Signalis – Review

Há quem diga que não há mais espaço para jogos como a trilogia original de Resident Evil nos dias de hoje e que o gênero survival horror evoluiu para outras formas mais modernas. Lançamentos recentes, como o limitadíssimo Dawn of Fear (que analisamos aqui no site há algum tempo atrás) parecem corroborar com essa tese de que o mundo mudou, que nós, enquanto jogadores, mudamos, e que exatamente por isso o único valor desses primeiros jogos é o nostálgico. Talvez haja sim algum mérito nestas afirmações, até porque é inegável que estamos em um outro momento histórico e temos leituras muito diferentes das que tínhamos 25, 30 anos atrás. Mas aí vem Signalis.

Explicitamente inspirado nos clássicos jogos que sedimentaram o horror de sobrevivência como um nicho que marcou a história dos videogames, Signalis narra a história de Elster, uma Replika (ou criatura artificial) que se reativa em meio a destroços do que parece ser uma nave espacial à deriva, a qual, descobre-se, estava em uma missão exploratória pelo universo desconhecido. Não demora para que nos descubramos em um ambiente hostil, com uma série de inimigos agressivos que parecem determinados a não nos deixar inteiros. Resta-nos revelar os mistérios que nos trouxeram até aqui enquanto descobrimos uma forma de sair desse lugar, de preferência, inteiros.

A premissa está longe de ser especialmente original – estar sozinho, perdido, em um ambiente fechado e opressivo, com poucos recursos e tentando sobreviver – e faz parte de um resgate nostálgico de um modelo facilmente reconhecível, mas o grande trunfo do game não está no plot, e sim na forma como ele se desenvolve, que desavergonhadamente bebe de outras das melhores fontes da cultura pop. O próprio conceito de replika está diretamente enraizado em Blade Runner e seus replicantes, mas é inevitável não reconhecer inclusive visualmente os seres cibernéticos sencientes de Ghost in the Shell. Acrescente à receita pitadas do terror sci-fi de Alien e Dead Space, e há uma verdadeira salada de grandes inspirações dando substância aos mistérios sombrios que nos aguardam atrás de cada porta.

A soma de boas referências, porém, não é garantia de qualidade, ainda que ao menos indiquem boas intenções por parte dos desenvolvedores. Afinal, obras assim podem se perder nas homenagens e jamais conseguirem construir uma identidade própria. Signalis encontra na estranheza um caminho interessante para ser mais que uma colagem de boas ideias recicladas, e a estética retro-futurista é bem utilizada não para sustos apelativos ou construções artificiais do medo e da tensão, mas para causar incômodo, para se manter perturbador, e assim nos colocar na pele de uma protagonista que ainda está tentando entender quem é e porque, afinal, está ali como a única pessoa que parece manter um fio de sanidade.

A descoberta de documentos, diários e relatos desconjuntados, sejam eles produções de humanos (aqui chamados de gestalts) ou de seres sintéticos como ela, é muito mais do que uma expansão de contexto, já que ele praticamente inexiste na primeira camada. Ler o que se encontra faz parte da própria construção narrativa emergente da obra, que economiza na exposição didática e nos oferece tudo o que dá à sua heroína, que é muito pouco. Por vezes, flashes e outros fragmentos nos dão pistas de uma outra vida, talvez pregressa, mas tal como um sonho, nada faz tanto sentido por si só. O jogo, portanto, evita pegar na nossa mão e delega a nós a responsabilidade de juntar os cacos e tentar fazer com que aquilo faça algum sentido.

A exploração de um ambiente tão opressivo não poderia deixar, claro, de contar com seus percalços e a jornada é recheada de bons mistérios e puzzles tão complicados como há muito tempo eu não via. São dispositivos criativos, mecanismos nem um pouco óbvios que dependem muitas vezes de itens perdidos pelos cantos escuros desta nave, mas que precisam principalmente de uma dose generosa de raciocínio lógico e, claro, paciência. Se somarmos a extrema limitação de nosso inventário para carregar coisas, não sobram dúvidas que aquele planejamento do que levar no bolso para uma nova sala é fundamental.

