Nunca fui bom no F-Zero. Juro que tentei bastante, adorava o estilo artístico e sempre o achei superior a qualquer jogo similar da época, inclusive ao intocável Super Mario Kart, mas jamais consegui realmente me adaptar bem à trimensionalidade falseada do jogo, seus comandos e movimentos. Jogava, mas sabia que estava aquém do que era esperado quando sofria logo na liga “knight” na dificuldade padrão. Só fui fazer as pazes com algo parecido com o bom Redout e, mais tarde, com a belíssima coletânea de WipEout. Estes jogos de corrida um tanto quanto diferentes daqueles tradicionais, sobre rodas, parecem ter perdido um pouco da força em tempos de realismo extremo, mas vez ou outra, surge algo como o mais novo representante da classe, Phantom Spark.
Como uma centelha materializada, nosso protagonista, por assim dizer, é um ser etéreo, um tipo de espírito senciente feito de pura energia contido em um núcleo capaz de incorporar um veículo flutuante. Sim, é uma definição um tanto quanto vaga e provavelmente incompreensível para quem não experimentou o jogo, mas para entender, basta imaginar que assumimos o controle de um ser sem forma e que é, ele mesmo, o próprio personagem que vamos pilotar. Sem explicação do que aconteceu até chegarmos até aqui, somos apresentados a três grandes mundos, cada qual com o seu campeão-guia. Estes domínios são compostos de 10 circuitos, nomeados de acordo com o tema do lugar, e nosso desafio é superar o campeão em todas elas. Simples assim.
Para isso, é necessário seguir o protocolo de, primeiro, fazer uma corrida sozinho para basicamente conhecer o traçado da pista. Uma vez completa esta etapa, retornamos para uma nova entrada, desta vez contra dois adversários: o tal campeão daquele mundo, e o seu próprio fantasma da etapa anterior. A obrigação, claro, é vencer o primeiro, mas como ele está sempre configurado para ser um pouco melhor do que a nossa tentativa passada em um nível de dificuldade adaptativa, via de regra a meta é chegar na frente de ambos. Feito isso, aquela etapa é considerada vencida, abrindo a próxima. Porém, estamos diante um jogo que preza pela precisão e pela busca da perfeição, então há sempre algo a mais. E é nesse ponto onde o conceito de leveza, ou zen, como a divulgação previa, cai por terra.
Independentemente da posição nesta primeira competição, há três níveis de excelência a serem vencidos, simbolizados por uma coloração que lembra a clássica gradação entre bronze, prata e ouro, uma sugestão para que continuemos repetindo aquela pista até estarmos satisfeitos com o nível alcançado. Cada vez que superamos o nosso próprio tempo, o nosso fantasma é substituído pela melhor versão de nós mesmos, assim como o adversário principal, que eleva seu nível de dificuldade automaticamente para nos levar a um novo patamar. E se vencer cada uma das fases não é das tarefas mais complicadas, exigir de si mesmo alcançar o ranking máximo pode ser um verdadeiro martírio. Ser um inconformado com menos que a vitória máxima é uma verdadeira maldição.
Tudo porque o jogo é absolutamente simples em termos de aprendizagem e controles, e tudo o que precisamos saber é que há o acelerador e o freio, e para onde apontar para a direita e para a esquerda, algo que poderia se adaptar até ao controle do Nintendinho ou do Master System tamanha a singeleza da coisa. Mas se aprender é das coisas mais fáceis, o domínio completo é extremamente exigente, já que o jogo nos coloca em um level design excepcional ao exigir a prática e a exatidão de comandos. Curvas milimétricas, muros impetuosos, saltos improváveis, obstáculos bem planejados e alguns tipos de terreno especiais são alguns dos elementos que trazem um certo tempero para a jogatina, porque exigem que façamos escolhas nem sempre óbvias.
