Certas obras literárias e cinematográficas imploram por adaptações aos games, mas nesse sentido, nenhuma delas se iguala a Scott Pilgrim. A série em quadrinhos criada por Bryan Lee O’Malley é uma verdadeira ode à cultura pop ocidental, sendo os videogames parte fundamental do pacote. Com uma narrativa diferenciada, cheia de estilo e referências, a HQ conta da história de Scott Pilgrim, um rapaz canadense de 23 anos que juntamente com dois grandes amigos, Kim Pine e Stephen Stills, formam uma banda chamada Sex Bob-Ombs. As coisas começam a se complicar quando Scott se apaixona por uma misteriosa garota chamada Ramona Flowers. Quando o namoro dos dois se inicia, tudo parecia ir bem, porém a garota não havia mencionado uma condição para que a relação realmente desse certo: seria necessário que Scott derrotasse uma liga composta pelos malignos sete ex-namorados de Ramona.
Disponível na PSN Store por apenas dez dólares, o game é um beat-em up clássico que segue fielmente a consagrada fórmula de obras primas das eras 8 e 16-bit como Streets of Rage e River City Ransom. O game é dividido em sete fases, nas quais Scott e seus amigos devem enfrentar diversos inimigos para conseguirem progredir até a batalha final, sempre contra um dos ex-namorados de Ramona. É possível jogar sozinho ou com até mais três jogadores, que podem escolher comandar Ramona, Kim ou Stephen. Vale ressaltar que em games desse estilo, o multiplayer é altamente recomendado, e que mesmo sendo caótico, é assim que o jogo se mostra mais divertido e profundo, sendo necessária a cooperação e criação de estratégias para avançar nas desafiadoras fases. Mesmo assim, o game pode ser bem aproveitado em single player, embora sua dificuldade cresça exponencialmente.
A jogabilidade de Scott Pilgrim Vs. The World é simples e eficiente. O jogador controla o personagem com o direcional digital ou o analógico e dispõe de comandos para golpes fortes, fracos, defesa e habilidades especiais. O grande diferencial em relação a outros títulos do gênero fica por conta dos elementos de RPG do game, que consistem em um básico sistema de evolução dos personagens. A cada nível alcançado, o jogador é contemplado com uma nova habilidade e o aumento de seu HP, defesa e força. Acredite: a evolução de seu personagem é essencial para avançar no jogo, que apresenta um desafio acima da média mesmo no mais fácil dos três níveis disponíveis. Para facilitar a evolução dos personagens, as fases contam com diversas lojas em que o jogador pode comprar itens que dão experiência para Scott e seus amigos. A visita às lojas compensa muito, pois além de melhorar os status dos personagens, o jogador pode se divertir com os hilários nomes que os itens possuem.
E não pense que é possível derrotar os inimigos do game apenas disferindo socos e chutes para todos os lados. Em Scott Pilgrim, a habilidade do jogador, que deve mesclar combos e esquivas com um timing impecável, é fundamental. Ao completar cada uma das sete longas fases, é possível avançar ou passar por localidades já conhecidas para melhorar os atributos de seu personagem, seja lutando ou comprando itens. O hub para a seleção de fases é uma belíssima homenagem aos clássicos games da série Mario das eras 8 e 16-bit, com canos verdes espalhados pelas ruas e placas numeradas representando a entrada de cada estágio.
Os gráficos do jogo remetem diretamente a games de Super Nintendo e Mega Drive, apresentando uma arte pixelada muito chamativa criada pelo ilustrador Paul Robertson, especialista em pixel art. Mesmo com a mudança em relação aos traços originais, os fãs da HQ podem ficar tranquilos: a arte do game consegue captar maestralmente o clima da narrativa de O’Malley. Os cenários são muito marcantes e característicos, exatamente como eram os clássicos da era de ouro dos videogames. Os inimigos são muito bem construídos, com destaque para os chefes, que em batalhas muito criativas refletem de forma ímpar o humor ácido presente nos quadrinhos. Para completar, os cenários das lutas são muito fiéis aos da obra original, apresentando até mesmo situações presentes na HQ no momento dos confrontos.
Normalmente, trilhas sonoras de games apenas servem de acompanhamento para os ambientes que os jogadores atravessam. Outras são tão ruins que mal conseguem desempenhar esse papel de forma satisfatória. Scott Pilgrim não se encaixa em nenhum desses dois casos: as músicas são o grande destaque, tornando o jogo ainda mais agradável. Compostas pela banda Anamanaguchi, que utiliza consoles antigos como o NES e o Super Nintendo como sintetizadores, as músicas do game são magníficas, remetendo imediatamente às trilhas sonoras de excelentes games da era 16-bit. Além disso, as músicas casam muito bem com os diversos ambientes atravessados por Scott e seus amigos. A trilha sonora é tão contagiante que me arrisco a dizer que ela é uma das melhores já criadas na história dos games. Porém, não basta apenas dizer o quão boas são as músicas, o que torna necessário alguns exemplos:
Scott Pilgrim é um game excelente, mas conta com dois defeitos gravíssimos: em primeiro lugar, não há jogatina online. Não há lógica na opção da Ubisoft de não incluir funcionalidades online em um jogo com um modo multiplayer tão brilhante. Scott Pilgrim é um título que grita por partidas em rede. Outro problema é o modo que novos jogadores entram em uma partida. Não é possível entrar no meio de um jogo, sendo necessário que todos os jogadores se reúnam ao início da partida para entrar no game, e caso alguém apareça querendo participar da pancadaria, é preciso resetar o jogo. Resta a dúvida de como um game que possui tantas qualidades quando jogado em multiplayer possa pecar em dois aspectos tão básicos como esses.