Isso não significa, felizmente, que estejamos em um ambiente labiríntico só porque sim. Há um desenho de níveis bastante inteligente que sabe aproveitar bem o pouco espaço que tem. Afinal, quando se está solto no espaço profundo é difícil se descobrir, por exemplo, uma instalação secreta no subsolo de uma mansão que expanda o cenário, então há de se destacar que os desenvolvedores usam bem a limitação que há em cada um dos andares exploráveis deste lugar de metal retorcido, escombros e destruição. E se há uma estrutura de compartimentos múltiplos, que bom ter um mapa funcional de verdade, que realmente nos ajuda, até quando podemos contar com ele. Aqui, o simples parece sempre a melhor solução, um típico exemplo de que menos é mais.

Visto de cima, o jogo todo se desenvolve em terceira pessoa, salvo alguns instantes bem pontuais, inserções que podem parecer confusas a princípio, onde a perspectiva muda para a primeira pessoa. Desta forma, a exploração do ambiente se dá por meio de algumas câmeras fixas abertas e, dependendo do tamanho do sala, há um ou outro movimento, mas sempre acompanhando a personagem principal. É possível adotar o sistema de movimentação tank, típico dos jogos de gênero, mas por padrão, o jogo se mantém em um sistema moderno, inclusive mantendo as mecânicas de tiro com mira no L2 e disparo no R2 como já é comum hoje em dia.

O conflito parece, porém, o momento menos inspirado do game, principalmente quando nos é necessário lidar com grupos. O sistema de mira até é bem interessante, nos dando precisão e dano de acordo com o tempo que dedicamos com a arma apontada, mas nem sempre conseguimos executar aquilo que planejamos com perfeição. Algumas boas inclusões em nosso arsenal são interessantes para nos tirar de boas enrascadas, mas há que se considerar que o jogo é cruel ao manter o slot ocupado mesmo quando o item está equipado. Considerando que, obviamente, não há checkpoints automáticos e é necessário voltar até a sala de save com o baú para se preparar, certamente haverá aquele jogador que torcerá o nariz para uma mecânica que parecia superada.

No mais, jogadores dos clássicos RE, dos saudosos Dino Crisis ou até dos primeiros Silent Hill vão se sentir bastante confortáveis com a dinâmica, incluindo o enfrentamento de criaturas bizarras, a procura por recursos e objetos necessários para se liberar compartimentos trancados e a solução de quebra-cabeças bem engenhosos. Alguns deles, como já é de se esperar, tem dicas escondidas em documentos, já outros precisam daquele bom e velho fritar de miolos. Mas a abundância com que eles aparecem é de abrir o sorriso até dos fãs mais desconfiados.

Fazendo um checklist das características mais bem estabelecidas para o gênero, o jogo gabarita praticamente tudo. Recursos limitados? Pode começar a contar balas de revólver e kits médicos, porque lá no final eles farão falta. Puzzles para todos os lados? Pode confirmar, eles estão lá do começo ao fim. Um cenário labiríntico com algum backtrack? Dos melhores jeitos possíveis de se fazer isso. Uma história relativamente simples que vai se aprofundando conforme vamos explorando o ambiente e descobrindo alguns segredos, incluindo os inevitáveis plot twists? Garantido. Criaturas macabras que vão nos atazanar a vida mesmo quando achamos que já as eliminamos? Mesmo que em pouca quantidade e diversidade, elas marcam presença trazendo um bom perigo. Figuras misteriosas, pessoas perdidas e outros eventos nonsense? Está tudo lá.

