Não importa a idade que você tenha, as plataformas das quais gosta ou o gênero de jogos dos quais é fã. Não importa se você nasceu em uma cidade do interior do país e já seja avô ou uma criança criada em uma grande capital. Se está lendo esta análise, é muito provável que já tenha se esgueirado por entre corredores e labirintos comendo pontinhos enquanto tenta sobreviver a quatro fantasmas perseguidores, no papel de uma carinha amarela com o formato de uma pizza sem uma de suas fatias.
O famigerado Come-Come, nome extra oficial que teve o sentido deturpado assim que chegamos à quinta série, também teve seu sentido subvertido antes mesmo de desembarcar em terras yankees, quando teve que trocar o original “Puckman”, nome dado pelo criador do game Toru Iwatani, algo que também não escaparia de trocadilhos infames na gringa, pelo icônico e mundialmente reconhecido PAC-MAN. Lá se vão mais de 40 anos desde suas primeiras aventuras, e mesmo passando por uma série de reinterpretações ao longo das décadas, se mantém firme na memória coletiva de todos nós exatamente da forma como foi criado.
Um dos maiores ícones da história dos videogames foi também o meu primeiro jogo da vida, aquele que coloquei pra rodar no velho Atari 2600 encardido que ganhei de segunda mão no final dos anos 1980. Não era, como eu descobri mais tarde, a mesma versão que ficaria imortalizada para todo o sempre, mas era o mais próximo disso para se jogar em casa. Hoje há uma infinidade de variações disponíveis por aí, e PAC-MAN Mega Tunnel Battle: Chomp Champs é a mais nova investida da longeva franquia no Playstation 5, se apoiando em tudo o que já conhecemos e apostando em algumas modernidades, sobretudo o modelo competitivo dos Battle Royales.
A proposta é muito simples, em teoria: você inicia uma jornada em seu próprio terreno do jeito mais convencional possível, ali, com seus quatro eternos rivais, precisando devorar todos os pontinhos espalhados pelo mapa e podendo se revoltar contra quem o persegue comendo bolinhas de poder disponíveis nos quatro cantos, o que significa, em outras palavras, que qualquer jogador irá se encontrar em um meio absolutamente familiar. Todas aquelas estratégias de drible, de enganar os fantasminhas, de atraí-los para quando e onde você quer, de limpar os espaços sistematicamente, tudo funciona exatamente como sempre foi. Mas aqui, há um grande diferencial. Citando um certo filme de sucesso nacional, o inimigo agora é outro.
Isso porque ao nos colocar na mesma meta partida com outras pessoas – são 64 players por iteração, para ser mais preciso – não estamos disputando somente quem faz mais pontos, ou quem faz algo mais rápido e melhor, como em outras tentativas modernas de inserir o multiplayer na equação. Teremos que enfrentá-los em campo aberto, seja no nosso, que pode ser invadido por um ou mais jogadores, seja no deles, para o qual podemos passar através de portais que se abrem te tempos em tempos. Isso significa que a disputa não se dá em um cenário único, mas em uma grande colcha de retalhos composta por 64 labirintos.
Estas transições permitem que sejamos competidores diretos por recursos e comida, obviamente, porque é muito comum que alguém chegue e, sem pedir licença, atrapalhe a tática perfeita de deixar uma última bolinha de poder para o final, além de poder roubar descaradamente aquela frutinha apetitosa ao chegar antes enquanto estamos nos livrando dos perigos. Indo além, também possibilitam que, de alguma forma, as pessoas se ajudem direta ou indiretamente. Dois “PAC-MEN” em um mesmo lugar significa atenção dividida para os quatro vilões coloridos. Menos atenção, mais tranquilidade para fazer o que queremos fazer.
Só tem um detalhe que faz essa possibilidade colaborativa passar longe: só pode ficar um, então é muito provável que quem divide a tela contigo, a sua ou a dele, queira mais é que você seja eliminado o mais rápido possível. E se os penadinhos não forem capazes de fazer o serviço, a coisa pode partir pro lado pessoal. Comendo uma esfera de poder, um jogador pode devorar tudo o que vier pela frente, incluindo outros como ele. E não pense que alguém sente pena de fazer isso, porque não há satisfação maior nesse jogo que poder eliminar um adversário direto, sem dó e nem piedade, a ponto de se tornar, para todo mundo que eu encontrei pelas partidas mundo afora, a prioridade central.
