Faz um bom tempo que não me sinto particularmente surpreendido com games no bom e velho estilo Shoot’em Up (ou shmup para os mais íntimos) e mesmo com ótimos lançamentos recentes que fazem jus ao legado do tal “jogo de navinha”, como o ainda recente Natsuki Chronicles, ou mesmo coletâneas necessárias como Darius Cozmic Collection, há uma sensação geral de que com uma ou outra novidade, adaptação ou funcionalidade, o gênero parecia fadado à estagnação. Eis que surge sem muito barulho Risk System, desenvolvido pela Newt Industries, LLC e distribuído pela Hidden Trap.
Em um primeiro momento, pode parecer que estamos diante de um novo jogo inspirado em R-Type e incontáveis outros exemplos, mas bastam alguns poucos instantes para que percebamos uma nova lógica baseada surpreendentemente no… risco. Isso porque a base do gameplay é refinar a precisão dos movimentos para que estejamos sempre no limite de proximidade com inimigos e projéteis adversários. Em outras palavras, quanto mais perto do perigo, melhor. Diferente de seus antecessores, este jogo parece estar pouco preocupado com os disparos mais convencionais, mas sim com a mecânica que faz com que passar raspando pela destruição potencial carregue uma barra especial capaz de fazer um estrago gigantesco.
Funciona assim: no controle de sua nave, o jogador tem três comandos básicos e fundamentais, sendo que atirar, a função mais simples do game, nem é um deles. Aliás, essa pode (e acrescento que deve) ser automatizada logo no menu de configurações, o que significa na prática que sua nave vai disparar sozinha quando estiver alinhada com algum agressor. Aquilo que precisamos cuidar de verdade é o movimento da nave, tanto com o analógico na velocidade normal, como nas esquivas ágeis para cima e para baixo, com respectivamente os botões quadrado e xis. O terceiro comando, com o círculo, é o acionamento de um ataque devastador, que fica disponível quando se enche a barra Barrier Breaker.
Para isso, será necessário algum tempo, mas principalmente a carga extra gerada pelo atrito entre nosso escudo de proximidade e ataques alheios. Estar longe dos agressores evita perigos maiores, mas logo se mostra ineficaz e insustentável, e não demora para que precisemos nos arriscar um pouco mais, ou muito mais. O sistema de progressão e a curva de aprendizagem são muito generosos em nos permitir entender e nos adaptar à essa lógica, mas não significa que não vá cobrar o seu preço. Sim, Risk System se torna difícil muito rápido e não serão poucos os momentos onde você vai sentir que chegou no limite do que é possível, só para tentar de novo e entender padrões e a lógica de comportamento dos oponentes.
Risk System é, portanto, um jogo de padrões, daqueles tempos onde já nos preparamos para a derrota enquanto aprendizagem, enquanto vislumbre do que fazer de diferente na próxima vez, mas mesmo que se torne complicado muito rapidamente – até porque não teria como demorar, já que o jogo é relativamente bem curto – ele está longe de ser punitivo ao extremo. Morrer faz parte, e vai acontecer muito, mas não há contagem de vidas, não há limite de continues, não há nada disso. Claro que a pontuação tende a zerar quando se é derrotado, e o ranking final pode não ser perfeito no caso de percalços, e nada mais justo para valorizar boas jogadas e incentivar o retorno de quem passou por pouco.
Ao contrário de outros games parecidos, há também mais generosidade quanto à barra de vida. Há três níveis – o que significa que para ser abatido, será necessário ser atingido ao menos três vezes – e cada adversário derrotado gera energia de recuperação de vida. As fases são bastante curtas, o jogo salva a cada fase vencida e há um checkpoint antes do início da batalha contra os chefes, o que evita com que precisemos passar por longos trechos vencidos anteriormente resultando em uma sensação de avanço real, ainda que alguns chefes demandem um certo tempo para serem derrotados e morrer faltando pouco para a vitória acaba frustrando um pouco.
Ou seja, para os mais resilientes e ousados, há sempre uma forma de seguir adiante mesmo cometendo um erro aqui, outro ali. Isso não facilita em nada a jornada, já que contando com isso, há uma infinidade de obstáculos e mesmo os mais experientes sofrerão para chegar até o ponto final da aventura. O que parece fundamental destacar nisso tudo é que com um foco tão dedicado ao sistema de carregar a barra de especiais e limpar cenários, sobra pouco a se fazer no combate direto e falta equilíbrio sobretudo na metade final, onde atirar de uma distância controlada não faz quase nenhuma diferença. É como se o jogo ficasse tão deslumbrado com aquilo que criou (e que funciona bem) que nada mais serve. Não há, inclusive, qualquer power up para tiros mais eficientes ou aquelas variações para direções distintas tão presentes nas fontes de inspiração de Risk System.
