Outcast: A New Beginning – Review

A jornada do forasteiro, daquele que é estrangeiro, é absolutamente universal. Alguns dos maiores contos antigos e vários dos melhores clássicos modernos, do pistoleiro sem nome nos filmes de western ao soldado num corpo alienígena do mais recente Avatar de James Cameron, todas estas histórias narram as proezas do sujeito que chega a um lugar ao qual não pertence, e mesmo alheio aos costumes e tradições locais, se torna o estopim para um grande transformação contra as forças que ali atuam. Qualquer um de nós que puxar pela memória vai encontrar bons (e maus) exemplos que trabalham com essa premissa nos cinemas, no quadrinhos, nos games ou em qualquer mídia possível.

Outcast: A New Beginning (que já foi chamado carinhosamente de Outcast 2) não tem qualquer vergonha em assumir esse plot narrativo inclusive em seu título, e tem a seu favor todo o conhecimento prévio, toda a bagagem que trazemos conosco ao iniciar uma fascinante campanha pelos belos, selvagens e inóspitos campos de Adelpha, o planeta onde se passa a ação. O título, uma continuação tardia do game lançado há quase 25 anos, nos leva de volta ao mundo do povo Talan, uma sociedade nativa que passa por um momento onde parte da população foi escravizada enquanto alguns grupos resistem à dominação opressora que, como se revela logo no começo (e para surpresa de ninguém), é de origem humana.

Outcast: A New Beginning

Cutter Slade, que se parece muito com uma versão genérica de um jovem Michael Madsen, desperta no planeta sem entender muito o que está acontecendo, e logo se descobre parte de uma espécie de profecia que, claro, fala daquele que está destinado a salvar o povo das suas aflições. Sim, como dito logo no começo do texto, a premissa poderia pertencer a uma infinidade de obras da cultura pop, e o timing de lançamento do game acaba sofrendo inclusive com a comparação com a versão de Avatar disponibilizada pela Ubisoft há não mais que três meses atrás. Coincidência ou não, as semelhanças conceituais são explícitas e quase injustas dado o escopo de cada uma das produções.

Não é só em estrutura narrativa, porém, que o arquétipo do estrangeiro é útil. A necessidade de se explicar todos os elementos que compõem aquele universo para alguém de fora é um artifício de roteiro bastante funcional, principalmente quando consideramos um RPG de ação de mundo aberto. Afinal, cada personagem que encontramos pelo caminho terá, necessariamente, um monte de informações sobre tudo o que acontece ali que nem Cutter, nem nós enquanto jogadores, sabem. O resultado é que temos uma infinidade de linhas de diálogo que funcionam de forma muito parecida com o que vemos nos games recentes da Bioware, como Dragon Age Inquisition ou a franquia Mass Effect, que tem uma função estritamente didática. O que é isso? Quem é aquele cara ali? Porque os insetos flutuam? O que significa aquilo? Coisas assim.

Outcast: A New Beginning

Se pelo lado informativo, o jogo se aproveita de um sistema didático e, por vezes, burocrático de exposição de informações, a organização de missões é um dos pontos mais propositivos dos últimos tempos, com uma intrincada rede de ações que servem a tarefas que não são inicialmente explicitadas como primárias ou complementares, mas que acabam se entrelaçando quase que naturalmente. Não que estejamos livres do modelo “vá até lá e traga algo pra mim” ou “tem um monte de inimigos dominando aquela região e você precisa derrotá-los”, porque sinceramente, tem alguns tipos de missão que já não funcionam mais, como aquelas típicas de escolta ou de coleta. Mas ao menos, há uma forma mais orgânica de encadeamento de ações.

Mesmo que tente encontrar a diversificação em ações mequetrefes, como guiar um rebanho para o cercado ou atrair um tipo de inseto roubando suas larvas (se você jogou Avatar: Frontiers of Pandora vai encontrar esta e muitas outras coincidências), a maior limitação de Outcast: A New Beginning está na repetitividade do que se pode fazer no mundo. Há bases militares tecnológicas a se invadir para destruir as ações que estão estragando o ambiente; há grupo de animais selvagens espalhados pelos espaços quase vazios do mundo aberto; há áreas corrompidas que precisam ser descontaminadas; há vilarejos onde conversar, comprar e melhorar coisas; há postos avançados invasores com poderio militar… e é isso. Todas as missões giram em torno desses pontos de interesse no mapa.

