Promenade – Review

A metáfora do elevador e do processo de subida para se alcançar um ponto elevado, o ápice de uma jornada, não é uma ideia especialmente nova. Escalar, subir uma torre, chegar ao cume, todos os simbolismos acerca disso estão presentes em nosso imaginário coletivo de tal forma que facilitam o entendimento de uma mensagem a ponto de nem precisarmos mais nos preocupar em compreender ou sermos compreendidos quando lançamos mão deste artifício narrativo. Promenade, como algumas das melhores produções artísticas que vieram antes dele, sabe muito bem onde pretende levar seu jogador, e mostra mais do que diz, mesmo não tendo pressa para escancarar isso logo de partida.

Em um primeiro momento, Promenade se apresenta como um jogo tradicional de plataforma bidimensional de progressão lateral, com visual que parece desenhado à mão e, ao mesmo tempo, emula uma certa profndidade de campo com um ótimo trabalho de perspectiva que nos lembra até obras #D mais recentes, seguindo uma tendência de mercado que, particularmente, me agrada muito para o gênero. Sem se apoiar em uma pretensa nostalgia retrô para onde vários títulos independentes se voltam nos dias de hoje, o game apresenta um sistema que nos é bastante confortável e que bebe de outras tantas fontes relevantes, chegando a resvalar no bom e velho metroidvania, mas sem pesar a mão nas referências, atingindo deste modo um brilho muito próprio.

Na trama, o Grande Elevador (assim mesmo, como nome próprio) está danificado e há uma estranha entidade obcecada em não nos permitir chegar ao ponto mais alto, roubando e fragmentando as engrenagens douradas da máquina por todo lado. Nosso pequeno-grande herói, Nemo, se incumbe de resolver o problema e, contando com a ajuda riquíssima de um simpático polvo, deverá reunir novamente as peças perdidas, consertar o elevador e descobrir o porquê disso tudo. Não sem antes ter que lidar com navios afundados, campos floridos cheios de armadilhas, naves espaciais, antigas ruínas e um exército de inimigos que não parecem lá dos mais animados para colaborar com a nobre missão.

Considerado um belo exemplar do que se convencionou chamar de “collectathon” (termo popularizado na era do PSOne/N64 e que ora se torna esquecido, ora volta com mais força), Promenade estabelece uma dinâmica que nos coloca para explorar mundos diversos, todos conectados ao tal Grande Elevador, como galhos de uma árvore vital, em busca dos tais artefatos perdidos. Cada um destes espaços, que não são bem fases divididas cartesianamente (ainda que haja algumas entradas mais definidas que outras), está lotado de perigos, como inimigos, espinhos, penhascos e coisas do tipo, mas nada tão absurdo que não dê espaço para o erro, para a experimentação e para uma certa dose de ousadia. Afinal, não é o combate que importa, mas sim a capacidade do nosso intrépido protagonista de encontrar soluções nem sempre óbvias.

O maior charme do jogo é evitar dar muitas informações objetivas ao jogador. Sabe aqueles diálogos que dão o caminho, disfarçados de inocentes formas de contextualização? Pois é, não é esse o caso. Se você vê uma senhora lagosta com uma vara de pescar, não espere que o jogo lhe diga o que ela está fazendo ali, ou como você pode se aproveitar dela para chegar a um ponto aparentemente inalcançável. Acredite – ou veja no vídeo que abre esta análise minhas patéticas tentativas de resolução deste problema – que só pela experiência e pela falta de vergonha de errar é que se encontrará os melhores caminhos. Havia tempos que eu não encontrava um sistema de progressão que fosse, ao mesmo tempo, inteligente sem parecer pedante e desafiador sem parecer uma forma barata de sadismo.

Tudo isso significa que o controle da situação está na mão do jogador. Onde ir, no que investir tempo, o que explorar primeiro, para onde voltar quando consegue uma habilidade nova, e tudo isso de posse de uma jogabilidade bastante simples, mas muito eficiente. Pular por entre plataformas é uma espera óbvia para o gênero, bem como se abaixar, rolar e fazer outras peripécias conforme avançamos e melhoramos nossas capacidades. Alguns trechos são testes especialmente dedicados a movimentos que aprendemos que, no terço final, serão mais exigidos, o que torna a evolução do jogador algo orgânico e naturalizado. Carregar itens (incluindo inimigos desorientados) e acionar dispositivos é das ações mais corriqueiras que faremos, então por mais que visualmente o jogo se assemelhe com plataformers tradicionais, na prática ele está mais próximo de coisas como Super Mario 64, games que nos colocam em uma série de puzzles contextuais para se alcançar itens e disparar alavancas.

O maior diferencial em termos de gameplay está no uso de nosso fiel companheiro de viagem não como um personagem secundário, mas como uma ferramenta, similar ao Cap em Super Mario Odissey. Ele serve para superar inimigos são os destruindo, mas sim capturando-os, como uma espécie de bumerangue. Não só adversários, na verdade, porque qualquer item coletável, como balas de canhão, barris, tomates enormes, galinhas e pedras energizadas, pode ser capturado com um simples arremesso. Uma vez em posse, esses objetos devem ser utilizados dar um impulso extra em saltos, funcionando na prática como um pulo duplo; para atacar outros agressores, incluindo chefões no melhor estilo “casco de tartaruga” e outros usos criativos para solucionar enigmas. Basicamente, pegar coisas e empregá-las adequadamente é a essência de Promenade.

