Por vezes, reformulações em franquias de videogames são necessárias para que as mesmas não caiam em uma mesmice morosa. Ou então simplesmente para garantir aqueles milhões a mais de fãs em troca de alguns sacrifícios, como novos direcionamentos, descaracterização da essência de uma determinada série, dentre outros aspectos. No momento em que ficamos ciente da necessidade de resgatar a filha do presidente dos EUA na pele de Leon Scott Kennedy, os pensamentos quanto ao destino de Resident Evil 4 começam a atormentar as mentes de quem estava acostumado com temáticas de caos biológico, zumbis e tudo que envolva o núcleo do que a série de maior sucesso da história da Capcom hoje poderia nos apresentar.
Seria leviano resumir a narrativa de Resident Evil 4 apenas centrados neste fato, afinal, há um povoado infectado por um misterioso tipo de parasita nos confins da Espanha e toda uma seita religosa, ambas convergindo com o sequestro de Ashley Graham, auxiliando a alicerçar o enredo desta quarta entrada numérica da série. Clichês são mostrados a esmo (há até uma fala metalinguística de Saddler, líder da seita Los Illuminados), mas tudo parece novidade dentro do universo de Resident Evil.
O jogo nos convida para uma verdadeira aventura frenética, onde a apreensão entra em campo e joga o clima survival-horror para escanteio. Infelizmente, em diversas oportunidades, principalmente na ilha de Saddler, o jogo abusa de tais elementos. A ação dinamiza os acontecimentos e, ao mesmo tempo que dá um novo gás à série, se mostra pouco competente ao fazer isto se distanciando, em muitos momentos, de uma fórmula de sucesso quanto à comunhão entre narrativa e level-design.
Há algumas idas e vindas nos cenários, principalmente no castelo de Salazar, um dos seres subordinados do líder da seita Los Iluminados. Entretanto, para quem já se aventurou em cenários quebra-cabeças como a delegacia de Resident Evil 2, a mansão de Resident Evil 1 ou a ilha de Rockfort em Code Veronica, aqui essa perspectiva se superficializa, nos apresentando uma falsa linearidade, com o jogo empurrando os personagens de volta para a vila ou novamente para aquela área do castelo, até então inacessível. Essas áreas, inclusive, apresentam um visual e esmero gráfico primorosos. Efeitos climáticos, de partículas, de luz e sombra, texturas dos cenários, tudo apresenta o, até então, ápice na franquia quanto a estes elementos. Efeitos sonoros também são notáveis, como as falas, por vezes hilárias, dos ganados ou dos seguidores de Saddler, sem contar o trabalho de dublagem dos personagens e vilões principais, espetaculares, algo que era um problema sério na franquia. Lamentável, porém, que a trilha sonora não siga o mesmo ritmo, sendo a mais fraca da série até o momento, totalmente esquecível.
Resident Evil 4 dificilmente nos entrega à mesmice de ações, por causa de seu foco claro no combate e em elementos que dão suporte ao mesmo. Armas como simples pistolas, espingardas, dentre outras, continuarão sendo suas aliadas, porém a estrutura aqui recebera modificações. A câmera, outrora fixa, agora está alojada atrás do protagonista, como se o jogador incorpora-se, por completo, a visão daquele. Isso representa um grande salto no que se refere às investidas contra os inimigos, tornando o uso de esquivas, o da sempre aliada faca ou mesmo uma fuga desesperadora, tudo mais facilitado, devido a um controle mais fluente de seu personagem.
Presencia-se uma revolução nos comandos, porém aqui temos a incorporação e, até mesmo, melhora de elementos vistos em outros jogos, ou seja, nada aqui é original. A mira na altura dos ombros é uma otimização do que fora visto, por exemplo, em Splinter Cell, com a ressalva de que, ao contrário de Sam Fisher, Leon não pode andar enquanto atira, algo que os desenvolvedores trazem como justificativa a transmissão real de momentos tensos, de clamor por sobrevivência. Os botões de ação, úteis aqui para subir, erguer e tombar escadas, ditar ações para Ashley, pegar itens, dentre outras funcionalidades, é um empréstimo de jogos anteriores, sendo que surgira em The Legend of Zelda: Ocarina of Time. Os QTEs (Quick Time Events), tão bem utilizados, são, por sua vez, uma melhora de algo visto em jogos anteriores de outras franquias, como Shemnue, pioneiro em seu moderno uso.
Outros elementos vistos no jogo mostram a clara intenção de trazer um novo tipo de público para da franquia, expandindo-o. Não é a toa que nos deparamos com Leon tendo investidas que lembram "Indiana Jones" ou até mesmo um "pseudo-guerrilheiro" escapando de praticamente um exército em um ambiente aberto, nos fazendo esquecer, em muitas oportunidades, que estamos jogando um Resident Evil. São poucos os momentos em que aquele clima de terror de sobrevivência se faz presente, todavia eles existem, porque quem enfrentou criaturas como os Novistadores, Iron Maidens ou Renegaradors deve ter ciência de tal afirmação. Contudo, tendo em vista a abundância de munição, de armas poderosas, e uma ajuda de um mercante carismático, por meio de compra de itens, armas e seus devidos upgrades, o jogo se torna fácil demais em um nível de dificuldade normal, o que é compensado pelo valor alto de replay. Acredite, raramente alguém jogará Resident Evil 4 somente em uma jornada, porque o estímulo a uma nova jornada, a usar ataques melee novamente em inimigos simples ou a enfrentar aquele chefe em uma estrutura fantástica de batalha, encontra-se aqui. Ou ainda se aventurar em um Modo Mercenaries que se beneficia da repaginada que a série recebera.