Outcast: A New Beginning

As variantes, quando muito, trazem pequenos vislumbres que criam momentos de clímax, como resgatar reféns, enfrentar chefes diferentões, acionar dispositivos que não se repetem, mas no mais, o padrão é chegar, invadir, derrotar hordas inimigas, limpar a área, e apertar um botão. Para quem tem problemas ou já se esgotou do que se convencionou chamar de “fórmula Ubisoft de mundos abertos” provavelmente não encontrará algo muito diferente aqui, mesmo que algumas esquisitices fujam do discurso limpo e sem ruídos das grandes produções AAA. Há um humor mais ácido, alguns resquícios de anti-heroísmo grosseiro típico dos filmes B de ação dos anos 1990, mas na essência, este é um shooter em terceira pessoa bastante reconhecível, com ciclos de gameplay bem limitados.

Um dos maiores desafios para jogos tão expansivos como os atuais está no modelo de navegação e transporte. O uso da viagem rápida aqui está muito bem contextualizada com o desbloqueio de portais que, na prática, servem como as torres de qualquer Assassin’s Creed, mas o maior trunfo do game está na mochila que o herói assume logo nos primeiros minutos do tutorial, que possibilita ações como o salto duplo (e que pode ser melhorado até o salto quíntuplo); flutuação rápida em solo como se estivesse em um veículo motorizado; e mais adiante a capacidade de planar que acaba se comportando como um mix entre a capa do Batman na série Arkham e o wingsuit da série Just Cause. Basicamente, temos as movimentações vertical e horizontal bastante satisfatórias com um único mecanismo, o que facilita explorar o espaço com mais liberdade e acessar localidades difíceis sem muitas complicações.

Outcast: A New Beginning

Pelo aspecto do combate, a ação é bastante satisfatória e faz com que menos seja mais. Não espere aqui por um arsenal com centenas de armas diferentes, com variações pouco distintas entre si e dezenas de modificadores cheios de estatísticas complexas. Também não será aqui onde usaremos equiparemos como granadas elementais, munição especial, nem nada desse nível de profundidade, o que é ruim para quem gosta de customizar ao máximo seu estilo de combate, como fazemos em jogos como Cyberpunk 2077 ou Mass Effect, mas ótimo para os mais práticos. Ao invés disso, temos poucas armas que podem ser melhoradas com alguns extras desbloqueáveis, e um ataque corpo-a-corpo que tem lá seus níveis poucos de aprimoramento. No geral, é um modelo mais direto e sem muitos melindres.

Com a arma de ataques distantes em uma mão (logo podemos alternar para um tipo diferente) e um escudo de energia na outra, sobra compreender como buscar a melhor estratégia de abordagem, mas se você acredita que poderá se apoiar num sistema stealth, esqueça. Entrar despercebido em uma base é impossível, os inimigos sabem que você está lá assim que se está ao alcance deles, e vão entrar em modo de batalha como se não houvesse um amanhã. Por mais que usem de tecnologia avançada, os adversários robóticos são extremamente estúpidos e vão atacar frontalmente sem qualquer IA mais elaborada as guiando para flanqueamento ou coisas assim. Os humanos ainda buscam uma cobertura, mas não são mais inteligentes que um animal acuado. A dificuldade está muito mais na quantidade e no poder de dano do que nos elementos táticos.

Outcast: A New Beginning

É nesse quesito também onde estão parte dos maiores problemas técnicos desta versão de lançamento do jogo. Há vários e vários bugs de comportamento dos inimigos, e é muito comum que eles fiquem presos em cantos, que eles congelem no meio da pancadaria, que saiam correndo para lados equivocados, enfim, que desliguem por completo. Presenciei várias vezes alguns entrando em pedras em outras construções, em um sistema falho de colisão, e foram algumas vezes que tive que reiniciar do checkpoint anterior porque em um ou outro caso, eles ficarem dentro de um objeto sólido impossibilitou cumprir a missão, que normalmente exige a eliminação de todos os agressores. Esses congelamentos são ótimos só para tirar prints cuidadosos para ilustrar a análise, mas evidentemente péssimos pra imersão. Eu já havia presenciado o problema na demo, e espero que seja a prioridade em futuras correções pós-lançamento.

E já que o assunto está ligado a questões técnicas, o desempenho do jogo está muito aquém do esperado para esta geração. Já seria um ponto fora da curva pela demora enorme de carregamento a cada reinício e também depois de uma morte, e jogos muito mais exigentes não tem sequer 10% do tempo de loading de Outcast. Pior que isso é que com dois modos gráficos, o de desempenho é inexplicavelmente bizarro, com uma taxa de atualização da tela que beira o injogável. No vídeo que abre esta análise, fiquei alternando entre um modo e outro e fica visível o defeito. Felizmente, no que deveria priorizar a qualidade, o desempenho é melhor e permite aproveitar o jogo relativamente bem. Este é outro problema muito latente que precisa ser corrigido urgentemente.

