Há algo de muito único que só um novo SaGa consegue capturar. Embora o conceito da série não seja mais tão único e isolado como era décadas atrás, quando ele basicamente inovou toda uma nova estrutura que hoje se mostrou muito mais comum dentro da indústria, a forma de fazê-lo ainda é uma coisa só da série.
Talvez seja pela constante presença de Akitoshi Kawazu, criador da série que segue à frente dela, constantemente repensando como abordar as ideias nascidas lá no anos 80 em Final Fantasy II, se expandiu em Final Fantasy Legend e eventualmente se metamorfosearam em algo difícil de explicar mas muito fácil de se sentir e entender sua qualidade com o lançamento dos primeiros Romancing SaGa.
Talvez seja pela sensação que se tem de que, apesar de se buscar ser o melhor jogo possível, em momento algum ele se mostra disposto a sacrificar sua identidade em troca de uma maior popularidade ou receptividade junto ao público. Um jogo da série faz jus ao nome que carrega, mesmo que buscando ser mais acessível à novatos, jamais sacrificando os conceitos que a norteiam em prol de uma receptividade mais acalorada por crítica ou em vendas.
SaGa Emerald Beyond talvez seja a maior prova disso. Revivendo conceitos dormentes há algum tempo, ele parece ser uma tentativa de corrigir alguns erros vistos lá em 1997/98 em SaGa Frontier, ainda no PS1, entregando uma experiência muito mais próxima da ficção científica do que o que está mais comumente atrelado ao espírito da franquia.
Como é tradicional na série, o jogador tem a possibilidade de escolher entre cinco linhas narrativas diferentes, cada qual com seu(s) próprio(s) protagonista(s). É importante frisar o ponto de “cinco linhas narrativas”, porque o jogo conta com seis protagonistas, com duas delas seguindo a mesma história. Cada um possui um ponto de partida completamente distinto, sendo habitantes de um dos vários mundos em que o jogo se ambienta.
A história central está ligada a um ambiente interdimensional chamado apenas de The Beyond. Esse espaço interdimensional que liga os 17 mundos diferentes do jogo está passando por mudanças que colocam em risco a própria existência das diferentes dimensões ligadas por ela e uma força misteriosa acaba convocando esses diferentes heróis e os compelindo a agir e salvar a realidade, mesmo que nem todos eles estejam tão interessados assim.
Apesar da existência dessa trama central, não espere de SaGa Emerald Beyond um RPG com história excepcionalmente bem detalhada, já que não é bem esse o foco. É claro, o jogo conta com centenas de eventos diferentes que vão revelando pouco a pouco mais sobre cada um dos mundos que você irá visitar, sobre os protagonistas e os personagens que os cercam e sobre o que de fato está acontecendo e ameaçando a existência da realidade.
Ainda assim, a ideia central aqui é liberdade. A narrativa serve muito mais como um guia te levando pelos acontecimentos, mas você tem toda a liberdade para explorar os mundos em diferentes ordens. Isso significa que, após completar o primeiro mundo do seu protagonista escolhido, você terá três opções sobre para onde ir, sem muita informação do que encontrará neles (ainda que o jogo te direcione levemente para qual mundo seria mais fácil explorar através da chamada “Emerald Wave”), mas podendo fazer o seu próprio caminho.
Isso significa que cada nova jornada terá eventos acontecendo em ordens distintas, com cada jogador podendo ter uma experiência bem diferente. Até porque, mesmo dentro dos próprios mundos, você poderá ver eventos distintos na ordem em que preferir, podendo, inclusive, não ver alguns,já que nem todos são obrigatórios para avançar (além de existirem eventos secundários e eventos exclusivamente de combate). Quais eventos e em que ordem você vê irão influenciar o desenrolar e conclusão da história, sendo uma excelente experiência se você preferir um jogo que não irá te pegar pela mão e carregar passo a passo até o final.
Os protagonistas também servem bem ao seu papel, ainda que nenhum deles seja especialmente memorável. Todos eles possuem origens bem distintas e trazem uma abordagem diferente para cada cenário. Isso faz com que, mesmo ao visitar os mesmos mundos e ver os “mesmos” eventos, as personalidades tão distintas entre eles faz com que tudo pareça satisfatoriamente diferente. É claro, não espere uma variação gigantesca como se veria em um roguelite, por exemplo, mas ela é muito bem-vinda.
Isso significa que, por exemplo, enquanto Tsunanori Mido, um jovem invocador cuja família é renomada pela sua habilidade mágica e que recebe a missão de restabelecer o equilíbrio entre os mundos, é um tanto arrogante e babaca, Ameya Aisling, uma jovem bruxa que perde seus poderes, é mais carinhosa e empolgada. Essa diferenciação entre eles por si só faz com que jogar pelo menos uma vez com cada um deles valha a pena.