Para essa verdadeira carnificina, há outros power-ups que ficam circulando por aqui e por ali que acrescentam mais variáveis ao caos. Há por exemplo itens que atraem ou repelem fantasmas; outros que adicionam velocidade extra para nós e/ou para eles; escudos e vidas extras; e assim por diante. Combinar poderes é o maior e mais difícil aprendizado do jogo, que possibilita, por exemplo, que todo mundo na tela (menos nós) sejam congelados exatamente quando você come o aditivo que permite acabar com todos de uma só vez. Combinações e descobertas que surgem com a experiência que vai nos levar às partidas ranqueadas no momento em que estivermos mais preparados.
É nesse momento onde a escassez de conteúdo acaba batendo, inevitavelmente, em qualquer intenção de longevidade do título. O formato, em essência, preza pela repetição, pelo retorno, pelo encadeamento de partidas de forma virtualmente infinita. Você sai do nível amador, onde pode praticar sem a pressão de subir em rankings mundiais, para os torneios de nível bronze, prata, ouro, e daí por diante. A partir do nível 10 de personagens, a coisa fica séria, e cada vitória vale pontos pra subir na escala, enquanto derrotas podem devastar o caminho arduamente percorrido. Tudo segue a cartilha do gênero fielmente. O problema é o recheio.
Não que o jogo seja mais fraco do que se espera em termos de gameplay, nada disso. Os controles respondem bem (tive um ou outro enrosco, mas nada muito sério); a velocidade é perfeita, ainda que haja um claro, mas ínfimo lag entre o treinamento local e o multiplayer on-line; e os mapas, fase a fase, são muito bem desenhados porque seguem aquilo que já está sedimentado. Mas não há nada que venha depois disso, o que esgota a fórmula muito antes de chegarmos às cabeças. Você já jogou PAC-MAN, já sabe como funciona, já aprendeu as manhas. Ter alguém atrapalhando ou incomodar outras pessoas funciona nas primeiras 2, 3 horas de jornada. Depois, cansa.
Para ser justo, há coisas que são adicionadas sim, mas todas elas cosméticas. Junto com pontos de XP, ganhamos o dinheirinho do jogo que serve para desbloquearmos skins, apetrechos e temas para os mapas do jogo. Há algumas bem interessantes, como a que nos veste de Klonoa e outros títulos homenageados, há cores e variações, o que acaba nos motivando, ao menos até termos o conjunto que mais nos agrada. Não que a customização seja algo tão espetacular assim, porque quando a coisa está complicada, não são óculos vermelhos que nos diferencia de outros adversários, mas sejamos sinceros: roupinhas e visual importam para quem joga coisas do tipo.
Porém, não há tanta opção assim, e facilmente temos nossas preferências. Demora para acumular os recursos para comprá-los, mas depois, desbloqueamos os demais por pura conveniência. É muito provável que o jogo (que não é exatamente tão novo assim) possa receber, ao longo do tempo por meio do suporte dos desenvolvedores, uma tonelada de cosméticos novos, com parcerias com outras marcas e coisas do tipo, receita que Fortnite já mostrou ser sustentável. Mas no que se refere à essência do game, não há traçados diferentes a serem comprados, ou melhorias permanentes, ou mesmo uma campanha off-line com ou sem multiplayer local com tela dividida. Aliás, como não tem um modo onde de 2 a 4 pessoas jogam ao mesmo tempo do sofá de casa? Imperdoável.
Por outro lado, os temas e fantasias dão um charme diferenciado ao que já vimos antes. Mudar de um mapa para outro normalmente nos leva a temas diversos, que podem ser ambientados no inverno de tons claros ou nas cores mais escuras de um cemitério. Podem ter a saturação de doces de todos os formatos ou o sóbrio tema original, o que acrescenta frescor em cada partida. Os personagens, por sua vez, deixam de lado algumas modernices para manter o design clássico, atualizado para cores e sombras mais estilizados, mas fiéis à própria identidade. O jogo é lindo em sua simplicidade, arrisca pouco e acerta ao garantir a identificação nostálgica, como não poderia deixar de ser para um produto comemorativo.
