e limpando o terreno eliminando árvores, pedras e mato que crescem desenfreadamente pela propriedade. De posse de ferramentas específicas, temos um ciclo diário (que na vida real não ultrapassa os 15 minutinhos) de trabalho árduo que consome sem dó a nossa energia, a qual podemos recuperar integralmente com uma boa e merecida noite de sono. Ao trocar os recursos acumulados por dinheiro, finalmente temos a chance de começar a construir algo: plantar, regar diariamente e colher quando estiver tudo maduro para aí sim vender para a cidade, conseguir mais dinheiro para plantar mais coisas e… bem, já deu pra entender a rotina básica do game.
Para além disso, aos poucos vamos conquistando a capacidade – e os materiais – para melhorarmos nossas instalações e diversificar nossas tarefas, como explorar minas subterrâneas atrás de metais e pedras preciosas, ajeitar currais e celeiros para criação de animais, e construir máquinas de beneficiamento dos nossos insumos agrícolas. Afinal, como bem lembramos da nossa quinta série, comercializar produtos manufaturados com valor agregado vale muito mais do que matéria-prima. Além disso, Story of Seasons: Pioneers of Olive Town (ou simplesmente SoS:PoOT) incentiva esse grind de recursos para que desbloqueemos novas expansões e melhorias para nossa querida fazenda.
Com tudo isso, mesmo na vida bucólica do campo, não faltam atividades para nos manter ocupados durante todo o dia, o que significa gerenciar com muita atenção nossa energia para que ela não acabe antes do sol se por. O início da jornada é um tanto quanto lento exatamente porque temos poucos instrumentos de automação de tarefas diárias, além de ferramentas rudimentares que exigem mais esforço para coisas corriqueiras. Enquanto progredimos, entretanto, nos tornamos mais produtivos ao multiplicar fontes de recursos sem que isso despenda de tempo, força ou dedicação direcionada. Afinal, temos mais do que os afazeres da fazenda pra cuidar.
A vida social em Olive Town não é, porém, das mais densas que a franquia já nos ofereceu. A cidade, sobretudo a área comercial, começa já com uma quantidade interessante de gente (cumprindo de forma protocolar e esquemática um princípio de diversidade) e de tipos de comércio que nos oferecem os recursos necessários para alcançar nossos objetivos, sejam eles auto-definidos, sejam os que são demandas externas para contribuirmos para a nossa comunidade. Infelizmente, nossa colaboração é muito mais burocrática do que poderia ser, e nos cabe basicamente fornecer uma certa quantidade de coisas conforme missões listadas que podem ser encontradas no hall principal da câmara municipal.
A promoção do turismo, aliás, nos faz questionar o papel de todos os demais moradores, já que diferente de outros games onde somos, digamos, especiais, todas as demandas parecem muito exequíveis por qualquer outro cidadão, e muito provavelmente com mais capacidade produtiva do que nós. Além disso, pavimentar ruas ou melhorar a iluminação das vias públicas não deveria ser exatamente uma tarefa do fazendeiro local, certo? Bem, não vou aqui questionar as funções realistas de um administrador público, mas é evidente que a troca de recursos para a cidade por dinheiro acaba sendo um modo bastante raso de forçar uma relação de comunidade que, na prática, pouco influencia o nosso entorno, o nosso dia-a-dia. Um pouco melhor é a possibilidade de encontrarmos itens raros para expor no museu e em outros espaços.
Nossos vizinhos também não são lá um poço de simpatia e todos os diálogos, por mais que busquem sempre estabelecer uma afeição a cada nova conversa, adicionam pouco à relação e ao contexto geral do lugar. É possível presenteá-los (tanto faz ser com flores ou pedras comuns, eles gostam do mesmo jeito), e abrir novas opções de diálogo, o que favorece o estabelecimento de vínculos e até de relações amorosas, algo já bem tradicional da série. Entretanto, a sensação é que tudo parece protocolar demais e cumpre uma função fria e sem quaisquer incentivos para variar nossa experiência no jogo. Para ser sincero, não fosse a importância disso no design do jogo, eu mal sairia da fazenda, a não ser para comprar coisas para melhorá-la.
