[PSN] The Witness

Antes de falar sobre The Witness, preciso comentar brevemente a respeito de seu criador, Jonathan Blow, e de seu irmão mais velho, Braid. Blow é um desenvolvedor de jogos independente e também dono de uma mente insana e perfeccionista. Apesar de atitudes e falas controversas, seu design de jogos é criativo e inteligente, obrigando o jogador a usar mais a cabeça do que apenas ter a proeza nos controles.

Braid foi a primeira criação de Blow, um jogo de plataforma cujo destaque foi a manipulação do tempo e a maneira como isso era utilizado para criar fases criativas e desafiantes. Outro destaque foi a narrativa, que provocou diversas interpretações e discussões em fóruns e comunidades. Lançado em 2008, foi um sucesso instantâneo e possibilitou ao desenvolvedor entrar na sonhada lista dos milionários.

Chegar à casa dos milhões colocaria muita gente em uma posição confortável na vida. No entanto, Blow anunciou em 2009 o desenvolvimento de The Witness, lançado somente agora, em 2016. Foram 7 anos de trabalho que consumiram grande parte dos lucros obtidos com Braid. Um movimento bastante arriscado e um projeto que provavelmente nunca veria a luz do dia se estivesse por detrás alguma grande publisher. Tanto tempo em desenvolvimento, por outro lado, foi benéfico e resultou em uma obra-prima.


The Witness é um puzzle misturado com a exploração de uma ilha abandonada. À primeira vista, um jogo que vem à cabeça de muitos para comparação é Myst, porém, diferente deste, aqui temos um mundo aberto e convidativo a ser explorado. Salvo poucas exceções, os quebra-cabeças existentes não travam o jogador em alguma região. Pelo contrário, se há um quebra-cabeça que parece impossível de ser resolvido, o melhor é ignorá-lo por enquanto e explorar algum outro canto da ilha.

Há uma história por trás do jogo, porém ela mesma é outro enigma. Elementos do cenário, estátuas, arquivos de áudio e vídeo secretos apontam para uma narrativa, porém, é um aspecto muito aberto e abstrato. Acaba sendo como apreciar uma obra de arte: você observa – neste caso também participa e interage –, e acaba tendo sua própria interpretação e emoção, que nem sempre podem ser as mesmas que o artista sentiu ou quis passar, mas isso não tem tanta importância, pois é sua interpretação e emoção que contam.


Deixando a filosofia de lado, vamos ao objetivo do jogo, que é resolver quebra-cabeças. Estes se encontram em painéis espalhados pela ilha. Todos têm a mesma meta de cruzar um labirinto: dado um ponto de partida, você deve traçar um caminho e chegar até a saída. A beleza e o desafio estão na forma de como isso deve ser feito, pois cada painel possui restrições e objetivos, que eu chamo de regras, a serem cumpridos antes de chegar à saída. Quais são essas regras? Cabe ao jogador descobrir.

Este é um dos aspectos mais divertidos do jogo: descobrir quais regras estão por trás de cada painel. Por causa disso, fica difícil explicar o funcionamento dos quebra-cabeças sem acabar dando algum spoiler. Vou dar um exemplo que é simples e direto: os painéis Pac-Man. A regra nesse caso é que você deve traçar um caminho até a saída que envolva passar por todos os pontos espalhados no labirinto. Se quiser ver outros exemplos, sugiro assistir nossa primeira hora do jogo no vídeo no início desta análise.


Existem várias outras regras e nenhum manual ou texto explicando como elas funcionam. O jogo não pega na mão do jogador, mas fornece pistas no ambiente para ajudá-lo a descobrir por si mesmo como resolver o quebra-cabeça. É a chamada “comunicação não verbal” e, para mim, o principal destaque de The Witness. O objetivo é fazer com que o jogador chegue a um estado de epifania, aquele momento em que tudo faz sentido e vem um sorriso bobo no seu rosto. E acredite: você vai ter diversos desses momentos no jogo.

Certos painéis espalhados na ilha estão ligados em série, oferecendo quebra-cabeças que vão evoluindo de dificuldade. Estes servem como tutoriais para as regras, com cada painel mostrando gradualmente a lógica por trás da regra e como ela pode ser aplicada. Isso gera um incentivo a explorar a ilha e tira um pouco daquela sensação de ficar travado em alguma parte do jogo (apesar de que isso eventualmente irá acontecer, caso deseje ir até o fim).


Quando disse que o Jonathan Blow é dono de uma mente insana, não foi um exagero. Você poderá comprovar isso à medida que vai descobrindo as diversas regras que envolvem os quebra-cabeças. A criatividade, originalidade e subjetividade para algumas delas é absurda e obrigam o jogador a pensar fora da curva. Nada no cenário está ali por acaso e vai haver momentos em que você está caminhando pela ilha e algum objeto vai chamar sua atenção e, repentinamente, você terá um insight para aquele quebra-cabeça que deixou para trás. Momentos como esse valem muito a pena.

