Vez ou outra, nos deparamos com jogos que desafiam nossas percepções sobre muitas verdades que assumimos para nós mesmos, seja dentro da própria indústria, seja em tantos outros aspectos da nossa vida. Journey talvez seja o mais conhecido dentre os games que chegam para nos fazer questionar a pressa, o imediatismo e a ação alucinada que parecem regra nos dias atuais. Não é o único exemplo, claro, e é bem provável que cada um de nós tenha um (ou mais) lembranças daquelas experiências únicas, nem sempre longas ou especialmente complicadas, mas que nos levaram, de alguma forma, a refletir, a respirar, a sentir o tempo e a aventura de formas diferentes.
Posso dizer que Omno, game do estreante Studio Inkyfox (que na verdade é composto por um único desenvolvedor, Jonas Manke), propõe uma experiência bastante singular desde os primeiros segundos. Suavidade parece ser o objetivo principal da produção, e isso transparece da tela inicial aos créditos finais de uma campanha relativamente curta, de aproximadamente 4 horas (um pouco mais se você buscar os 100% em todas as fases) em todos os aspectos da produção, da história singela e aberta a interpretações pessoais ao gameplay minimalista, do ritmo desacelerado ao estilo artístico que abusa da geometria espacial simplificada para criar um mundo cheio de cores, muita luz e com um toque de conto de fadas moderno.
Deste modo, não há muito o que explicar da trama. Nosso herói, um jovem em busca da iluminação e da compreensão do seu papel naquele mundo (do qual sabe muito pouco) tem por objetivo encontrar meios de superar obstáculos e quebra-cabeças para seguir adiante e descobrir um meio de seguir os passos de quem veio antes dele, lhe deixando ensinamentos e mensagens enigmáticas. Falar mais do que isso seria entregar demais da minha vivência própria e prefiro deixar essa lacuna para que você tenha sua própria percepção. Omno não é um jogo exatamente intangível e há materialidade em como interferimos naquele mundo, mas permite uma margem etérea de sublimação. Não é necessário entender o que está se passando, mas sim sentir a experiência.
Ao longo da jornada, encontraremos criaturas fantásticas, uma flora toda especial, e biomas bastante reconhecíveis, mas com bastante personalidade. A meta mais direta é encontrar ao menos três orbes de energia espalhados pelo cenário, a grande maioria de acesso relativamente complicado que exige que utilizemos nossas habilidades especiais para alcançá-los. Quando se encontra o terceiro deles, o puzzle final do cenário fica disponível e, uma vez vencido, podemos seguir adiante. Contudo, há mais do que esses três orbes escondidos, além de um ponto central de meditação (que revela a localização dos orbes quando acionado) e alguns livros que trazem fragmentos que nos falam um pouco mais daquele mundo, mas que estão muito mais para ensinamentos filosóficos e existenciais do que necessariamente informações objetivas. Importante destacar que o jogo se encontra totalmente em português, algo sempre louvável dado o escopo da produção.
Ao conseguir colecionar todos os itens de cada passagem, alcança-se os 100%. Para além disso, a exploração complementar conta com o descobrimento das novas espécies de seres vivos das quais falei anteriormente, compondo uma espécie de bestiário que pode ser consultado a qualquer momento. Tudo o que resta depois disso é muito mais contemplativo do que prático, já que não há sistemas de combate ou outro tipo de colecionável. Ainda assim, continua sendo bastante relaxante andar por aí, dialogar com aquele mundo, curtir um belo por-do-sol… o jogo é exatamente sobre isso, sobre questionar a sensação de emergência tão comum nos dias atuais. Omno é sobre a não-pressa, e ainda que possa ser zerado rapidamente, é daqueles jogos que vale a pena ser aproveitado em pequenas doses, às vezes entre uma jogatina mais acelerada e outra.