Na outra ponta, estão aqueles que realmente brilham na produção, os animais da fazenda. Não só galinhas e vacas, que são emocionalmente muito exigentes conosco e precisam de um carinho especial, mas também a escolha de ter um pet de estimação, que se não tem nenhuma função direta, são fofos o suficiente para que decidamos gastar nosso rico dinheirinho para tê-los ao nosso lado. Jogar SoS:PoOT em paralelo com Stray também contribuiu para o sentimento de proximidade com um bichinho, que será um fiel companheiro para dias solitários enquanto cuidamos de cebolas e cortamos árvores e arbustos que teimam em voltar crescer.
As místicas e encantadoras criaturas conhecidas com Earth Sprites (que podemos chamar de Espíritos da Terra em uma tradução bem livre) também se fazem presentes no game. Ao encontrar alguns deles escondidos enquanto exploramos nosso terreno, somos convidados a visitá-los em sua própria vila e, numa relação pautada por muita troca de presentes, construir uma reciprocidade muito mais genuína do que a com os humanos. Pode ser que eu esteja pessoalmente desencantado com pessoas de verdade? É provável. Mas não tenho dúvidas de que estava sempre mais impelido a visitar meus amigos peludos do que dar uma volta pela cidade, mesmo que na prática tenha muito menos o que fazer por lá.
Há outros elementos que também tem pouco efeito direto na equação estão presentes e funcionam muito mais como recursos que favorecem uma narrativa emergente do que mudanças reais no gameplay. Cozinhar, por exemplo, experimentando novas receitas e pratos mais elaborados pode nos dar um pequeno acréscimo na barra de energia para completarmos uma tarefa que começamos, mas o impacto dessas refeições é aquém do trabalho que elas dão para serem produzidas e transportadas, já que o inventário, não importa o quanto aumentarmos sua capacidade, é sempre insuficiente para quem gosta de explorar. Ainda assim, cozinhar é sempre algo bom de se fazer depois de chegar em casa, tomar aquele banho revigorante e apreciar nossa morada cada vez mais aconchegante e decorada.
Por falar nesse quesito estético, Pioneers of Olive Town não foge muito do que já vimos antes na marca Story of Seasons, nem para o bem, nem para o mal. São gráficos muito limpos e sem quaisquer complicadores, o que favorece um desempenho bastante sólido, sobretudo rodando no Playstation 5, e considerando que ele foi idealizado para plataformas menos potentes, é mais do que esperado que ele rode sem dificuldades. Efeitos de terreno e de água são bem convincentes compreendendo o estilo artístico adotado, e o tom cartunesco é certeiro ao nos apresentar animais cheios de personalidade e uma variedade até surpreendente de cenários dado o escopo limitado da ambientação.
Já os modelos humanos são, mais uma vez, um ponto de menor destaque, oferecendo movimentações robóticas e expressividade limitada. Também não contribui o fato da inteligência artificial ser simples demais – caminhadas a esmo sem qualquer objetivo é só o jeito mais bobo de reparar nisso – além de um texto menos inspirado do que em outras entradas da franquia. As possibilidades de customização do nosso personagem são até bem generosas, algo que se potencializa ao longo da campanha quando se abrem as oportunidades de novas roupas, e isso favorece nosso boneco, mas pouco faz por uma comunidade que mesmo jurando que quer mais agitação, carece de ânimo e de personalidade.