Quando é melhor cortar caminho pela grama para tangenciar melhor uma curva em grampo? Quando derrapar no gelo funciona melhor do que seguir o traçado pela água mais fluida? Quando usar o freio para uma passagem mais brusca é melhor do que desacelerar aos poucos para fazer um traçado mais aberto? Em alguns casos, a resposta é óbvia e, no final das contas, funciona. Em outros, e prática mostra exatamente o contrário, e mesmo dominando bem os princípios de um bom plano de ataque a curvas, nada melhor do que a experiência empírica na busca por, literalmente, aqueles milésimos de segundo que separam a vitória gloriosa da derrota irritante. A repetição, por vezes exaustiva, será uma constante ao longo desta brevíssima carreira.
Em termos práticos, portanto, o jogo é bastante curto, podendo ser finalizado em uma ou duas horas bem jogadas, desde que o jogador se contente com o mínimo. Corra duas vezes, vença a si mesmo e siga para o que vem adiante. A exceção são alguns desafios pontuais que surgem em certos momentos e que não duram mais que alguns segundos e que se limitam a tirar o melhor em um tipo de curva ou um tipo de terreno, algo bem pontual. Mas estes são os mais cruéis dos obstáculos porque não ficam contentes com menos do que o ideal. Um simples desafio de curva que dura não mais que 18.046 segundos (sim, eu decorei o valor exato que deveria superar) me custou algumas horas entre idas e vindas. Isso porque eu tinha decidido vencer o nível máximo dele. Péssima decisão para a minha saúde mental.
De um modo muito estratégico, a interface do jogo facilita muito o acesso ao ranking mundial de recordes, e nos dá praticamente em tempo real a nossa colocação diante o coletivo. Quando achamos que fizemos tudo o que daria para ser feito, descobrimos que ainda faltam alguns bons décimos para as primeiras colocações. Considerando que aqui não há caminhos alternativos, não há atalhos, não há veículos com estatísticas diferentes, não há qualquer fator que influencie no tempo total que não a perícia do jogador, é incrivelmente provocativo saber que alguém, mas mesmíssimas condições, conseguiu achar uma forma mais eficiente de chegar à linha final. Se isso parece verdade para muitos outros jogos do gênero, aqui tudo parece mais explícito pela ausência clara de variáveis.
Isso significa que a longevidade de Phantom Spark se multiplica muito para aqueles que decidem buscar pelo tempo perfeito em cada pista, seja para conquistar o ranking dourado, seja para superar desconhecidos melhores. Infelizmente, porém, esse tempo expandido não é dos mais longos nem dos mais variados porque a maior falha do jogo é a falta de modos e conteúdos complementares ao principal. Os três domínios apresentados são específicos em suas temáticas, trazem algumas falas limitadas de nossos adversários e nos garantem uma imersão quase completa, considerando um estilo artístico bastante límpido, mas nada mais oferecem que a boa e velha repetição em busca de uma satisfação pessoal. Zerar o jogo não nos dá mais do que uma parabenização bem sutil e um lembrete que há coisas a se melhorar.
Para além disso, há só o multiplayer local, que jamais coloca os competidores (de duas a quatro pessoas) para o embate propriamente dito, já que, em tela dividida – com um ótimo desempenho técnico mesmo quando há muitas pessoas jogando ao mesmo tempo – as centelhas jamais se chocam. O nosso adversário, mesmo jogando em tempo real, ainda é um fantasma semi-translúcido pelo qual passamos direto ao cruzar com ele. Ou seja, não há formas de se trapacear, atrapalhar, fazer a curva usando o inimigo de suporte para não colidir, joga-lo para fora da pista, dividir curva para ver quem freia por último e ganhar a preferência, nada disso. Pelo lado positivo, não há distrações, não há injustiças porque é impossível ser prejudicado pelo outro. Como resultado, a diversão em competir utilizando de alguns artifícios menos convencionais se perde. Tudo é insípido, inodoro e sem o melhor tempero de um bom multiplayer, que é necessariamente considerar a presença do outro compartilhando a pista. Mesmo ao lado da pessoa, na prática ela é estranhamente uma lembrança, só que ao vivo.
