Um dos méritos da série Resident Evil se alicerça no agregado de características que, uma vez combinadas, dão base para a construção pactual de jogador/jogo do clima do terror de sobrevivência mediante ambientações bem tramadas. Não se trata apenas de fugir dos inimigos. É ter consciência do que se deve fazer e para onde ir. Não se trata de somente saber para onde ir e o que fazer. Necessário se torna também enfrentar e fugir dos inimigos, dependendo dos casos. Seja numa mansão ou numa delegacia, os jogos criados e produzidos por Shinji Mikami desfilam excelência quanto ao level-design e à atmosfera horripilante,a qual, por muitas vezes, testa o auto-controle do jogador não apenas para enfrentar o próximo susto, mas também para lidar com os cenários e seus intrigantes mistérios, seja na recolha de itens e chaves ou na apreensão do que terá ao abrir a próxima porta.
O ápice desta tormenta imersiva marcou sua estreia no Dreamcast e, após passar pelo PlayStation 2 e GameCube, Resident Evil Code: Veronica X nos convida novamente a desbravar as localidades gerenciadas pelos irmãos Ashford e pela ganância desmedida de Albert Wesker, o principal ícone da série.
Code Veronica trata-se de uma sequência direta de Resident Evil 2. Entretanto, o título não fora denominado Resident Evil 3 por preferências mercadológicas da Capcom, que inclusive atrasara o seu lançamento devido a isto. Na época, a franquia tinha base instalada na plataforma PlayStation e a SEGA promoveu esta ruptura, tanto que, a citada empresa participou do desenvolvimento do jogo. Entretanto, fãs de Resident Evil têm obrigação de jogar Code Veronica, a verdadeira sequência lógica de Resident Evil 2.
Há mudanças oscilativas e significativas para série nos quesitos técnicos, mas isto ficou londe de um abandono de grande parte da jogabilidade padrão. Conforme vivenciamos, in-game, a busca de Claire pelo seu irmão Chris Redfield, a história em torno de Alfred e Alexia e a convivência da protagonista com Steve, as alterações vão se tornando mais concretas. Aqueles cenários pré-renderizados foram substituídos por backgrounds em 3D, uma alteração significativa, graças ao poderio das plataformas posteriores à geração PlayStation.
A câmera ganha um certo dinamismo e perde aquele ar fixo em alguns momentos da jogatina. Isso resulta em uma certa apreensão, porque você não sabe de onde surgirá um Bandersnatch com seu braço único e letal fazendo sua estreia. A câmera ajuda a proporcionar esta tensão, dentre outros exemplos. Há checkpoints no jogo em momentos cruciais, dando a possibilidade de continuar sem precisar, necessariamente, carregar um save de sua máquina de escrever, a qual continua aqui, inclusive nos proporcionando, mediante quartos de save, uma concorrente à altura para a música-tema de Resident Evil 2 relativa às localidades mencionadas.
O desenvolvimento concomitante ao de Resident Evil 3 forneceu algumas características, consideradas novidades no jogo protagonizado por Jill Valentine, a este jogo estrelado pelos irmãos Redfield. A rotação em 180 graus ajuda a deslocar uma personagem jogável que ainda é difícil de controlar, ainda sendo um defeito considerável para a série. Apesar de acentuar o grau de urgência por meio desta falha, o caminhar robótico dos personagens, principalmente em passadas normais, incomoda em alguns momentos de, por exemplo, desviar de algumas investidas de zumbis e outros inimigos, como os insuportáveis Hunters.
O enredo aqui ganha ares de solidez. Dois protagonistas, porém eles se alternam durante o jogo. Diferentemente dos jogos anteriores nos quais haviam duplas jogáveis em cenários narrativos diferentes, aqui este aspecto agrega-se à ambientação geral. Claire e Chris se alternam durante o jogo, conforme a história do esperado encontro entre os dois irmãos é delineado em meio aos perigos de uma ilha Rockfort ríspida ou as áreas gélidas da Antártida.