A trilha sonora não erra, porém. Ainda que não traga nenhuma canção marcante ou qualquer efeito mais ousado para a receita padrão do gênero, a mixagem é confortável e relaxante, combinando perfeitamente com o clima ameno da produção. A densidade das atividades do jogo depende do ímpeto do jogador em abrir novas frentes o quanto antes, mas o ritmo se mantém sempre sereno graças principalmente a uma ambientação calma e solar. Por vezes, esse senso de pouca ação pode desagradar jogadores que não querem ou não estão acostumados a dinâmicas cíclicas como esta, o que significa que não é esse jogo que irá convencer aqueles que torcem o nariz para o gênero a mudarem de ideia.
Ao mesmo tempo, Story of Seasons: Pioneers of Olive Town se mostra uma bela porta de entrada para novatos curiosos, porque além de ser tradicional em termos de formato, também é bastante convidativo ao não se pautar no conceito de punição seja qual for o deslize do jogador. Você pode, por exemplo, investir pesado em algo que não esteja precisando naquele momento e ficar sem dinheiro para coisas mais imediatas, mas isso não chega a ser um problema em si, já que no máximo terá que trabalhar por mais tempo até recuperar o poder de compra. Ao contrário de outros jogos de gerenciamento, não há aqui um efeito cascata onde um equívoco leva a outros problemas mais sérios. Mesmo na dificuldade padrão, o jogo é responsivo e valoriza as escolhas como parte do caminho. As vezes, algo pode demorar mais por conta disso, mas essa é a parte intrínseca da aprendizagem.
Outro ponto divisivo da produção é que ele é bastante exigente quanto à demanda de materiais para confecção de outros, algo que escala bastante depois de algumas dezenas de horas. Alguns pré-requisitos nem sempre fazem qualquer sentido, como alguém querer uma quantidade enorme de barras de prata para, sei lá, arrumar uma ponte ou melhorar um estábulo. Por vezes, isso torna a rotina um tanto repetitiva para além do que se espera, e a estação pode se tornar maçante, com pouca sensação de progresso. Claro que, fazendo tantas coisas em paralelo, serão poucos os momentos onde nada avança, mas ficar estagnado em um ponto que precisa ser aberto para que outras tantas coisas fiquem disponíveis pode cansar os menos pacientes.
Como um todo, Story of Seasons: Pioneers of Olive Town não é dos jogos mais inovadores para quem já se habitou ao sistema de progressão em ciclos. Do cultivo à obtenção de outros recursos naturais, do comércio à exploração, tudo funciona como já vimos em tantas outras obras similares. Ao não tentar reinventar a roda, o jogo se mostra confortável para atender o nicho ao qual se dedica, mas avança pouco no que tange o aspecto criativo e pode se mostrar um “mais do mesmo” para quem procura por um respiro novo no formato. Se visualmente não impressiona nem os menos exigentes, traz aquele carisma familiar que transborda leveza e tranquilidade, mesmo que os NPCs não consigam traduzir essa carinho nem no texto (infelizmente não localizado para o português), nem no comportamento.
Mesmo com alguns senões, o game ainda consegue ser cativante ao oferecer uma gama de possibilidades de produção impressionante, e a cada novo espaço aberto, a coisa toda se amplifica, garantindo uma renovação do interesse. Poucas coisas (ok, nem tão poucas assim) no mundo dos games parecem tão satisfatórias quanto um canteiro de cebolas pronto para a colheita, e nada melhor que um dia que começa com a barra de energia cheia para que estejamos dispostos a gastá-la sem dó cortando tocos ou quebrando minérios. Se os motivos que tornam essas coisas mundanas tão cativantes nos jogos ainda me são um mistério, que eu me entregue a eles, ao menos até o sono bater ou o dia do lado de fora clarear.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela XSEED Games.
Veredito
Story of Seasons: Pioneers of Olive Town não é exatamente um exemplo de inovação dentro do gênero de cultivo e gerenciamento agrícola, mas sintetiza com muita fofura todas as principais qualidades da franquia de modo encantador e viciante.
Veredict
Story of Seasons: Pioneers of Olive Town is not exactly an example of innovation within the farming management genre, but it beautifully summarizes all the main qualities of the franchise in a charming and addictive way.