Desajeitado, esquisito, nonsense e, em alguns momentos, constrangedor. Os adjetivos que podem espelhar um pouco da personalidade caótica de Patrick Estrela (ou Patrick Star para os mais puristas), um dos personagens secundários mais amados da franquia Bob Esponja, também se enquadram perfeitamente no primeiro jogo dedicado exclusivamente a ele. É estranho pensar que, ao longo do tempo que passei com o game, estava em dúvida se estava adorando ou achando horroroso, assim mesmo, sem meios termos. Intencionalmente ou não, essa parece ser a única forma de transpor essa estrela-do-mar rosa com samba-canção para os videogames.
Bob Esponja: O Jogo do Patrick Estrela, título oficial para o nosso português brasileiro do original SpongeBob SquarePants: The Patrick Star Game, é basicamente uma experiência sandbox localizada na lendária Fenda do Biquíni, lar do nosso intrépido herói e de seus amigos, dotado de missões principais, sem uma linha narrativa propriamente dita, que consistem na ajuda a algum personagem mais conhecido; missões secundárias complementares; e proezas, que basicamente são marcos opcionais a serem alcançados durante as perambulações de Patrick. Em outras palavras, diferente das iterações anteriores neste universo, não há fases ou tarefas lineares, mas sim uma série de pequenos favores que vão se encadeando e dando motivação para a exploração livre, descompromissada e sem pressa pelo mundo.
Claramente inspirado por experiências descompromissadas como a inexplicavelmente viciante série Goat Simulator, o game traz algumas mecânicas um pouco confusas e cheias de variáveis imprecisas que propositalmente (ou não) tornam os controles bastante bagunçados. É possível, por exemplo, agarrar muitos objetos espalhados pelos cenários, como mesas, bolas de basquete, trampolins, rádios de pilha ou redes de vôlei, dentre outros tantos, e usá-los para empurrar pessoas, acionar dispositivos ou simplesmente transportá-los para algum lugar apropriado.
Esta manipulação de tralhas é das ações mais problemáticas do jogo, se tornando bastante difícil, por exemplo, posicionar um item de forma minimamente adequada. Coisas roteirizadas, como balões e itens de arremesso, como cocos e coisas assim, são mais automatizados e não oferecem muita variação daquilo que podemos fazer com aquilo, e outros com propósito específico, como clarinetes e bombas de confete também são mais fáceis de se manipular. Mas a quinquilharia que fica em um limbo de utilização acaba sendo ora irritante, ora bizarramente engraçado.
Não ajuda o fato de termos um universo bastante instável, com problemas graves de colisão entre objetos e ambiente. As coisas simplesmente enroscam dentro umas das outras ou do chão, e mesmo que usássemos a desculpa de estarmos sobre a areia, isso não explica a mistura com paredes de pedra, árvores e outros materiais duros. Toda a construção tridimensional do jogo é bastante crua, quase primária, e prejudica demais o resultado final porque para além da bizarrice esperada, acaba influenciando diretamente nas ações que se quer fazer. A liberdade se baliza pela imprecisão da interação entre as coisas.
Por outro lado, a variedade daquilo que pode ser feito é algo a ser celebrado. Pegar um carro na rua e simplesmente assumir uma missão de entrega de comida; encontrar uma bisnaga de tinta e sair atirando por aí ou simplesmente usar o rodo adquirido em um favor para o Lula Molusco para descer a porrada nesta pacífica vizinhança são só algumas possibilidades que surgem ao acaso. Muitas das melhores coisas a serem feitas derivam destes objetivos principais, mas várias podem ser descobertas antes pela pura curiosidade de ir lá e ver no que dá. Este comportamento errático dá diversidade ao gameplay e ameniza a falta de precisão ou refinamento.
A inspiração no jogo da cabrinha é tão direta que você vai encontrar até as mesmas características, só que mapeadas de formas diferentes no controle. É possível inclusive desmontar o personagem, que aqui funciona cenograficamente com um sintoma quase narcoléptico. Ao toque de um botão, podemos dormir (e acordar) a qualquer momento e em qualquer lugar, caindo no chão como uma massa rosada imobilizada que pode sair rolando no melhor estilo Kung Fu Panda 3, o que inclusive aumenta a velocidade de locomoção quando em ladeiras mais acentuadas ou o dano quando estamos segurando algum item maluco. Somado aos já citados movimentos de pegar, arremessar e atirar coisas, além do de pular e escalar, e o de dirigir, o resultado é poder brincar bastante só pelo simples prazer de fazer nada com coisa alguma.
O aspecto audiovisual é outro que contribui para essa percepção meio desfocada do jogo, e mesmo com modelos 3D bem representativos das animações tradicionais, algo que parece herança do que já foi feito nos jogos protagonizados pelo personagem principal, tudo parece limitado demais. Os diálogos contam com vozes e interpretações que valorizam a identificação rápida de quem já conhece a marca, mas a expressividade de cada habitante do local carece de um pouco mais de atenção, resultando em emoções muito melhor percebidas pelo som (original em inglês) do que pela imagem.