Entretanto, isso não altera a premissa dos cenários da forma como a série a concebe. O design das ambientações força o jogador a ir e vir, dando uma não-linearidade real ao jogo, dentro dos limites da narrativa. Por vezes, Code Veronica desafia estes limites, como em sua escolha de ajudar alguém para conseguir tal item ou de escolher caminhos distintos, na ordem que quiser, para a recolha de uma chave. Para ter acesso a um item, torna-se necessário pegar outro e assim temos esse emaranhado que, combinado com escassez de munição e ervas, testa o raciocínio do jogador, não limitando-o apenas aos puzzles que há no jogo. Há partes que só são acessíveis com Claire e outras somente com Chris. Acontecimentos no jogo ajudam a mostrar isto de forma clara também.
Durante este percurso, conhecemos mais sobre a relação dos irmãos Ashford, que facilmente pode ser confundida com a relação de irmãos entre Claire e Chris, porém em seu contexto de vilões, no caso de Alexia e Alfred e a descoberta de um novo vírus. Em meio a tudo isto, temos um Albert Wesker imponente. Tudo isto nos premia com batalhas sensacionais, sejam em belas e bem trabalhadas cutscenes ou contra os chefes propriamente ditos, que são poucos, mas suficientes, inclusive um deles nos dá uma visão em primeira pessoa inédita, com o uso do sniper rifle.
A relação de Claire e Steve ajuda a engrandecer o tom maduro do enredo. As reviravoltas ocasionam esta constatação e certamente torna-se satisfatório ver as interações entre eles durante a história, fazendo com que esta seja mais uma dos pequenos fatos entrelaçados ao grande enredo de Code Veronica, certamente o melhor da série até hoje.
A sutileza também está em reparar nos pequenos detalhes do jogo e em como nada está ali por acaso. Aquele isqueiro que não serve somente para acender as coisas, mas também para afastar aqueles morcegos, resultando numa economia de munição. Ou perceber que ao usar o extintor pela primeira vez, guardá-lo será necessário para facilitar as coisas mais pra frente. Claro que os baús mágicos não conferem certo realismo ao jogo, porém ao ver a utilização prioritária deles, tal afirmativa acaba sendo relevada. E, por fim, se maravilhar com uma trilha sonora bem executada. Certamente muitos se arrepiarão ao entrar em um certo lugar pela primeira vez e ouvir a canção abaixo:
Esta versão HD apresenta poucas melhorias. Não se trata de um remake propriamente dito, mas sim uma remasterização. Todavia, um ou outro polimento gráfico é perceptível, principalmente nos efeitos de luz e sombra e na melhor definição de cores em algumas partes do jogo. Entretanto, isto aparece de forma bem heterogênea, principalmente pela ausência de polimento nas cutscenes e a visível e inexplicável queda de quadros nas cenas em computação gráfica. A adição de leaderboards pode tornar o desafio ainda maior, porém mostra-se pouco atraente. Já o suporte a troféus fará com que uma jogatina para, por exemplo, conseguir ranking A no Battle Game, extra que abre após o jogo ser zerado, estimule o jogador a desbravar tal modo.
A lição que Code Veronica trouxe para a franquia infelizmente foi deixada de lado por episódios posteriores que, apesar de se tornarem divertidos e mostrarem um novo rumo em termos de jogabilidade para a franquia, com seus devidos méritos, se esqueceram de incorporar a essência de Resident Evil, o agregado de um level-design robusto, de uma necessidade de sobrevivência ímpar, sempre aliada com a temática de terror e com a não-linearidade. Code Veronica executa tais características de maneira singular, fazendo com que a jornada por dentro da história dos irmãos Redfield seja a melhor da franquia do período anterior à reformulação e talvez o melhor da série até o momento, porque qualidades para isto sobram.
— Resumo —
+ Enredo bem arquitetado e o melhor da série até hoje
+ Sensação de urgência e busca acentuada
+ Arquitetura dos cenários bem produzida
+ Encontro de Claire e Chris
+ Efeitos de luz e sombra convincentes
+ Backgrounds em 3D
+ Câmera com certo dinamismo
+ Fusão espetacular entre ações de jogabilidade e trama
+ Batalhas ótimas contra bosses
+ Trilha sonora incrível e imersiva
+ Melhor Resident Evil em sua fórmula antiga
– Movimentar a personagem ainda apresenta seus males
– Melhorias gráficas sem homogeneidade
– Sistema de Leaderboards pouco atrativo