Conhecer as regras é somente metade do desafio, sendo a outra metade resolver o quebra-cabeça de fato. Muitos dos labirintos são simples, enquanto outros chegam a ser frustrantes tamanha a dificuldade. Além disso, há painéis que mesclam diferentes regras, aumentando ainda mais sua complexidade. Tentativa e erro serão constantes. Usar papel e caneta, bem como fone de ouvido, é recomendável, senão indispensável.


Apesar da dificuldade em alguns quebra-cabeças, o jogo não é limitado a um público de QI elevado. Não é apenas a inteligência que conta, observação e perseverança também são muito necessárias. Qualquer jogador pode se divertir com The Witness e se algum quebra-cabeça parece impossível para você, há toda uma comunidade na Internet engajada em fornecer dicas de como resolvê-lo.

As comunidades e páginas dedicadas ao jogo, aliás, trazem um aspecto bem interessante: sim, existem vídeos e fóruns com imagens para todas as soluções, mas também há diversas páginas empenhadas em apenas fornecer dicas, pois muitos jogadores sabem que a diversão está em resolver por si próprio. Vale a pena procurar por essas páginas com dicas como última alternativa para remover um pouco da frustração com alguns quebra-cabeças.


Existem mais de 500 painéis com quebra-cabeças no jogo. Apesar dessa alta quantidade, o jogador dificilmente fica enjoado, pois cada painel apresenta algum toque ou particularidade diferente. Eles não estão lá para encher linguiça, e sim para divertir e desafiar. E se isso não for suficiente, há ainda quebra-cabeças ocultos. Não tenho como falar sobre eles sem estragar a surpresa. Apenas digo que, quando você descobrir o primeiro, sua visão a respeito do jogo vai ter uma nova reviravolta (e você provavelmente vai soltar um “Ahh!” de satisfação).

E para aqueles que ainda acham que é pouco, há também colecionáveis pela ilha. Existem vários arquivos de áudio espalhados pelo cenário contendo narrações de textos instigantes e inteligentes de diversas personalidades, desde filósofos e cientistas a até astronautas. Os textos falam muito sobre ciência e religião, e alguns servem como dicas para a solução de certos quebra-cabeças. Há também vídeos, porém estes requerem uma dedicação maior do jogador para serem encontrados. Além de colecionáveis, estes áudios e vídeos têm a função de reflexão, com alguns textos provavelmente provocando sua mente.


A ilha do jogo é composta por diversas regiões, cada uma bem distinta e carregada com certo tipo de quebra-cabeça. À medida que você vai solucionando os painéis de cada região, eventualmente chegará a uma caixa amarela que ativa um laser, que por sua vez aponta para uma montanha. Este acaba sendo o objetivo maior do jogo e é na montanha que ele chega ao seu fim.

O final de The Witness, como a sua história em geral, é aberto e enigmático. Isso pode acabar gerando uma decepção para alguns. Porém, não fique tão frustrado, já que o fim pode não ser propriamente o fim. É bem provável que em sua primeira jornada pela ilha você deixe de conhecer muitas áreas e somente explorando tudo com um olhar atento é que você vai descobrir alguns dos seus segredos mais ocultos.


A arte do jogo é peculiar e muito bonita, sendo que por vezes você vai parar só para poder admirá-la. Ela não busca ser realista, parecendo mais como uma pintura. Cada região tem uma paleta de cores particular, tornando-as singulares. O jogo contou inclusive com arquitetos para a criação de algumas de suas estruturas. E como dito anteriormente, nada está ali por acaso. Todos os elementos foram meticulosamente pensados, seja para narrar a história, seja para dar alguma dica ou esconder algum segredo.

Para finalizar deixo uma ressalva para jogadores que possuem alguma deficiência visual ou auditiva. Infelizmente, alguns dos quebra-cabeças serão uma barreira para aqueles que têm algum grau de daltonismo ou surdez, pois cores e sons apresentam papeis importantes em uma porção (pequena) deles.


Veredito

The Witness é uma obra-prima composta puramente de quebra-cabeças, mas não deixe que isso o amedronte caso esse gênero não seja seu favorito. Qualquer um conseguirá se divertir com o jogo, pois ele é formado por quebra-cabeças de complexidade diversa e todos são baseados na mesma lógica de traçar um caminho por um labirinto, indo de um ponto e chegando a outro. A beleza está nas regras implícitas aplicadas em cada labirinto, sendo sempre muito satisfatório o momento em que você finalmente as entende e soluciona o quebra-cabeça. É um jogo que deve ser apreciado em pequenas sessões e que não cansa de te revelar novos segredos a cada exploração. Depois de The Witness, você nunca olhará para pontos e linhas da mesma forma.

Jogo analisado com o código adquirido pelo redator.

Veredito

98

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