Outra possibilidade é, também de forma local, usar apenas um controle para se competir com alguém. Obviamente, esta opção permite que se jogue um de cada vez, com os jogadores anteriores também se tornando fantasmas, e aí faz todo o sentido, porque se o seu adversário não está lá, que ele se torne ao menos uma referência de desempenho. Na prática, é um modelo funcional, bastante eficiente para quem não tem um segundo controle disponível e atende bem ao propósito do jogo em exigir a melhoria e a busca pelos melhores tempos sempre. Mas se a intenção do jogador é encontrar a diversão coletiva bagunçada de jogos menos compromissados, como os de kart, ou mesmo farofices destrambelhadas como o recente Asphalt Legends Unite, provavelmente este não é o melhor lugar para isso.
No aspecto audiovisual, Phantom Spark tem seu brilho próprio. Toda a referência a ambientes cheios de luz, transmitindo um sentimento celestial de paz e harmonia estão lá. O jogo é bastante claro, se apropria bem de efeitos de flare e de uma super iluminação global sem muitas nuances de sombras, e mesmo espaços internos são bem limpos. Há uma direção de arte bastante clean, que aposta nas linhas geométricas bem definidas e harmoniosas, com uma sensação de transcendentalidade e calmaria, que disfarçam a exigência frenética das corridas, muito bem representadas pelos efeitos de arrasto e desfoque quando em maior velocidade. Destaque para a modelagem dos veículos, que não se diferem em desempenho, mas que se tornam distintos conforme são liberados por meio do bom desempenho do jogador.
A trilha musical se apoia em sons calmos e batidas eletrônicas mais relaxantes superando, em ênfase, os efeitos sonoros do gameplay, que obviamente não tenta destoar do clima estabelecido com o ronco de motores nem nada parecido. Nossa nave, se assim podemos chama-la, soa muito mais como um zumbido sutil, uma projeção de energia, do que qualquer outra coisa, enquanto as canções permeiam tanto as corridas quanto uma interface bastante objetiva que está, como enfoque, destacando os circuitos, tempos e recordes, sem distrações, mas também sem quaisquer informações complementares de ambientação ou coisas do tipo.
Phantom Spark é absolutamente direcionado ao preceito da tomada de tempo perfeita, ou da busca por ela. Os dedicados encontrarão aqui um ótimo ponto de engajamento, com os desafios atualizáveis exigindo cada vez mais exatidão, e com adversários do mundo inteiro pressionando por aquele milésimo de segundo precioso. Para quem busca algo caótico e bagunçado, ou então uma complexidade de variáveis mais sofisticada, porém, temo que se frustrará com a simplicidade minimalista do game, que usa pouco da potencialidade do multiplayer local e sequer se habilita a colocar gente do mundo inteiro convergindo em corridas competitivas, limitando-se a uma disputa assíncrona por recordes. Em outras palavras, o jogo é ótimo naquilo que propõe, e pode até se parecer com F-Zero em conceito, sendo talvez tão desafiador quanto, mas em espírito, é mais modesto e tem definitivamente menos personalidade.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Coatsink.
Veredito
Phantom Spark é um ótimo jogo de corrida para tomada de tempos que buscam se aproximar da perfeição, usando de controles precisos e de traçados bem desenhados para desafiar os jogadores mais dedicados. Porém, com poucos modos de jogo, multiplayer pouco inspirado e minimalismo artístico, faz pouco por quem busca algo diferente da constante repetição em busca do milésimo impossível.
Phantom Spark
Fabricante: Ghosts
Plataforma: PS4 / PS5
Gênero: Corrida
Distribuidora: Thunderful Games / Coatsink
Lançamento: 15/08/2024
Dublado: Não
Legendado: Sim
Troféus: Sim (inclusive Platna)
Veredict
Phantom Spark is a great time trial racing game for those that strives for perfection, using precise controls and well-designed tracks to challenge the most dedicated players. However, with few game modes, uninspired multiplayer and artistic minimalism, it does little for those looking for something other than constant repetition in search of the impossible thousandth.