Nada melhor para descrever a jornada de Pesterquest, continuação direta de Hiveswap Friendsim, do que um “mais-do-mesmo”. Por mais que a expressão possa trazer uma imagem depreciativa da obra, porém, essa sequência poderia ser um grande complemento das desventuras do intrépido protagonista do game anterior porque, afinal de contas, não importa quanto temos, sempre queremos mais. E para quem está sedento por amizades, se encontrar com novos candidatos para seu grupo social é sempre uma novidade bem-vinda. Ou deveria, porque só manter o que foi interessante na investida anterior pode não ser o suficiente para uma nova empreitada por este universo tão bizarro.
Para quem nunca ouviu falar da franquia Homestuck, esta é uma web comic que ganhou notoriedade dentro de um nicho muito específico a partir do seu lançamento em 2009. Sua primeira incursão nos games trouxe um típico point-and-click, conhecido como Hiveswap, que mais tarde ganharia um spinoff com o subtítulo de Friendsim (uma abreviação óbvia de Friendship Simulator). Pesterquest é, portanto, uma continuação da derivação da derivação, o que pode parecer mais confuso que outros universos transmidiáticos por aí, mas que no final das contas, se preocupa bastante em não complicar demais. Não é necessário ter conhecimento prévio deste universo, nem ter jogado os anteriores para se aproveitar o que tem de mais interessante aqui.
Dividido em capítulos, a maior diferença entre este e seu antecessor é que a linha do tempo parece um pouco mais sólida aqui. Claro que não há nada que impeça de se jogar todos os capítulos de forma aleatória, mas diferente do game anterior, aqui me senti bastante convidado a seguir de forma linear para entender o arco narrativo maior da coisa toda. No final, confesso que não fez tanta diferença assim, e mesmo que tenha um ou outro detalhe que pareça nos remeter ao que teria vindo antes, nada importa para além do microcosmos da cena. Deste modo, construído como uma coleção de peças independentes, Pesterquest propõe uma série de missões onde encontramos tipos muito distintos entre si e, na conversa, com uma ou outra interação do jogador, precisamos conseguir nos conectar às pessoas e firmar laços de amizade.
O formato de visual novel já está bastante sólido no mercado e aqui, tal como antes, não há qualquer intencionalidade de inovação. Por meio de diálogos escritos, temos as falas estranhas de nossos interlocutores, e uma descrição da nossa parte, contendo aquilo que dizemos, o que sentimos, pensamos, e como nosso personagem lê o que está acontecendo. É o bom e velho narrador em primeira pessoa, que passional e emocionalmente carente, não é dos mais confiáveis. Tudo o que temos para tomar duas ou três decisões em cada capítulo é a leitura que ele faz da situação, e de forma binária, podemos ser bem sucedidos em criar amigos, ou fracassar miseravelmente, e ter que começar aquela passagem de novo.
Com um modelo de save bem generoso que permite garantir o avanço a qualquer momento, entretanto, cabe ao jogador se quer mesmo guardar o momento antes de decisões importantes ou não. Pessoalmente, acabei adotando, desde o jogo anterior, a dinâmica de salvar sempre que aparece uma bifurcação, porque se algo der errado, volto ao ponto fundamental. Nada que seja muito grave, porque na repetição também há a possibilidade de se avançar rapidamente, então mesmo sem salvar, não há muito o que perder de tempo. Pesterquest não está interessado em atravancar o jogador e segurar sua progressão e, pelo contrário, acaba incentivando que mesmo quando nos damos bem, voltemos só pra ver o que aconteceria se fizéssemos a outra escolha.
Visualmente, o traço segue os parâmetros já conhecidos que trabalham bem o desenho mais descompromissado, com a colorização que abusa de cores vibrantes e alguns filtros com efeitos simples, mas também brinca com o inacabado, com o desenho quase que rascunhado, o que é bastante ousado em um mundo cada vez mais dedicado ao que é perfeitinho. Nosso avatar, inclusive, é dos menos preocupados esteticamente, e literalmente se parece com aqueles bonecos de palito antigos que ficaram tão famosos na origem do conceito de meme. Por outro lado, há figuras muito bem trabalhadas dentre os esquisitões que nos aparecem, com artes que mesmo estáticas, trazem variações expressivas e bem impressionantes.
Já a construção de mundo continua instável. Os planos de fundo são melhores que os do jogo anterior, e trazem mais camadas, efeitos de iluminação, variações e pontos de mixagem com o primeiro plano que ampliam o entendimento da cena, mas ainda assim ficam muito abaixo dos personagens em si em questões de qualidade artística e de texturas. Felizmente, no que se refere à textura de arte, complexidade e coerência, o jogo é realmente muito bem resolvido, superior ao esperado. A ambientação sonora, por sua vez, é praticamente nula, e salvo por uma trilha musical muito adequada e correta (ainda que eu prefira a do jogo anterior), não há muito o que se ouvir aqui. Cenários abertos ou fechados se valeriam de, pelo menos, ruídos e reverberações comuns, mas não há nada disso.
Também não há qualquer trabalho com vozes, mantendo a comunicação somente via texto. E aí segue o mesmo problema do que foi feito antes na franquia, que é a ausência completa de uma localização para o nosso português brasileiro. Com um texto bastante sagaz e nuances de compreensão exigentes, a falta do domínio do idioma gringo pode comprometer totalmente a experiência. Só invista em Pesterquest (e em todos os demais produtos da marca Homestuck / Hiveswap) se o inglês estiver em dia. Senão, o humor e a história em si se perdem, e o game não tem muito mais a oferecer para além da sua boa escrita.
Em resumo, Pesterquest é uma recomendação forte mesmo para quem já conhece o universo onde ele se localiza, e principalmente para quem gostou do jogo anterior. Ambos, aliás, podem ser adquiridos em um único pacote, chamado de Petersim, que curiosamente pode ser considerado uma compilação de compilações. Os episódios solitários não valem tanta coisa, e os pacotes completos funcionam pela dinâmica que adotamos ao nos envolver com cada situação de modo a nos adaptarmos às excentricidades dos autores e, consequentemente, dos tipos criados por eles.
A variedade de situações, aqui, é um pouco menor que no jogo anterior, e sem qualquer diferenciação, a repetitividade pode ser um elemento negativo a mais. Não recomendo, aliás, jogar um logo depois do outro para não correr o risco de cansar rapidamente deste. Não há dúvidas que o conjunto de ambos os games se mostra um produto diferente do que o mercado oferece hoje, mesmo dentro do gênero, mas com um texto por vezes complicado e em grande volume, e um tom que precisa ser totalmente assimilado para funcionar para o jogador, o jogo precisa achar um público que se alinhe às suas especificidades, o que talvez seja pedir demais dele.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Fellow Traveller.
Veredito
Pesterquest é uma continuação direta, em termos de temática, história e mecânicas, do jogo anterior. Sem qualquer melhoria substancial, o que sobra é o mesmo texto afiado, mas que não ousa para além do que já vimos antes na franquia. Mesmo com algumas melhorias visuais, não passa de um “mais-do-mesmo”.
Pesterquest
Fabricante: What Pumpkin Games, Inc.
Plataforma: PS4 / PS5
Gênero: Visual Novel
Distribuidora: Fellow Traveller
Lançamento: 07/12/2023
Dublado: Não
Legendado: Não
Troféus: Sim (inclusive Platina)
Veredict
Pesterquest is a direct continuation, in terms of theme, story and mechanics, of the previous game. Without any substantial improvements, what’s left is the same sharp text, but it doesn’t venture beyond what we’ve seen before in the franchise. Even with some visual improvements, it’s just “more of the same”.