O mesmo vale para o lado sonoro da produção, que ressignifica o tema clássico o mesclando com outras melodias periféricas e remixando para uma batida mais eletrônica. Os efeitos oitentistas funcionam bem com a música animada e mantém toda uma ambientação que lembra aquelas lojas antigas com fliperamas grudentos espalhados por todos os lados. PAC-MAN é tão icônico que, por si só, é impossível não se deixar encantar, se envolver emocionalmente com toda uma simplicidade que parece, cada vez mais, ter ficado no passado, ou ser revivida só para reacender essa sensação saudosista. Passada a euforia inicial, o novo game tem muito pouco para nos manter, e menos ainda para ir para além disso.
Não ajuda o fato de que o jogo nega aos jogadores uma infinidade de informações que seriam relevantes para um envolvimento enquanto parte da comunidade. Os adversários são só mais um elemento em tela no final das contas, porque não temos estatísticas mais precisas de quem entrou, o que fez e como se saiu. Nós mesmos temos alguns dados mais específicos sobre missões secundárias, como comer 3 fantasminhas em território hostil, ou devorar uma quantidade estabelecida de bolinhas e tudo mais, mas eu fico tentando achar dados mais constantes de meu desempenho e não encontro grandes coisas. Chegou um momento em que eu sequer sabia que os outros 63 personagens eram pessoas ou bots, porque não há qualquer indicação sobre isso.
Uma galeria de artes? Músicas? Dados sobre essas 4 décadas de história? Nada disso existe. O lacinho da Miss PAC-MAN como adereço principal? Não está lá. Modos de sobrevivência, captura de bandeira, desafios de quem faz mais alguma coisa? Nem perto disso. Mesmo com a simplicidade das mecânicas originais, há uma infinidade de possibilidades e variações potencialmente incríveis que poderiam compor o produto, e no entanto não há nada para além do velho e limitado “vence quem morrer por último”. Como dito, até há metas complementares e aleatórias, mas pra ser sincero, elas funcionam muito mais como um bônus complementar do que algo a que as pessoas se dedicam de verdade, porque contribuem pouco para a vitória. Na maioria das vezes, se dedicar a elas atrapalha.
PAC-MAN Mega Tunnel Battle: Chomp Champs, que aliás requenta aquilo que parecia bem interessante lá no finado Stadia, é um misto de sensações. Uma apresentação bastante pobre em conteúdo que parece nem se importar com a história de uma das franquias mais importantes dos videogames se une a um princípio que poderia ser promissor se fosse para além da implementação básica do conceito inicial. Soma-se a tudo isso alguns bugs e glitches ocasionais, e o jogo chega a ser inferior a outras versões menos arrojadas. O matchmaking é relativamente rápido em encontrar tantos jogadores de uma vez, mas como eles nem parecem reais, isso importa pouco.
Não vou negar que me diverti muito com o jogo e que ele vai seguir instalado aqui na HD por muito tempo, porque aquilo que funciona nele é nada menos que excepcional. PAC-MAN não é idolatrado por acaso, e segue sobrevivendo às eras, à moda da tridimensionalidade, aos framerates elevados e às definições insanas de quadrilhões de pixels porque simplesmente é um jogo praticamente perfeito. O maior defeito de PAC-MAN Mega Tunnel Battle: Chomp Champs é, talvez, se apoiar somente nisso, e achar que ao adicionar um elemento competitivo mais moderno ao cenários, haveria uma legião de fãs retroalimentando os servidores eternamente. Pode até funcionar por um instante, mas a reverência sem conteúdo é só isso mesmo, uma reverência.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Bandai Namco Entertainment.
Veredito
PAC-MAN, o clássico, é irretocável. Acrescentar conceitos multiplayer pelo prisma do Battle Royale é uma ótima ideia. Porém, PAC-MAN Mega Tunnel Battle: Chomp Champs prova que nem mesmo esta mistura tem garantias de sucesso se não houver um cuidado com o conteúdo ofertado. Sem vida própria, a homenagem é uma boa lembrança, mas não vai muito além disso.
Veredict
PAC-MAN, the classic, is impeccable. Adding multiplayer concepts through the lens of Battle Royale is a great idea. However, PAC-MAN Mega Tunnel Battle: Chomp Champs proves that not even this mix has a guarantee of success if care is not taken with the content offered. Without a life of its own, the tribute is a good memory, but it doesn’t go much further than that.