Isso não significa que destoe das principais características do que já conhecemos do mundo representado, porque não faltam cores e formas intensas que conseguem imprimir uma certa materialização de coisas que vemos fragmentadas na TV. À exceção de alguns espaços melhor definidos geograficamente, o desenho animado sempre pareceu com Os Simpsons em termos de maleabilidade dos caminhos e da localização dos pontos de interesse. Aqui, tudo faz mais sentido, e fica fácil compreender a distância e o trajeto exato entre, por exemplo, a pedra que Patrick chama de lar e o restaurante Siri Cascudo ou então a autoescola da Senhora Puff.
Falando nos locais mais icônicos da série, inevitável citar uma vez mais que o elenco está praticamente completo, e será possível atender os pedidos mais esdrúxulos de todos os melhores amigos. De saltos impossíveis com um paraquedas (ou um simpático guarda-chuvas) proposto pela Sandy à limpeza de pessoas indesejáveis na praia do Lula Molusco, tudo é uma verdadeira aventura farofeira com o Patrick. O cardápio de atividades envolve ainda perseguições policiais, coleta de colecionáveis perdidos, brincadeiras insanas no parquinho infantil e uma lista de sandices que seriam mais proveitosas não fossem as imprecisões de controles.
A câmera do jogo é outro grande entrave, principalmente em tarefas mais apertadas em cantinhos ou bordas. Um movimento em falso e a perspectiva se perde, o que poderia irritar não fossem as missões pensadas para um público mais jovem e mais casual. Soma-se alguns probleminhas com a física que por vezes nos deixam enroscados em cantos e quinas, e há certas arestas que se provam grosseiras para olhos mais exigentes, mas que, por outro lado, são ainda mais engraçados quando levados tão a sério quanto se deveria. Bob Esponja: O Jogo do Patrick Estrela é nada mais do que um brinquedo infantil daqueles mequetrefes comprados em um ambulante, cheio de rebarbas, mas que as crianças continuam adorando inclusive pelos defeitos.
Falando no público-alvo, esta é uma questão essencial para se aproveitar o jogo, porque os adultos que acompanharam o personagem lá em suas primeiras exibições no Brasil certamente vão encontrar aqui um elemento nostálgico pela temática, mas dificilmente irão extrair dele algo interessante a menos que ao lado de uma criança, a se lamentar a ausência da dublagem icônica brasileira e a localização somente por textos e legendas. Andar de montanha-russa com cara assustada, usar uma roupinha clássica da TV ou sair arrotando na cara dos outros é o tipo de humor físico pastelão que possivelmente não vai agradar os mais crescidinhos que se levarem a sério demais.
Para quem poderia esperar mais um jogo de plataforma mais tradicional no estilo Cosmic Shake, posso dizer que esta caixa de areia inofensiva, sem muitos perigos e totalmente permissivo, parece agora uma escolha tão óbvia quanto coerente para um jogo estrelado (trocadilho intencional) pelo mais despreocupado dos amigos do Calça-Quadrada. Fossem outros os protagonistas, tudo pareceria muito artificial, mas o Patrick se encaixa bem com o estilo e agora é impossível não pensar que sair correndo por aí arremessando banheiros químicos na cara de crianças em um parque de diversões é só mais um dia na vida do sujeito.
Esta sensação de liberdade anárquica só é diminuída exatamente quando escolhemos seguir realizando as tais missões para os amigos, porque algumas delas acabam se tornando excessivamente repetitivas e pouco inventivas, mudando cenários, talvez alguma variável mais simples, mas jamais saindo daquilo que aprendemos da primeira vez. Não à toa, o próprio jogo, vez ou outra, exibe uma mensagem na tela sugerindo dar uma pausa nas tarefas para explorar o mundo, reconhecendo que em sequência, elas podem se tornar cansativas. Curiosamente, portanto, fazer as missões determinadas acaba tirando a essência da diversão do próprio jogo em um movimento de auto sabotagem.
Bob Esponja: O Jogo do Patrick Estrela, com sua jogabilidade simples e seu jeito bobalhão, consegue se provar uma bela surpresa voltada a um público pouco dedicado a histórias mais complexas ou narrativas estruturadas. É meio estabanado, tem problemas bastante significativos quanto à colisão, câmera, física e comandos imprecisos, mas tais pontos negativos caem por terra na primeira arrotada que se dá na cara de um bombeiro distraído como se fosse a maior contravenção do mundo. Easter eggs e referências escondidas são um deleite para os fãs de longa data, mas são os pequenos que vão se divertir com o humor fácil do game.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Outright Games.
Veredito
Vibrante e bobo, Bob Esponja: O Jogo do Patrick Estrela é despretensioso e, por vezes, desleixado, mas abraça o caos inocente de um personagem tão querido quanto o protagonista da franquia. O título dá liberdade para o jogador fazer uma verdadeira bagunça inconsequente pela Fenda do Biquíni, sobretudo se for uma criança criativa.
Bob Esponja: O Jogo do Patrick Estrela
Fabricante: Outright Games
Plataforma: PS4 / PS5
Gênero: Aventura / Sandbox
Distribuidora: Outright Games
Lançamento: 04/10/2024
Dublado: Não
Legendado: Sim
Troféus: Sim (inclusive Platina)
Veredict
Vibrant and silly, SpongeBob SquarePants: The Patrick Star Game is unpretentious and sometimes sloppy, but it embraces the innocent chaos of a character as beloved as the franchise’s protagonist. The title gives players the freedom to make a truly reckless mess around Bikini Bottom, especially if they’re a creative kid.