Para que tudo isso aconteça, o jogo nos oferece alguns movimentos que já são bastante comuns ao formato, partindo sempre do mais básico deles: o pulo. Mais adiante, aprendemos a lidar com um dash aéreo, com a possibilidade de se surfar no cajado, flutuar e até o teleporte através de portais. São ferramentas úteis, todas diretamente relacionadas aos puzzles que se apresentam logo após a sua revelação, e ao final é necessário saber também compor movimentos mais sofisticados utilizando várias habilidades ao mesmo tempo. Nada tão complicado ou especialmente difícil, porém. O desafio do jogo é bastante palatável e responsivo, e mesmo para quem procura a completude, não haverá muitos obstáculos. Há um ou outro segredinho mais escondido, mas nada com que se preocupar.
Há que se considerar que, em algumas passagens, alguns comandos podem parecer um tanto quanto imprecisos, mesmo que a câmera não seja um grande problema, inclusive porque são pouquíssimos os espaços fechados onde ela poderia se perder. A distância de alguns saltos e a resposta ao controle em trechos de plataforma nem sempre são tão tranquilos quanto parecem, e a repetição pode acontecer, o que também não traz lá grandes consequências, já que o único perigo real é a queda em precipícios que nada mais causa do que o retorno quase que imediato ao último checkpoint, sem prejuízo sequer para aquilo que já foi coletado. A regra básica é não criar qualquer desgaste ou algo do tipo.
Essa lógica da sutileza quase onírica também transparece na composição artística da obra, com um design de linhas limpas, formas simples e uma paleta de cores ampla e sem muita saturação ou contraste, com ambientes sempre solares, iluminados e confortáveis. Nosso protagonista, que nos lembra, de passagem, o protagonista do longa “O Menino e o Mundo”, é o nosso reflexo na descoberta de um mundo fantástico, e dentro de uma proposta estética mínima, o design das criaturas é aquilo que mais chama a atenção. Pacíficas, gentis e cheias de luz (as vezes, literalmente) elas se mostram curiosas e inocentes. Uma delas, em especial, será parte essencial da jornada que, se inicialmente parece expansiva na descoberta de um mundo inteiro, mais tarde vai se mostrar muito mais intimista e emocional.
Desenvolvido quase que inteiramente por uma única pessoa, Omno é muito coeso em sua proposta minimalista, sem ganância e muito certo daquilo que propõe ao jogador. A exceção é na construção da trilha sonora, único aspecto produzido por outras pessoas, mas que em nada destoa do conjunto. Ao contrário, a bela canção principal soma-se a uma sonorização discreta e também sutil que funciona muito bem ao nos transportar para esse universo de muita paz singela. Se sim, há passagens mais aceleradas e até um modo complementar de corrida contra o tempo, elas estão lá muito mais para sustentar o ritmo e oferecer algumas variâncias do que para qualquer outro propósito. A trilha sonora segue o mesmo princípio: passagens mais emocionantes oferecem uma validação do todo, um pico para evidenciar o médio.
Dentro de sua proposta, este jogo consegue se destacar não exatamente por virtuosismos técnicos ou mesmo pela inovação criativa, mas sim pela composição harmoniosa de cada um dos seus elementos visando a simplicidade, um ritmo tranquilo e uma acessibilidade abrangente, com delicadeza e suavidade como pouco se vê na indústria de hoje e de sempre dos games. Isso certamente não o torna melhor ou pior do que outras tantas experiências, mas lhe confere uma identidade explicita e honesta. No final das contas, depois de completar a campanha duas vezes, fico com a sensação de ter ficado por muito mais tempo no mundo de Omno, não porque essa passagem parece arrastada, mas sim porque, enquanto refúgio de uma vida acelerada e atropelada dos dias atuais, o game consegue criar sua própria definição de intensidade e imersão. E o faz muito bem.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pelo Studio Inkyfox.
Veredito
Com muita suavidade, Omno é uma grande jornada onírica por um mundo pacífico e encantador. Com narrativa aberta, jogabilidade simplificada e beleza artística, é uma obra coesa e singela, e mesmo que curta, acaba se mostrando inesquecível.
Veredict
Very gently, Omno is a great dreamy journey through a peaceful and enchanting world. With an open narrative, simplified gameplay and artistic beauty, it is a cohesive and simple work, and even if it’s short, it turns out to be unforgettable.