Em um primeiro instante, as mecânicas do jogo podem parecer complicadas demais se olharmos para o trecho final da campanha, mas toda a curva de aprendizagem é realmente confortável e muito bem trabalhada para que o jogador não sinta qualquer salto brusco na dificuldade crescente, mesmo que ápices existam ora ou outra. Por vezes, podemos perceber que estamos tentando algo que ainda não é possível, mas com um pouco de curiosidade e insistência acaba achando uma solução diferente daquela esperada. Em um certo momento, eu precisava chegar a um ponto bem alto que seria de fácil acesso com uma nova skill a ser liberada mais adiante, mas sem saber disso, simplesmente encontrei caixas para empilhar e cheguei antes do que deveria. O bônus foi a sensação de realização e um caminho mais facilitado no que veio a seguir.

 

Promenade pode até parecer infantilizado por suas escolhas estéticas, e de fato ele dialoga muito bem com um público mais jovem ao não sofisticar demais uma narrativa emergente e pouco dissertativa, mas ao mesmo tempo não subestima o seu público em momento algum. Com puzzles bem desenhados em um level design afiado, o game nos conforta, nos acaricia mesmo quando exige raciocínio e percepção do ambiente, encadeando metas e novas tarefas sem interrupções. Não que a cadência seja o tempo todo extrema, ao contrário, as ondas de tensão e relaxamento são muito bem equilibradas, mas o ritmo é idealizado para nos manter sempre ansiosos pelo que está por vir.

Falando da questão artística, aliás, o traço limpo, somado a uma colorização que mescla uma palheta intensa com a sensação de quase-sonho (algo que se intensifica com a  temática que se repete, como almofadas delimitando portais e uma rede de dormir para restaurar a energia), é bastante agradável e traz a leveza que a aventura pede. Animações e movimentos também são suaves e até nas interações mais tensas, como corridas contra o tempo ou armadilhas de precisão, tudo parece nos levar a um estado de relaxamento.

Para além do personagem central e seu parceiro, o que mais fascina no jogo visualmente falando são os mundos que encontramos pelo caminho, desbravando ambientes que mais parecem uma coleção desconexa que, de alguma forma, acabam fazendo todo o sentido quando juntos. Sem encher a tela de elementos, o game é lindo, em cores alegres e formas simples. A trilha musical segue na mesma linha, com batidas animadas e com musicas que, se não são exatamente memoráveis, embalam a aventura no ponto certo.

Satisfatório e lúdico, o jogo não deixa de ter alguns probleminhas, como a escolha de mapeamento do controle que coloca o arremesso de polvo no mesmo botão que serve para o rolamento quando estamos agaixados, o que impede que possamos atirar nosso amigo para baixo, movimento que seria muito útil se disponível. Também há algumas barrigas em certos trechos que alongam por demais fases que não tinham mais o que oferecer, incluindo alguns pontos já na reta final da campanha, comprometendo o ritmo aqui e ali. A interface tímida não chega a ser um problema, mas está longe da praticidade de um jogo com esse nível leve de complexidade. Além disso, para nós, brasileiros, o idioma não chega a ser um empecilho porque há pouco texto, mas exatamente por isso seria muito mais convidativo para crianças se pudessem experenciar o game no nosso português tupiniquim. No geral, porém, esses detalhes são exatamente isso: só detalhes, e não chegam a comprometer o sentimento geral de contentamento que o game pode trazer.

Destaca-se ainda a ousadia pela reverência de bom gosto a outras produções mais conhecidas. Dos títulos dados a cada partícula das engrenagens a fases inteiras dedicadas a clássicos como Pong e Space Invaders, a produção reverencia o que veio antes sem parecer se escorar nisso. Nós, jogadores, não precisamos identificar easter eggs para aproveitar o que eles oferecem de melhor, o que oferece camadas de entendimento para cada perfil do público a quem se dedica. Homenagens ao passado, quando bem feitas, são exatamente assim: celebram o que nos trouxe até aqui, mas sem deixar de olhar para frente. E se o jogo parece a mistura entre uma versão alternativa da animação A Hora da Aventura e jogos de plataforma tradicionais, ele se liberta das aparências, utilizando-as para ser algo com identidade própria. Sem querer parecer mais do que é, Promenade ultrapassa os limites daquilo que o inspirou para se tornar algo incrível por si.

Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Red Art Games.

Veredito

Promenade é delicado, leve e cheio de vida, sem contudo se mostrar simplório ou bobo. Com visuais belíssimos e mecânicas afiadas, o game traz uma série de tarefas intrigantes e desafiadoras que valorizam a capacidade do jogador em lidar com enrascadas, oferecendo assim uma experiência divertida e, ao mesmo tempo, recompensadora.

80

Promenade

Fabricante: Holy Cap

Plataforma: PS4 / PS5

Gênero: Plataforma

Distribuidora: Red Art Games

Lançamento: 23/02/2024

Dublado: Não

Legendado: Não

Troféus: Sim (inclusive Platina)

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Veredict

Promenade is delicate, light and full of life, without being simple or silly. With beautiful visuals and sharp mechanics, the game features a series of intriguing and challenging tasks that value the player’s ability to deal with problems, thus offering a fun and rewarding experience.