Esta reedição para o PlayStation 3 traz pouquíssimas novidades e a ausência de elementos vistos em outras versões sustentam a preguiça que a Capcom teve ao não fazer jus à fama deste título. Aqui não há o suporte para o PlayStation Move, sendo que a versão para Wii, com o Wii Remote trouxe um novo gás para a jogabilidade tão propalada deste capítulo da série protagonizado por Leon. Isto, aliado a uma "descoordenação entre os analógicos", faz com que o sistema de mira fique um pouco deficitário. A ausência de legendas nas cenas de corte é uma subtração incompreensível. Visualmente o jogo é muito irregular, apesar de ainda ser bonito. A roupagem em alta definição não dá um impacto relevante, porque o jogo por si só já apresenta um visual deslumbrante, apesar de envelhecido, tendo em vista a plataforma para qual essa edição foi lançada. Há um sistema tímido de leaderboards, por isso, ele torna-se facilmente ignorado.
Para quem é fã de longa data da série Resident Evil, certamente, ao jogar este quarto episódio, se sentiu em um verdadeiro "spin-off numerado". Apesar de termos um Leon espetacular, com falas contundentes, frases de efeito incríveis (principalmente em suas interações com Salazar), ele parece um novo personagem. Você só se lembrará de que se trata do Leon de Resident Evil 2 quando este interage com Ada Wong, divina em todas as cenas e nos extras em que é protagonista, ou, anteriormente, na introdução do jogo ou em uma fala isolada com Luís Sera. A franquia ganhou muito com os elementos trazidos por Resident Evil 4, alguns necessários para dar um novo gás àquela. Entretanto, os momentos massivos de elementos de ação já denunciavam que, mais cedo mais tarde, as coisas precisariam ser repensadas novamente.
Quando Resident Evil 4 saiu para o GameCube, em 2005, não havia jogo no mercado que chegasse a seus pés. Misturando ação frenética, gráficos impecáveis para a época e uma jogabilidade que influenciaria todo o gênero de jogos de tiro em terceira pessoa, RE4 é uma obra-prima que figura até hoje entre os meus cinco jogos favoritos de todos os tempos. Quando foi anunciado que o jogo seria relançado para a PSN com uma maquiagem HD, meus ânimos foram às alturas. Porém, o resultado ficou muito aquém do esperado.
A aclamada "resolução HD" parece se resumir aqui apenas a aumentar a resolução do jogo e limpar um pouco as texturas, e nada mais. O jogo está longe de parecer bonito como ele merece e eu realmente esperava muito mais depois de todo o alarde feito pela Capcom, com imagens comparativas entre o antes e o depois do jogo deixando a entender que ele estaria muito melhor do que ficou.
Mas não apenas os gráficos envelheceram. A jogabilidade de RE4 é, no mínimo, difícil para quem está acostumado com o esquema de dois analógicos usado amplamente hoje em dia. Andar e mirar com o mesmo direcional, enquanto o outro direcional contra a câmera de forma extremamente tímida hoje parece um tanto estranho, e dezenas de vezes eu me confundi com os controles tentando mirar com o analógico direito, para então lembrar que "naquela época não era assim". É uma falha minha? Sim, com certeza. Mas seria tão difícil para a Capcom oferecer a opção de, ao mirar, permitir que apenas a mira fosse controlada com o analógico direito? Eu não estou querendo que o personagem ande e atire ao mesmo tempo, eu só quero poder mirar com uma outra alavanca. Não é pedir demais.
Além destes problemas, vários outros detalhes fazem desse port uma pequena decepção para mim. A ausência de legendas, por exemplo, mostra como a Capcom nem ao menos se deu ao trabalho de querer entregar um produto completo. RE4 HD também não tem suporte ao Move: por quê? A versão de Wii tem suporte ao Wiimote, então o que custava oferecer algo parecido? Eu realmente tentei voltar a amar este jogo, mas depois de ver a versão porca que a Capcom me vendeu, eu preferi esquecê-la e manter a original no coração, pois ela sim merece estar lá.
— Resumo —
+ Elementos de jogabilidade viciantes
+ Diálogos e dublagem primorosos
+ Extras estrelados por Ada Wong
+ Gráficos bonitos, apesar de envelhecidos
+ Elementos que revigoraram a franquia
+ "Aaaaah! I’ll buy it at a high price!"
– Motivações de enredo medianas
– Excessivo foco na ação
– Ausência de legendas
– Sem suporte ao PlayStation Move
– Sistema de Leaderboards pouco estimulante