Meu destaque especial fica por conta de Diva No. 5, uma cantora que perde sua voz e seu corpo, ao ser punida por cantar uma canção misteriosa que ela encontrou no Museu Real. A história dela é um tanto trágica mas ao mesmo tempo estranhamente motivadora, sendo uma boa análise sobre perdas e recomeços que é muito bem-vinda. Mesmo a história dos outros três protagonistas não citados, o vampiro Siugnas que parte em busca de reomtar o controle do seu reino e a narrativa em conjunto de Bonnie Blair e Formina Franklyn investigando uma tentativa de assassinato são bem boas e merecem sua atenção.
Em termos de combate, SaGa Emerald Beyond é uma clara evolução do sistema adotado em seu predecessor, SaGa Scarlet Grace. Como era de se esperar, o que temos aqui é um sistema de combate por turnos no qual o jogador tem plena liberdade para determinar como seu grupo de cinco heróis irá agir no seu turno, com as ações ocorrendo na ordem determinada em uma linha do tempo.
Ao começo de cada combate, o jogador tem uma quantidade de Battle Points (BP) que é determinada pela formação na qual a sua equipe está organizada. Formações são um dos pontos mais tradicionais da série, com cada uma delas possuindo uma vantagem diferente, com o jogador possuindo algumas já no começo e várias outras sendo desbloqueadas ao longo do jogo.
O jogador então tem total liberdade para escolher quais das suas unidades irão agir naquele turno e quais habilidades elas usarão, sendo limitados apenas pela quantidade de BP à sua disposição. Cada habilidade tem seu próprio custo, então é possível que, no começo da batalha, você não consiga que todas as suas unidades ataquem ou precise ponderar se é melhor atacar com habilidades mais poderosas de custos mais altos ou mais ações com ataques mais fracos.
Algumas habilidades também podem mover sua posição na linha do tempo de ação, algo muito importante dada a possibilidade de executar combos. Esses combos não só tornam seus ataques mais fortes, mas ao alcançar uma certa porcentagem do bônus, também desbloqueia o uso de ataques em conjunto que são essenciais para conseguir derrotar seus inimigos. Afinal, como todo jogo da franquia, você não será capaz de “grindar” para ganhar experiência e ficar mais poderoso que seus inimigos, já que não existe experiência aqui.
Habilidades são aprendidas através do tradicional sistema de “glimmer” da franquia, em que o uso constante de habilidades e situações específicas fazem com que suas unidades aprendam novos ataques. Algumas dessas habilidades vem meramente pela repetição (que também permite aumentar o ranking das habilidades), outras vem ao atacar sozinho em um turno ou fazer parte de um combo. O importante é que você constantemente estará evoluindo e se sentindo recompensado por lutar.
É um sistema que funciona e desafia bastante o jogador, com os combates tendo uma variedade surpreendente. Cabe dizer também que o jogo traz um sistema de Roles, que também são desbloqueados ao longo da jornada, que permitem customizar as resistências e afinidades das suas unidades, além de um sistema de melhoria dos seus equipamentos que precisa ser explorado para dar conta das lutas mais difíceis.
Algo que me surpreendeu em SaGa Emerald Beyond é que ele é surpreendentemente amistoso para novatos. As lutas tem um medidor de dificuldade que te permitem escolher quais combates enfrentar dentro do que você se sentir confortável e mesmo as lutas no Normal te farão pensar. Ainda assim, é um jogo para fãs mais experientes de RPGs, justamente pela forma como seu sistema de combate e progressão funciona e por ser uma narrativa mais solta que talvez não prenda quem já não está acostumado ou não sabe muito o que esperar aqui.
Tecnicamente, cabe dizer que o jogo deixa um pouco a desejar. Ele roda com framerate e gráficos muito bons no PS5, mas traz um visual mais refinado do que foi visto em Scarlet Grace: Ambitions. Isso significa que temos bonecos com aspecto plastificado e um visual mais simples dos mundos a serem explorados, parecidos com dioramas. As cenas se passam em cenários estáticos nos quais os personagens mal se mexem de uma cena para outra, no máximo mudando de posição, sendo essencialmente uma visual novel (mas menos expressiva que muita VN em 2D). Por fim, a trilha sonora é um show à parte, mantendo a tradição de canções excepcionais na franquia.
No geral, SaGa Emerald Beyond é um bom RPG para fãs do gênero e mantém a trajetória de constante melhoria que tem sido a temática dessa ressurreição da franquia que estamos vendo ao longo dos últimos anos. Sua narrativa funciona, o combate é ótimo e há muito conteúdo a ser extraído pelos jogadores, ainda que deixe a desejar em alguns aspectos.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Square Enix.
Veredito
SaGa Emerald Beyond é mais um bom passo para a série, evoluindo as ideias vistas em seu antecessor e entregando um divertido RPG pautado em liberdade e desafio. Alguns tropeços o impedem de ser ainda mais memorável, mas é um jogo que agradará tanto os fãs da série quanto novatos curiosos.
Veredict
SaGa Emerald Beyond is another good step for the series, evolving the ideas seen in its predecessor and delivering a fun RPG based on freedom and challenge. A few missteps prevent it from being even more memorable, but it’s a game that will please both fans of the series and curious newcomers.