Me recordo do início de 2015, quando o primeiro vídeo gameplay de Firewatch capturou minha atenção de imediato. Um adventure não usual, com ênfase nos diálogos. A paisagem, com um visual cartunesco e de cores fortes, enriquecia o conjunto da obra. A dose de mistério ao final do vídeo me fez querer mais e esse desejo provavelmente se estendeu a outros jogadores.
Felizmente a espera não foi muito grande. É gratificante abrir 2016 com um produto imersivo como Firewatch. Mas afinal, do que se trata o jogo? O game da Campo Santo possui uma estrutura aberta, com um mapa relativamente vasto, e, portanto, a exploração é parte essencial do gameplay.
Há “backtracking” (volta em áreas anteriormente inacessíveis) e até a abertura de atalhos. Contudo, os pilares do jogo são os diálogos à distância, por meio de um walkie talkie, e o desdobramento da narrativa conforme o jogador decide. A narrativa do jogo não segue uma estrutura linear.
Uma breve introdução expõe a história de vida de Henry, o personagem principal do game, e a motivação que o levou a aceitar um emprego de guarda florestal em uma área de Wyoming, praticamente isolado da sociedade. A solidão é um dos temas de Firewatch e o isolamento na “natureza” é a terapia que o protagonista encontrou para lidar com seus problemas. Assim como nos acontecimentos do presente, o passado de Henry também é moldado pelas escolhas do usuário.
Cada decisão durante um diálogo repercute em reações da sua correspondente – a patroa e confidente, Delilah. A relação das personagens é o grande destaque do jogo. Sob o arbítrio do jogador, Henry pode ser intolerante, bem-humorado, fechado ou se abrir para Delilah e compartilhar seus problemas pessoais.
A relação dos dois se desenvolve com o passar dos dias e a cada nova rotina de trabalho, todavia o game possui uma trama misteriosa que se desenvolve aos poucos. Acontecimentos estranhos na área florestal de Wyoming forçam Henry a investigar pontos específicos do mapa à busca de respostas.
Não existem puzzles no sentido estrito da palavra, mas o jogador precisa saber navegar pela mata com a ajuda de uma bússola ou mapa. Ainda que existam objetivos claros para o jogador seguir, a exploração cuidadosa pelo mapa rende conversas exclusivas e algumas curiosidades. A belíssima paisagem e a relaxante trilha sonora tornam tal tarefa ainda mais prazerosa.
Firewatch é um bom exemplo de visuais belos e sofisticados à base de Cell shading. Com uma direção de arte fantástica e predominância de cores quentes, a beleza da vegetação e do horizonte proporcionam uma experiência terapêutica ao jogador. O design visual do game colabora muito para a experiência como um todo e os recursos sonoros também não devem.
O aspecto que provavelmente mais me impressionou em Firewatch foi o trabalho de dublagem de Delilah (Cissy Jones). O constante envolvimento com a personagem e as conversas sobre diversos assuntos (descontração, temas maduros, momentos de insegurança, etc) dispensam a emoção expressa por meio do contato visual. Mesmo restrito a conversas à distância via walkie talkie, é fácil perceber o que Delilah está sentindo (fruto também de um roteiro bem construído). Seu carisma merece destaque – em diversos momentos do jogo é impossível não esboçar um sorriso.
Apesar da minha experiência positiva com a história e com o conteúdo do jogo, o desempenho da versão PS4 e os bugs são decepcionantes, quando não frustrantes. É mais um jogo da Unity que possui problemas de performance na plataforma da Sony, especialmente pelos engasgos ou pequenas travadas (stuttering). A taxa de quadros por segundo oscilante também incomoda; o jogo raramente se mantém a 30fps e tende a cair em locais com intensos efeitos de partícula.
As pequenas travadas, provavelmente ocasionadas pelo constante carregamento dos cenários do jogo, lembram a performance de Fallout rodando no PS3. Em determinadas áreas do game, o carregamento tardio (bug?) dos assets podem resultar na passagem por locais completamente vazios. Contudo, o pior aspecto técnico do jogo é decorrente da ferramenta de autosave.
Além de ter a impressão de que o salvamento constante colabora para o stuttering, tal ferramenta é uma faca de dois gumes. Por conta desse recurso, perdi meu save inicial e tive de recomeçar o jogo, sendo que estava perto do final. Baseado em minha experiência, é bastante comum o jogo travar/congelar nas telas de de loading. Em uma dessas “interrupções”, o autosave registrou um bug incorrigível no jogo que impedia meu progresso na campanha, portanto, usar o save manual é o melhor curso até a chegada de um novo patch (pós 1.01).
Mesmo que existam poucas ramificações, é surpreendente como as escolhas feitas no jogo afetam o futuro da narrativa em Firewatch. Por conta disso, há um bom incentivo para revisitar o game. Para o primeiro contato com o jogo são cerca de 6 a 7 horas até o fim da história, uma duração satisfatória e extensa para o gênero.
Veredito
Ainda que possua uma certa longevidade, Firewatch jamais cansa o jogador, muito pelo contrário. Não fosse o bug que impediu minha progressão, teria terminado em uma única sessão devido a sua natureza imersiva e história bem contada. O mistério em Firewatch me compeliu a terminar o jogo o mais rápido possível e, no fim, confesso que esperava ser mais surpreendido nesse ponto da trama. Porém, isso não significa que o jogo tenha um encerramento decepcionante. Sem perceber, a minha curiosidade por Delilah se intensificou após todo o convívio entre as personagens. Embora o desfecho seja alterado pelas ações do usuário, com um resultado particular, o sentimento de afeto pelas personagens deve se tornar algo comum a todos os jogadores.
Jogo analisado com código fornecido pela Campo Santo.