Alguém aqui não conhece Bob Esponja? A série animada de humor nonsense é um dos carros-chefes da Nickelodeon há mais de 20 anos, cativou mais de uma geração, contém subtexto mais complexo do que aparenta e se tornou ícone LGBT.
É um daqueles desenhos animados para crianças que fazem crítica social para adulto entender, como a exploração do trabalhador Bob Esponja, a ganância desonesta do patrão Seu Siriguejo, e o narcisismo sem empatia do vizinho Lula Molusco. Se o show evitou o caminho de uma história cínica e ácida, é porque seu engajamento está menos no ataque às mazelas modernas e mais na resistência a elas pela força da inocência do protagonista.
Bob Esponja é um celeiro de boa vontade e otimismo. Ele não se constrange em ser o que é: autêntico e aberto, mesmo que pareça bobo, brega, emotivo e extravagante. A visão de mundo da esponja amarela enxerga o que há de melhor nos outros. A amizade e a imaginação são como vacinas contra o desencantamento que o cerca.
Amizade e imaginação são justamente os temas do mais novo jogo do herói marítimo, SpongeBob SquarePants: The Comic Shake. Ele e seu melhor amigo Patrick vão até um parque temático, conhecem a sereia mística Kassandra e recebem o recipiente das Lágrimas da Sereia, que concede desejos. Depois disso, os problemas começam e vou deixar o próprio Bob Esponja explicar:
“Hmm… não seria porque a gente brincou com bolhas mágicas, rompeu o véu da realidade, criou um caos cósmico e colocou toda a Fenda do Biquíni em perigo?”
O protagonista extrapola nos desejos, mas todos eles são altruístas e os principais foram balões para Patrick, reconhecimento para a esquila carateca Sandy e apreciação para a arte de Lula Molusco. As realidades dos desejos colidiram e criaram um multiverso. É, tá na moda.
Lula Molusco se torna um famoso diretor tirânico de filmes de ação, Sandy vira uma estrela do caratê e Patrick é transformado em balão fluante que acompanha Bob Esponja em toda a aventura através de mundos de faroeste, piratas, pré-história, castelo e outros.
Ok, esses são cenários clichês de jogos de plataforma, mas não senti como um mero mais do mesmo preguiçoso porque cada cantinho é acentuado pela identidade do desenho animado com muitas cores, absurdos, piadas, peixes falantes e pastelão. Patrick conversa com Bob Esponja o tempo inteiro, o que faz com que cada momento pareça uma parte da história em vez de apenas uma fase aleatória de vídeo game, ajudando a manter a ilusão de imersão no cartoon. Tem diálogos deliciosamente bobos, como esse:
“Bob Esponja, quem espalhou queijo derretido pelo chão?”
“Isso não é queijo, Patrick, é lava.”
“E fica bom no pão?”
Um quesito certamente merece destaque: TODAS as falas são dubladas, desde as cutscenes até o menor comentário do menor NPC. E o melhor: com o elenco brasileiro do seriado. Sério, além do dublador clássico do Bob Esponja, Wendel Bezerra, mesmo os figurantes sem nome são dublados por vozes que, em sua maioria, já atuaram na animação (sim, eu conferi nos créditos).
E a dublagem original ocorre em 9 idiomas diferentes! Já as legendas estão em 16 línguas. Parabéns à THQ Nordic por esse empenho de representação do show.
Quando encaramos a gameplay, dá para ver que não é um jogo pensado com o desafio em vista. Mesmo que atenda aos saudosistas mais velhos do personagem, Bob Esponja é uma animação produzida ainda hoje e destinada às crianças. O jogo não foge a esse mesmo público alvo, como fica claro por haver um trailer em que crianças explicam a história e dizem o que acharam (leia-se: peça promocional com elogios).
Dessa forma, a dificuldade é bem leniente e repleta de chances. Há muitos checkpoints ao longo de cada mundo e eles funcionam também como ponto de viagem rápida. Tem até outros checkpoints invisíveis a praticamente cada sala, de forma que, quando perde todas as suas cuecas (pontos de vida), você retorna praticamente para o mesmo lugar onde estava, sem qualquer penalidade.
Além disso, quando você tem apenas uma cueca, Patrick entrega uma segunda, garantindo uma sobrevida a mais. A maior parte dos inimigos é derrotada com um único golpe, mas há outros que exigem dois ou, no máximo, três para desaparecer.
A mecânica de mira é automática para os ataques de longa distância, que são a bolha de sabão e o chute de caratê. Isso significa que você não pode usá-los a esmo, mas apenas quando o ícone correspondente aparece acima da cabeça do oponente; basta realizar o golpe e Bob Esponja acerta sozinho, embora o sistema erre às vezes.
A exploração também tem facilidade devido aos marcadores de objetivos que apontam o caminho e são úteis para os momentos de “encontre 5 dessa coisa aqui” (podem ser desativados no menu). Somando tudo isso aos tutoriais ilustrados e à dublagem constante que garantem que até mesmo crianças iletradas entendam o que está acontecendo e o que devem fazer, The Cosmic Shake é um jogo muito acessível para os menores.