Outcast: A New Beginning

A boa notícia é que quando ignoramos essas questões, o jogo se mostra visualmente surpreendente pelo que se poderia esperar de uma obra sem o mesmo apelo dos seus concorrentes mais gananciosos. Os modelos humanos tem lá seus aspectos datados, e mesmo a espécie alienígena parece, de perto, algo de duas gerações atrás, mas isso pouco interfere nas pelas paisagens, com descampados belíssimos, picos nevados, construções ancestrais bem sofisticadas e outros biomas bem representados. A vegetação não é das mais diversificadas e a textura da água está longe das melhores representações dos games, mas de modo geral, fiquei bastante surpreso com algumas ótimas paisagens, boas texturas e belos efeitos de partículas e de iluminação.

Outcast: A New Beginning

Por vezes invisível, o quesito da interface, mesmo com alguns tropeços, também merece seus elogios, não pela inovação, mas pela clareza das informações. Se a organização das missões pode parecer um pouco confusa no princípio, o suporte ao usuário é bem estruturado, com uma árvore de habilidade econômica, mas bem sólida, e uma iconografia adequada. Nem sempre o sistema de condução é explícito em nos informar o que precisamos saber, e teve um ou outro caso onde o tutorial de uma nova habilidade foi exibido só depois de eu ter que aprender, na marra, a usa-la por tentativa e erro em um ponto crucial da jornada. Como eu gosto de jogos que não me tratam como idiota me dizendo o tempo todo o que apertar, onde e quando, isso não me incomodou, mas claramente há uma necessidade de ajustes.

Pelo aspecto sonoro, também me diverti com uma trilha que, se não é memorável, traz boas soluções mais cadenciadas para as passagens mais contemplativas, alternando com boas batidas para os momentos de tensão. Há um trabalho respeitoso com a sonorização de efeitos e ruídos, e as vozes originais em inglês se aproveitam bastante de uma interpretação mais caricata e quase canastrona do protagonista e dos vilões, os quais vão se revelando aos poucos. Os nativos tem lá seus destaques individuais, mas no geral são um pouco mais contidos na interpretação das infindáveis linhas expositivas de diálogo. Como mixagem, há alguns pontos a se melhorar, principalmente no conflito de múltiplas fontes em certos recortes, mas é um conjunto bem competente.

Outcast: A New Beginning

Outcast: A New Beginning está longe, muito longe, se ser um jogo perfeito. Sua trama é universal, mas peca por se apoiar em um monte de soluções clichê, e tirando pelo mistério que envolve o passado de Cutter e os motivos dele estar onde está, poderia passar totalmente batida. O mundo do jogo é interessante, mas extremamente professoral, e por vezes parece que tão expositivo quanto os piores filmes de Christopher Nolan, chegando no extremo onde você precisa se interessar muito pelos detalhes para ouvir tudo o que um NPC tem pra falar. A sensação de “mais-do-mesmo” também invade a jogabilidade, e o sistema de tiro é uma versão simplificada de um monte de outras coisas que já vimos antes.

Ainda assim, por mais que tudo isso somado aos problemas técnicos possa passar uma sensação de que o jogo está aquém do prometido, a verdade é que eu me diverti muito durante meu tempo com o game. O ritmo é muito confortável, há sempre algo a se fazer, o tiroteio é divertido mesmo quando repetitivo, os aspectos mais diretos de um modelo de RPG deixam a experiência mais leve e, no final, é bem empolgante sair flutuando por Adelpha curtindo um mundo cheio de perigos, mas que, sempre solar, jamais parece querer se fazer mais sério do que realmente é. Com as expectativas no lugar certo, para quem gosta de sair atirando em coisas em um mundo alienígena aberto bem parecido com o nosso sem se levar a sério demais, Outcast: A New Beginning pode sim ser uma boa pedida.

Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela THQ Nordic.

Veredito

Outcast: A New Beginning está muito distante de qualquer resquício de inovação e pode decepcionar quem espera algo diferente do que o mercado já tem aos montes. Mas, ao mesmo tempo, é honesto em sua proposta mais simples e direta, podendo divertir os entusiastas por um bom tiroteio em mundo aberto.

70

Outcast: A New Beginning

Fabricante: Appeal Studios

Plataforma: PS5

Gênero: RPG / Ação

Distribuidora: THQ Nordic

Lançamento: 15/03/2024

Dublado: Não

Legendado: Sim

Troféus: Sim (inclusive Platina)

Comprar na

Veredict

Outcast: A New Beginning is very far from being innovative and may disappoint anyone expecting something different from what the market already has in abundance. But, at the same time, it is honest in its simplest and most direct proposal, and can entertain enthusiasts for a good open-world shooter.