Veja, eu realmente não esperava por essa nova mecânica e fiquei positivamente surpreso e particularmente interessado em ver até onde isso poderia me levar. No entanto, a falta de possibilidades também limita o poder de escolha do jogador. Basicamente, não há como trabalhar a distância, ou encontrar uma forma de variação entre o combate próximo e uma contenção para respiro. No final, sobra uma única forma de se jogar, atuando como um verdadeiro aríete onde precisamos chegar perto o suficiente para carregar nossa energia sem o impacto direto. Risk System é muito mais sobre precisão e resposta rápida do que sobre estratégia. É aprender e implementar, não planejar criativamente. Recomendar a experiência, portanto, é uma condição sobre a expectativa do jogador.
Toda a mecânica básica do jogo se explica contextualmente pela constituição do mundo do game, uma história (não tão) típica de apocalipse tecnológico. Com um background surpreendentemente denso – mesmo que contado via diálogos pouco inspirados entre uma fase e outra – nos colocamos na pele de Alys, a piloto do veículo aéreo experimental RSK9, que ressurge depois de ser dada como morta em ação e parece ter desenvolvido uma certa imunidade ao controle de uma espécie transdimensional de autômatos que acabaram por subjulgar a humanidade. Como não poderia deixar de ser, resta à nossa heroína salvar o que sobrou da nossa espécie e nos livrar da da extinção. Confesso que se não é uma das histórias mais originais do mundo, é muito mais do que já vi em jogos similares e fiquei muito satisfeito com o desenvolvimento da trama.
Se o sistema de jogo e o pano de fundo narrativo surpreendem, a constituição audiovisual do game aposta naquilo que há de mais clássico no gênero. Abusando de uma arte 2D inspirada pelos maiores expoentes conhecidos, nossa aeronave pode parecer um tanto quanto genérica, ainda que traga uma fluidez de movimentação interessante, mas o mesmo não pode ser dito dos soldados rasos do lado de lá, tão pouco inspirados que se tornam esquecíveis. A exceção fica por conta dos chefes de fase, um pouco mais interessantes, mas nada que também os torne especialmente marcantes, a não ser pelos padrões de ataque a princípio indefensáveis e intransponíveis. Com a velocidade alta e pouco tempo para se vislumbrar detalhes, fica até difícil que algo seja mesmo memorável aqui.
Por sua vez, os cenários, mais permanentes e contínuos, trazem uma certa identidade e ganham destaque dramático na passagem da metade da fase para a boss fight, e em um ou outro momento demandam um pouco de atenção. Todavia, também estão longe de serem dos pontos mais positivos do game. Cumprem seu papel, trazem cores para o movimento, mas faltam-lhes camadas de profundidade, além de alguns padrões repetitivos de contraste podem até incomodar e poluir demais uma tela já totalmente caótica. Há portanto contexto dentro da batalha entre a humanidade e as tais máquinas parasitas em ambientes que emulam grandes estruturas decadentes, mas no final, o sentimento é que são cenários que preenchem seu espaço sem muito brilho.
Enquanto conjunto, confesso que fui surpreendido com Risk System, sua trilha eletrônica quase hipnótica e toda a sua ação desenfreada. É um shmup intenso, sem muitos respiros, que talvez se beneficiasse de um pouco mais de pontos de respiro tanto para valorizar partes do gameplay pouco inspirados, cenários e a diversidade de inimigos, como para expandir a curta experiência em termos de tempo e, quem sabe, multiplayer on-line e local, algo que infelizmente está ausente do jogo. Risk System oferece pouco valor de replay por não trazer nenhum tipo de incentivo que não subir no ranking de classificação e não há dúvidas que as escolhas de design no jogo claramente se dedicaram à intensidade, a manter a adrenalina constante e a valorizar atenção, capacidade de reação e resiliência do jogador.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Hidden Trap.
Veredito
Risk System é um shmup intenso e desafiador que nos apresenta uma mecânica de base bastante original, sustentando a proposta com ação rápida e jogabilidade tão simples quanto divertida. Se o visual não é dos mais marcantes, o game oferece uma história relativamente densa em uma campanha curta, além de muita intensidade e frescor para os entusiastas do gênero.
Veredict
Risk System is an intense and challenging shmup that presents us with a very original base mechanic, supporting the proposal with fast action and gameplay that is as simple as it is fun. If the visuals are not the most striking, the game offers a relatively dense story in a short campaign, as well as a lot of intensity and freshness for enthusiasts of the genre.