Falando em acessibilidade, também há opções de aumentar o tamanho das legendas e o contraste da caixa de texto, além de três filtros de daltonismo com intensidades ajustáveis, cuja eficiência não tenho como verificar.
Calma lá que a falta de desafio não é exatamente um demérito, é apenas parte da identidade do jogo. Eu até acho que poderia haver um “modo difícil” com menos checkpoints, sem mira automática (mas isso provavelmente se tornaria um problema de precisão) e com inimigos um tiquinho mais agressivos e resistentes, mas isso não é algo essencial para aproveitar a jogatina.
A campanha passa por sete mundos e tem a Fenda do Biquíni como hub central. O progresso é todo linear, mas flui bem em fases diferentes e com variedade de gameplay. Na maior parte do tempo o design de níveis alterna entre áreas abertas e caminhos lineares, horizontais e verticais; uma hora estamos cavalgando um cavalo marinho on-rails para desviar de obstáculos ou surfando no ar em uma corrida contra o tempo (tempo leniente, diga-se); em outra, marcamos pontos em uma galeria de tiro; sequências de plataforma estão em cada esquina, é claro, e também as de luta contra as geleias.
Nada da jogabilidade surpreende, mas executa o esperado de um plataforma 3D com eficiência e bom ritmo de adições. Tudo é constantemente permeado por cenas da história e diálogos entre Bob Esponja e Patrick, o que, como já disse, dá aquela sensação de estar jogando um filme da dupla.
Se tenho algo a reclamar, é do baixo incentivo à exploração. Eu disse que as fases tendem à linearidade, mas todas possuem alguns botões que desbloqueiam algum segmento, mas só poderão ser acionados mais tarde, quando você aprender certa habilidade, o que, em tese, te dá motivos para retornar ao local e continuar explorando.
Penso que The Cosmic Shake falha nisso. O jogo não é exatamente um collect-a-thon, mas não foge à essência do gênero de plataforma 3D de espalhar coletáveis pelas fases. Há apenas dois tipos: as geleias, dispersas às centenas em toda parte, e as moedas de ouro, com média de 10 por mundo.
Madame Kassandra diz no começo que precisamos juntar geleia para que ela possa construir fantasias cósmicas que nos permitam acessar novos mundos, mas isso é algo puramente narrativo: ao terminar os objetivos centrais de um mundo, ela abre o próximo portal, independentemente de você ter juntado geleias ou não.
As geleias servem apenas para comprar mais fantasias de propósitos puramente cosméticos, enquanto as moedas desbloqueiam mais fantasias para serem compradas com geleias. O problema é que esses dois elementos são interdependentes, mas evoluem em ritmos diferentes e as moedas formam um gargalo: quando eu obtive moedas suficientes para desbloquear o terceiro quarteto de roupas, já tinha acumulado geleias para comprar o triplo delas, algo que eu só poderia fazer muito adiante, quando tivesse mais moedas para desbloquear fantasias. Assim, logo vi que não precisava me esforçar para conseguir as geleias.
Erro maior: sabe os botões de que falei pouco antes? Eles dão tarefas para ganhar moedas e boa parte só pode ser acessada quase no final do jogo. Assim, ao rejogar algumas fases e ver que sempre sobrava algo bloqueado, depois que terminei a campanha em cerca de 9 horas, não vi motivo para tentar completar o que faltou. Não havia interesse ou recompensa o bastante para isso, embora, talvez, as crianças queiram ver todas as fantasias.
Isso poderia ser facilmente corrigido se apenas usassem o critério básico definido desde Super Mario 64: o progresso entre os mundos depende dos coletáveis obtidos. Ou seja, bastava levar a sério o pedido de Madame Kassandra e estipular um preço para dar ao jogador a responsabilidade de explorar cada fase para além do caminho direto a fim de conquistar o avanço para a seguinte. Aumentando a exploração imediata dessa maneira, as moedas não precisariam ficar trancadas por botões arbitrários até o fim do jogo para dar uma motivação artificial de replay.
Jogo (versão de PS4) analisado no PS5 com código fornecido pela THQ Nordic.
Veredito
A gameplay pouco exigente e agradável se une à narrativa de humor absurdo e à excelente dublagem para fazer de SpongeBob SquarePants: The Cosmic Shake uma campanha divertida e carismática que será apreciada pelas crianças, os fãs dos personagens e qualquer um que goste de um plataforma 3D tranquilo e direto ao ponto. Também pode ser uma boa forma de compartilhar a experiência com os pequenos, seja passando o controle para eles ou apenas assistindo a você jogar.
Veredict
Enjoyable, undemanding gameplay combines with absurdly humorous storytelling and excellent voice acting to make SpongeBob SquarePants: The Cosmic Shake a fun and charismatic campaign that will be enjoyed by kids, fans of the characters, and anyone who enjoys straightfoward 3D platformers. It can also be a great way to share the experience with the little ones, whether it’s passing the controller to them or just having the kids watch you play.