Até o medidor de saúde lembra aquele que aprendemos a monitorar com atenção, dentre outras referências mais sutis. Mas nada disso nos leva à segunda metade dos anos 1990 mais do que a estética 32 bits, aquele modelo tridimensional de baixa definição, muitos serrilhados e um sistema de cores que lembra bem o desempenho do primeiro Playstation (e de seus concorrentes da época, como o Sega Saturn e até o Nintendo 64) em TVs de tubo. Ainda que faça algumas concessões modernas, como o formato de tela widescreen e com animações de corte um pouco mais sofisticadas do que as da época dos 32 bits, o jogo não foge de suas inspirações e as celebra o tempo todo, da tipografia ao esquema de cores, da interface de menus e inventário às batalhas contra chefes. Signalis transpira nostalgia. Aquela boa, felizmente.

A seu modo, porém, ele é econômico e humilde tanto em suas proposições como na grandiloquência de seus eventos. Por se passar em um cenário clássico futurista, haveria de se esperar uma certa megalomania, mas pelo contrário, o jogo se apoia em uma modéstia que acaba até diminuindo o impacto espetaculoso das coisas que presenciamos. Como um jogo que emula o espírito dos filmes B de décadas atrás, que além de tudo o que já foi dito também se apropriavam conscientemente de uma certa cafonice, há aqui a subversão de expectativas, e no lugar desta ousadia desavergonhada há um peso, uma densidade temática que não se permite aliviar em instante algum.

O resultado é uma história que se leva muito a sério, algo que pode ser muito bem-vindo para aqueles que até hoje não engoliram o sanduiche de Jill ou o monstrão fazendo pose de gatão depois de destruir um helicóptero com seu lança-foguetes. Compreensível, já que estamos descobrindo os efeitos de eventos catastróficos que antecederam nossa chegada a essa espaçonave e que tratam do autoritarismo e da opressão como resultado da guerra fria e da corrida nuclear que deixou suas marcas para muito além daquele período histórico. Espere por diálogos cheios de pessimismo, econômicos em palavras mas cheios de significado, e por NPCs que conseguem, com pouco tempo de tela, ampliar o sentimento de gravidade, de um tensão crescente e iminente.

Signalis consegue, desta forma, se desvencilhar de suas referências e se tornar algo novo, que sobre uma base forte edifica sua própria história, seu próprio modo de contar aquilo que está propondo. E é nesta grande miscelânea que encontra o ritmo para nos envolver de um jeito que só vamos conseguir largar mão quando os créditos surgirem na tela… pela segunda ou terceira vezes. Mesmo sem grandes atrativos pós-game, sua estrutura hipnótica mais do que nos convida, ela nos seduz para que recomecemos e, desta forma, possamos olhar para aquilo que tínhamos vivido desavisadamente pela primeira vez de uma outra forma. Este é um jogo que fica ainda melhor a cada nova run.

Por tudo isso, confesso que acabei gostando do jogo mais que as minhas melhores expectativas previam. Se havia dúvidas sobre a relevância de uma obra desse tipo hoje, elas são extirpadas em poucos minutos, sobretudo quando a produção encontra motivos para se fazer um game assim que vão para além da homenagem a algo que já foi o ápice narrativo e tecnológico da linguagem. Com motivos para ser como é, Signalis ressignifica símbolos e signos que já conhecemos para nos dizer algo novo. Forma importa para o conteúdo. Forma é conteúdo. E quando uma obra entende isso, ela se torna muito maior do que a soma de suas partes. Este é um dos melhores exemplos mais recentes disso.

Jogo (versão de PS4) analisado no PS5 com código fornecido pela Humble Games.

Veredito

Signalis é uma grata surpresa explicitamente inspirado nos mais conhecidos survivor horrors dos anos 1990. O título adota mecânica e estética típicas dos 32 bits para construir um terror sci-fi que consegue estabelecer uma identidade própria imersiva e instigante.

90

Signalis

Fabricante: rose-engine

Plataforma: PS4

Gênero: Survivor Horror / Ação

Distribuidora: Humble Games

Lançamento: 27/10/2022

Dublado: Não

Legendado: Não

Troféus: Sim (inclusive Platina)

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Veredict

Signalis is a pleasant surprise explicitly inspired by the best-known survivor horrors of the 1990s. The title adopts typical 32-bit mechanics and aesthetics to build a sci-fi horror that manages to establish an immersive and thought-provoking identity.